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A estranha "linguagem crepuscular" no acidente aéreo da Chapecoense

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Assim como trágicos eventos como o Massacre do Colorado, o atentado à Maratona de Boston e os ataques na França, o acidente aéreo que vitimou o clube Chapecoense na Colômbia também está cercado de coincidências ou sincronismos envolvendo mídia, nomes e lugares. Momentos que antecedem trágicos eventos parecem sempre revelar coincidências envolvendo nomes, aniversários e simbolismos. Para o senso comum, não passariam de conexões causais aleatórias. Seria como se a realidade sofresse algum “espasmo” momentâneo antes da tragédia, para depois voltar ao “normal”. Para a chamada hipótese sincromística esses “espasmos” escondem uma rede  formada pelo inconsciente coletivo cuja dinâmica é baseada nas chamadas formas-pensamento e arquétipos. É a “linguagem crepuscular”, conhecida pelo budismo tibetano (por meio de mandalas, mantras etc.) e que no Ocidente pesquisadores em Sincromisticismo buscam estudá-la através da Onomatologia (estudos da origem dos nomes) e Toponímia (origem dos nomes dos lugares) procuram recorrências e padrões nos acontecimentos. O que a tragédia aérea do clube brasileiro poderia revelar?

Nos momentos que antecedem grandes eventos, tanto antes quanto depois, ocorrem estranhas coincidências como fossem pequenos espasmos da realidade, que depois retornam ao seu estado normal.

De repente nomes, sobrenomes, aniversários e demais coisas supérfluas passam estranhamente a se relacionar entre si. Esse efeito cascata de coincidências é um sintoma de que algo importante acontecerá.

Essa era a convicção do escritor norte-americano Norman Mailer expressa em livros como Existential Errands. Porém, a intuição de Mailer era muito mais do que uma convicção retórica ou literária.

Hoje, pesquisadores como Jake Kotze, Christopher Knowles e Loren Coleman denominam o estudo sobre esses “espasmos da realidade” como Sincromisticismo: a arte de apreender coincidências significativas naquilo que é aparentemente mundano, procurando perceber conexões causais entre eventos aparentemente aleatórios.

Estudar aquilo que chamam de “linguagem crepuscular” – guardando ao mesmo tempo diferenças e analogias com a simbologia secreta da “linguagem crepuscular” budista tibetana: mudras, mantras, mandalas etc., baseado na “espiritualidade dos números”, a numerologia.

Por isso, o Sincromisticismo inicia os estudos dessa linguagem crepuscular via onomatologia (estudo das origens dos nomes)  e a toponímia (estudo da origem dos nomes dos lugares).

Jung, mandalas e Sincromisticismo

Palavras são coisas


Há uma expressão oriental que diz que palavras e ideias são coisas. Dentro da hipótese sincromística o tecido da realidade seria composto por um texto invisível no qual todos os eventos estariam imersos. Uma rede formada por um inconsciente coletivo cuja dinâmica é baseada nas chamadas formas-pensamento e arquétipos.

No interior das interconexões (nós) que estruturam rede invisível as energias etéricas das formas-pensamento estariam sedimentadas em nomes, datas, personagens, narrativas ficcionais como mitos, filmes, arte pictórica etc. Essas “coisas” têm força para criar conexões causais (coincidências significativas ou “espasmos da realidade”) que estariam por trás de eventos trágicos como acidentes, massacres, atiradores, atentados – a princípio, apenas eventos trágicos de natureza sócio-psicológica. Estariam fora as catástrofes naturais, ligadas a causalidades geo-cósmicas.

E na sociedade atual imersa em um continuo midiático, as coincidências significativas envolvendo produtos de mídia, além das coincidências envolvendo pessoas interagindo com mídias, aumentam exponencialmente – pensar em uma canção e depois ligar o rádio do carro e ouvi-la, ter uma ideia e depois vê-la sendo discutida em um talk-show.


Exemplos envolvendo coincidências significativas midiáticas com grandes eventos não faltam: a animação Family Guy cujo episódio “Turban Cowboy” teria “previsto” o atentado na Maratona de Boston em 2013 (clique aqui); o filme Bastille Day, que estrearia nos cinemas franceses cujo plot era uma ação para conter atentados no feriado do Dia da Bastilha no mesmo dia do ataque desse ano em Nice (clique aqui); episódios da série Os Simpsons que, novamente, teria previsto a ascensão de Donald Trump à presidência (clique aqui); o filme Super Mario Bros de 1993 e os atentados ao WTC em 2001 (clique aqui).

Sincronismo na tragédia da Chapecoense


Como não poderia deixar de ser, o trágico acidente aéreo com a delegação da Chapecoense e jornalistas, matando 71 pessoas, também começa a ficar cercado por coincidências significativas envolvendo nomes, TV e filme.

Assim como ocorreram com outros eventos trágicos como o Massacre do Colorado (a semelhança entre uma HQ de Frank Miller e a ação do atirador em um cinema), o chamado “maníaco do shopping” em São Paulo e o filme O Clube da Luta ou exercícios de ataques múltiplos envolvendo paramédicos e policiais noticiados pela Radio France no mesmo dia dos ataques à casa de shows Bataclan em paris, também na tragédia da Chapecoense começam a vir à tona estranhos sincronismos:


(a) O filme “Voo de Emergência”


 Menos de uma hora antes do acidente aéreo na Colômbia, a TV Globo terminava a exibição do filme Voo de Emergência (Ekipazh, 2016). O filme é uma produção russa  no qual o protagonista (Alexey) é um jovem talentoso piloto da Força Aérea, expulso por problemas de cumprimento de ordens. Depois, em uma companhia aérea de passageiros, mais casos de insubordinação. Porém, devido ao seu talento, Alexey é mantido.

Em um voo recebe a mensagem de um terremoto e decide ir ao epicentro do desastre para resgatar as pessoas antes da esperada erupção de um vulcão. Juntos, dois pilotos escapam da região em dois aviões. Porém, um deles não tem combustível suficiente, obrigando a tripulação a uma manobra arriscada de transferir pessoas de um avião para outro em pleno voo...

O plotdo filme e da vida pessoal do piloto da LaMia Miguel Quiroga são estranhamente sincrônicas. O piloto boliviano também deixou a Força Aérea daquele país e envolveu-se em caso de insubordinação, razão pela qual possuía prisão decretada pela Justiça do país. Quiroga deveria cumprir anos de serviço na Força Aérea pelos anos de investimento do Governo na sua formação. Mas Quiroga saiu para trabalhar na empresa privada LaMia.

Isso sem falar na narrativa da falta de combustível em pleno voo no filme e no acidente real na Colômbia.

Porém, o problema desse tipo de análise é que podem cair facilmente em teorias conspiratórias: se a Globo inclusive foi capaz de “prever” o resultado do sorteio do mando dos jogos da final da Copa do Brasil (clique aqui), a “Globo illuminati”, dona do futebol brasileiro, colocou no ar um teaser para a sua posterior cobertura extensiva do acidente? Suspeitas como essa já pululam na Internet.


b) Onomatologia da LaMia


Agora, indo para a onomatologia. O nome da companhia LaMia – Línea Aérea Merideña Internacional de Aviación. Empresa do acidente tem nome do demônio?

Na verdade Lamia é um verdadeiro arquétipo presente nas mais diversas culturas e tradições mitológicas. As origens desse ser fantástico está no antigo texto literário mesopotâmico Gilgamesh de 2000 AC. sob a denominação “Lilith” – uma espécie de mulher pássaro com patas e garras. Mais adiantes, assírios e babilônicos traduziram o mito como um demônio alado. Já na cultura hebraica, Lilith foi representada como espírito noturno ou demônio feminino.

Essa ideia se estenderia até a Grécia, assumindo o nome de Lamia. Na mitologia grega, era uma rainha da Líbia que se tornou devoradora de crianças. Dessa história mitológica surgiram as “lâmias”, tipos de monstros ou espíritos femininos que atacavam jovens e viajantes para lhes sugar o sangue.

Neste aspecto, as lâmias seriam os antecessores dos súcubos da Idade Média e da moderna mitologia das vampiras. Até chegar à mulher fatal hollywoodiana.

Combinação explosiva entre uma fatal mitologia feminina, seres fantásticos alados e um avião carregado de jogadores de um esporte eminentemente masculino?


c) Toponomia: “Cerro Gordo”


 Agora vamos explorar a toponomia. “Cerro Gordo”. Esse foi a localidade da queda do avião, no município de La Unión, vizinho da cidade de Medellin. O nome desse local na Colômbia é notabilizado por um incidente histórico bem longe dali, perto de Xalapa, México. Tornou-se o nome de uma sangrenta batalha travada em 1847 entre exércitos do México e EUA na chamada Guerra Mexicano-Americana. Mais de 1.000 homens morreram.

Essa batalha também é conhecida pelos historiadores como “Batalha das Temópilas do Ocidentes”, pelo uso do exército norte-americano da mesma tática de ocupação do campo de batalha usado pelos persas para derrotar os gregos na antiguidade – veja DUPY & DUPY, The Encyclopedia of Military History,.Harper and Row Publishers, 1970.

O que nos leva às mitologias gregas e persas que compartilhavam da mitologia em torno das “lâmias”.

Do Sincromisticismo à Parapolítica


Depois dessa rápida digressão sobre Sincromisticismo, o leitor poderia fazer uma pergunta: até aqui associamos “coincidências significativas” com atentados, acidentes, massacres e outros eventos negativos. Eventos sincrônicos poderiam produzir fatos benéficos, altruístas e progressistas como a paz, prosperidade ou esperanças? 

Em postagem anterior já respondemos a essa questão, mas vamos repetir: o Universo é caos e entropia porque regido pela lei da seta do tempo. Portanto, em um mundo físico, tudo tende para a desordem, morte e destruição. Infelizmente, para esse cosmos físico, a dinâmica das formas-pensamento é a do esgotamento e dispersão das energias astrais que, nesse plano, esgotam-se em eventos nada agradáveis. Tendem apenas a confirmar a natureza entrópica desse universo.
Filme "Pi" (1998) de Darren Aronofsky - Parapolítica e Sincronicidade

Tudo isso pode parecer para o leitor fantástico, imaginário e conspiratório demais. E é! Na atual cultura New Age e de auto-ajuda, muitos lidam com fragmentos desse conhecimento antigo e hermético: numerologia, simbolismo dos nomes próprios, etc. Apenas que restrito ao consumo pessoal na busca de prosperidade e realizações.

Porém, grupos tentam manipular de forma consciente essa rede invisível de símbolos, arquétipos e eventos sincrônicos naquilo que poderíamos denominar como Parapolítica - ( de “para” – “junto a”, “a margem de”): partindo do Princípio da Correspondência esotérico (“o que está em cima é como está embaixo, e o que está embaixo é como está em cima”) a Política deixaria de ser vista apenas como uma atividade unidimensional terrena para ser um campo de lutas de mútuas influências entre os mundos etérico e físico.

Um exemplo desse tema no cinema, que certamente beira às teorias da conspiração, é o filme PI (1998) de Darren Aronofsky: um gênio da matemática recluso descobre uma sequência numérica em torno de 200 números que seria o modelo de causalidade universal para todos os fenômenos. Ele descobriu o próprio nome sagrado de Deus traduzido em números – sobre o filme clique aqui.

A partir de então passa a ser perseguido por empresas de corretagem das finanças de Wall Street e por um grupo de rabinos. Aquele que tivesse essa chave universal em mãos com a qual todos os acontecimentos poderiam ser probabilisticamente antecipados, certamente teria poder político, financeiro e religioso.

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Curta da Semana: "World Wide Woven Bodies" - sexo e Internet nos anos 90

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Muitos ainda devem lembrar do indefectível som do dial-up fazendo a conexão com a Internet ou daquele protetor de tela no qual apareciam canos em 3D. Eram os anos 1990 e a Internet começava a chegar nos lugares mais recônditos do mundo. No interior da Noruega, um jovem começa simultaneamente a descobrir a sexualidade e a Internet. E encontra na seminal rede de computadores um mundo livre de censura que desperta ainda mais a curiosidade sexual instintiva. Esse é o curta norueguês “World Wide Woven Bodies” (2015) com um design de produção que reconstitui de forma precisa aquela época. Um momento único na história onde o tecnológico e o espiritual se fundiram, no qual foi vivido mais plenamente do que hoje a tensão entre os reinos analógico e o digital.

Talvez a geração que testemunhou a chegada da Internet nos anos 1990 seja a única que experimentou uma mudança tecnológica disruptiva. Certamente, o único paralelo histórico seria com a geração que no século XVI experimentou a revolução tipográfica de Gutemberg.

O curta norueguês World Wide Woven Bodies (2015) explora esse período especial da História: a chegada à adolescência de um jovem chamado Mads e a descoberta da sexualidade coincidindo com a chegada da Internet naquele país no final daquela década.

Mads descobre a pornografia, mas não livre de consequências: isso começa a complicar o relacionamento com seus pais, tornando a vida familiar incômoda e discussões cada vez mais tensas, sem deixar de sofrer retaliações dos pais.

Mads descobre na rede de computadores um mundo livre de censura, permitindo o crescimento da curiosidade sexual instintiva, mas atrofiado pela dinâmica familiar.


O diretor Truls Krane Meby tentou descrever a forma como a Internet desde o início se conectou com a nossa humanidade:
“Eu queria mostrar como a Internet sempre esteve intimamente ligada com as nossas partes mais íntimas, dada a sua natureza de fluxo, sem censura e relativa facilidade em cobrir as pistas das nossas paixões escondidas. À medida em que a Internet fica cada vez mais incorporadas nas nossas vidas e, provavelmente à nossa própria carne, ela crescerá ainda mais. WorldWide Woven Bodiesé sobre a história das origens dessa conexão”.
“O que é esperma?”. Uma pergunta simples, mas certamente não é uma pergunta confortável para os pais. Mads vai buscar a resposta na Internet. A descoberta do próprio corpo por meio da masturbação, páginas de pornografia e a ciência se fundem num período único da História recente onde o tecnológico e espiritual se fundiram – não é para menos que a popularização dos filmes gnósticos começa na segunda metade dessa década para tentar dar conta dessa inquietação.

Físico versus digital


Meby ilustra cuidadosamente ao mesmo tempo o apego e a aversão à nova tecnologia.

O curta reconstitui com precisão todos as mais memoráveis marcas aquela época: o indefectível som do dial-up de conexão a Internet, a resolução de tela em Super VGA, o protetor de tela com animações de canos em 3D, a área de trabalho do Windows 95, o computador pensado como mais um eletrodoméstico, imagens baixando lentamente em sites com designs simples elaborados no programa Front Page etc.


Ao filmar em 35mm, Meby quis contrastar o físico versus digital: as belíssimas imagens das montanhas e natureza num recôndito da Noruega contrasta com as imagens planas na pequena tela de um computador colocado em uma sala de estar decorada com estantes repletas de livros.

O computador era naquele momento concebido como um eletrodoméstico, ao lado da TV ou de um liquidificador.

  Certamente foi um momento único de uma geração que nasceu em um ambiente analógico e experimentou a transformação de sons, imagens e palavras em bits. Best sellers da época como o livro de Nicholas Negroponte, professor do MIT, chamado A Vida Digital era difícil de ser entendido: como hábitos pessoais e sociais poderiam ser transformados pela mudança da informação do reino dos átomos para os bits?

Para aqueles que lidaram com máquinas de escrever e assistiram filmes nas telonas do cinema, um programa de digitação de texto como o Word ou players como um VLC ou Quick Time sempre serão comparados com mídias passadas e encarados como meros facilitadores de produção de textos ou distribuição de filmes.

No curta vemos livros e gibis convivendo com um computador ainda restrito a um canto na sala. Hoje, começa a emergir uma geração que já nasceu digital. Para ela, a Internet já é o próprio cotidiano em dispositivos móveis, e a era analógica um distante passado assim como as narrativas do Velho Oeste.

O que poderemos esperar então de jovens que jamais experimentarão a tensão entre o mundo analógico e digital, como retratado no curta? O digital antecederá para sempre o analógico?

Em "A Chegada" o homem está incomunicável no Universo

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A exemplo de “Interestelar”, o filme “A Chegada” ("Arrival", 2016) é uma ficção-científica desafiadora. Enquanto no filme de Nolan a física quântica e a relatividade buscavam conciliação num ponto distante da galáxia, em “A Chegada” o desafio está naquilo que nos mantêm presos à Terra, assim como a gravidade: a linguagem. Como nos comunicar com visitantes vindos de um ponto distante do Universo através de uma linguagem que nos aprisiona a um tempo-espaço tridimensional? De repente o homem descobre que está incomunicável no Universo. A linguagem não serve apenas para dar nome a coisas e acontecimentos. Traz consequências: nos aprisiona no tempo e memórias. E para nos libertar da realidade construída pela linguagem, somente um salto de fé. Mas não existe almoço grátis. Mesmo um filme tão intelectualmente ambicioso, teve que pagar o preço político-ideológico de uma produção hollywoodiana.  

Para um estudioso em linguagem e comunicação, A Chegadaé um thriller semiótico-linguístico. Para os espectadores em geral, A Chegadaé uma narrativa de ficção científica desafiadora. Digamos que seja um mix de Independance Daycom o clássico O Dia em Que a Terra Paroude 1951 (despreze a refilmagem de 2008) com uma narrativa potencialmente em loop do filme Interestelar de Christopher Nolan.

Se em Interestelar, Nolan lidava com mecânica quântica e procurava uma conciliação com a Relatividade do tempo-espaço, aqui em A Chegada Villeneuve leva a discussão do contato humano com outros mundos ou civilização para o plano semiótico-linguístico. E o resultado é surpreendente: na verdade a forma como utilizaríamos a linguagem para tentarmos nos comunicar com uma outra civilização seria tão paradoxal que deveríamos alterar radicalmente a maneira como percebemos o tempo e espaço.

Em outras palavras: ao tentarmos imergir na linguagem de uma nova civilização vindo do outro lado da galáxia, teríamos que nos libertar das amarras da nossa própria linguagem. Descobriríamos que a maneira como percebemos passado, presente e futuro é condicionado pela nossa própria gramática, sintaxe e semântica.

A linguagem não é apenas uma ferramenta que dá nome às coisas. Ela altera a maneira como percebemos a realidade. Ou aquilo que chamamos por “realidade”.


Além disso, A Chegada Villeneuve dá um soco no estômago de toda a Teoria da Informação (TI), que é o pressuposto teórico por trás de projetos de busca de inteligência extraterrestre como o SETI (Search of Extraterrestrial Inteligence), nos EUA – visa analisar sinais de rádio de baixa frequência vindos do Universo em busca de alguma transmissão extraterrestre inteligente.

Para a TI, código e redundância seriam sinais de inteligência numa frequência de sinais, por criarem padrões intencionais – distinguindo sinais “aleatórios” dos sinais “inteligentes”, pensando aqui inteligência como “intencionalidade”. Portanto, descobertos esses padrões, bastaria entender a semântica e sintaxe dos sinais para sabermos o que representam.

Porém, essa é uma concepção bem terrestre de inteligência, que projetos como SETI acredita ser universal: qualquer forma de vida inteligente somente poderia se comunicar através de códigos, redundâncias e padrões.

A relatividade do antropocentrismo


Mas não é o caso dos visitantes extraterrestres de A Chegada: se um dia alguma forma de vida “inteligente” de outro planeta vier nos visitar, sua forma de “comunicação” será inteiramente outra. Descobriríamos arduamente que as noções de “inteligência” (como “intencionalidade”) e “comunicação” (como “representação”) são tão relativas que certamente implodiriam o nosso antropocentrismo.

Na verdade, descobriríamos que a teoria da linguagem foi o substituto materialista da velha metafísica religiosa: assim como na religião nós humanos seríamos exclusivos no Universo por sermos criados à imagem e semelhança de Deus, da mesma forma nas Teorias da Linguagem ou na TI a nossa forma de inteligência e comunicação seria a única referência para qualquer inteligência que supostamente exista em algum recôndito da Galáxia.

A Chegada desconstrói todas essas certezas que, como veremos, chega ao ponto do radicalismo gnóstico.


O Filme


Nas primeiras cenas assistimos a um suposto flashback detalhando o nascimento, a breve vida e morte da filha de Louise Banks (Amy Adams), uma emérita especialista em linguística que tem o seu cotidiano na Universidade quebrado por uma transmissão ao vivo da TV no meio de uma aula: 12 gigantescos objetos voadores (chamadas de “conchas”) se posicionaram em diferentes pontos do planeta. São silenciosos e flutuam a poucos metros do solo.

Ao contrário do que os noticiários dizem ao público, os governos do mundo já tentaram fazer o primeiro contato com as criaturas desses objetos, os “heptapods” – grandes criaturas inteligentes que se assemelham a polvos com sete tentáculos, enormes cabeças e mãos gigantes.

Os militares fracassaram em todas as tentativas de comunicação: as criaturas apenas ecoam ruídos que às vezes parecem sons de baleias ou aqueles dos tripods do filme Guerra dos Mundos (2005). Por isso, Louise é contatada pelo Coronel Weber (Forest Whitaker) para ajudar os militares a decodificar a linguagem alienígena, juntamente com o físico e matemático Ian (Jeremy Renner).

Louise e Ian terão que fazer os aliens entenderem uma simples questão: qual o propósito da visita? Junto com uma equipe de militares, entram em uma das conchas, em Montana, EUA. Lá encontrarão uma “barreira”: um espesso vidro pelo qual são separados os dois meios ambientes. Através do vidro, tentarão empreender uma aventura linguística.

A “barreira” é a grande metáfora do filme. Louise sente que a noção de linguagem dos militares é bem limitada. Não se trata apenas de “decodificar” – a linguagem também é feita de interações e jogos de linguagem corporais. Para pânico dos militares, Louise abandona os protocolos de segurança e se despe das roupas de proteção. Encosta a palma da mão no vidro, para ter a primeira resposta dos alienígenas: com as enormes mãos, desenham um círculo com tinta escura.

Será um símbolo? Um ideograma? Um ícone? Um o quê? As coisas vão complicando quando descobrem que esses círculos são muito mais do que isso: transmitem uma sentença ou um pensamento complexo em um segundo, com começo, meio e fim – nada a ver com letras ou frases.


Corrida contra o tempo


O que era um estudo científico, transforma-se numa corrida contra o tempo: o mal estar das grandes potencias como Rússia e China cresce. A barreira parece não estar apenas dentro de cada “concha” – entre os países cresce a desconfiança se todas as descobertas estão sendo partilhadas entre si. O instinto predador humano ameaça levar as potencias à guerra contra os visitantes interplanetários.

E para piorar, cresce convulsões nas grandes cidades como ondas de saque e violência e surgem cultos suicidas e terroristas em todo o mundo: parece que a descoberta que não somos os únicos criados à imagem e semelhança de Deus no Universo criou um estado de anomia e descrença por qualquer regra, lei ou princípio religioso ou filosófico. Se tudo é relativo, então vale tudo!

Essa sensação de relatividade se abaterá sobre Louise e Ian: como nos comunicarmos com aquilo que nos aterroriza por ser inteiramente outro?


A linguagem traz consequências


Uma das chaves de interpretação do filme é a fala de Louise na primeira sequência enquanto relembra o drama da morte da sua filha: “A memória é uma coisa estranha. Não funciona como imaginava. Estamos tão prisioneiros do tempo... pela sua ordem...”.

Representamos o passado através da linguagem, com a sua ordem sequencial de letras, sinais, fonemas organizados por uma ordem sintática. Ordem sequencial que representa a própria seta do tempo (passado, presente e futuro). A linguagem faz muito mais do que dar nomes a coisas ou acontecimentos: ela molda a realidade, cria um roteiro para navegarmos pelo mundo. Por isso a linguagem traz consequências – pode nos aprisionar em uma rede significante binária.

A primeira coisa que Louise e Ian compreendem é a palavra “arma” comunicada pelos círculos. Presos à binaridade dos códigos, pensaríamos a palavra dentro das oposições guerra/paz, violência/brandura etc.

Mas os heptapods não articulam a linguagem dessa maneira: sua comunicação escrita deriva de uma compreensão complicada e matemática do universo, muito próximo à conclusão final do filme Interestelar de Nolan. Através da sua escrita, os aliens podem folhear as próprias linhas do tempo quanto folheamos um livro.

Como romper com a prisão linguística? A resposta que A Chegada nos dá é gnóstica: por meio do salto de fé – arriscar tudo, romper com a binaridade, códigos, redundâncias e exercitar o aspecto invisível de toda linguagem, talvez essa a sua dimensão verdadeiramente universal: a interação analógica.

Louise arrisca tudo e se arroja para o interior da “concha” sozinha e desprotegida. Lá descobrirá como a nossa linguagem é limitada à maneira tridimensional como nossos corpos ocupam o espaço. A nossa linguagem se ocupa apenas da largura, profundidade e altura.

Falta o tempo, a dimensão analógica e sensível que a tecnologia digital humana parece querer nos fazer esquecer na cultura do eterno presente hedonista.


Não existe almoço grátis


Porém, tanta ambição filosófica de Dennis Villeneuve e do roteirista Eric Heisser (baseado no conto de Ted Chiang Story of Your Life tem um preço a ser pago. Afinal estamos numa cara produção hollywoodiana com lançamento em circuito mundial.

“Não existe almoço grátis”, diz uma frase popular que sintetiza o pragmatismo norte-americano. A Chegada teve que pagar o tributo aos clichês político-ideológicos hollywoodianos.

Para começar, as cenas de tensão iniciais da chegada das “conchas” e os primeiros contatos com os heptapods tem uma trilha musical com um toque, digamos, árabe. Afinal, para o Ocidente nada mais “alienígena” do que uma sonoridade oriental.

A cineteratologia (o estudo da representação dos monstros no cinema – clique aqui) dos aliens é bem Hollywood, lembrando as versões do filme Guerra dos Mundos e seus tripods. Até o som que ecoam em muitos momentos lembram as aterrorizantes trombetas das gigantescas máquinas do filme com Tom Cruise.

E, claro, as potências mais beligerantes e impacientes que querem partir para a guerra são, obviamente, China e Rússia. Enquanto isso, pacientemente e com senso de compaixão, cientistas norte-americanos tentam compreender o propósito das criaturas interplanetárias.

Em tempos atuais, certamente a NSA ou CIA teriam hackeado a comunicação alienígena para descobrir nas “conchas” alguma super-tecnologia que garantisse a supremacia dos EUA por todo o planeta. Se é que isso já não aconteceu...


Ficha Técnica

Título: A Chegada (Arrival)
Diretor: Dennis Villeneuve
Roteiro: Eric Heisserer baseado no conto de Ted Chiang “Story of Your Life”
Elenco:  Amy Adams, Jeremy Renner, Forest Whitaker, Michael Stuhlbarg
Produção: 21 Laps Entertainment, FilmNation Entertainment
Distribuição: Sony Pictures
Ano: 2016
País: EUA

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"Elle Brasil" liga Cabala e Tecnognosticismo na Moda com modelo robô

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Na edição de dezembro a revista de moda “Elle Brasil” figurou na capa a robô Sophia, um dos projetos de inteligência artificial mais avançados do mundo. Clicada pelo fotografo Bob Wolfeson, a ideia do editorial era apontar versões para o futuro da indústria da moda. Mas um robô vestindo roupas vitorianas nada mais fez do que revelar as arquetípicas e milenares origens da Moda, Estilismo e manequins na longa tradição esotérica e hermética da Teurgia, Alquimia e a Cabala Extática – uma longa e secreta história de seres artificiais mágicos como homúnculos, golens e frankensteins. Até chegar aos atuais manequins das vitrinas de shoppings e modelos vivos das passarelas – seres ainda “não formados”, à espera do “espírito” (o Estilo) que lhes dê vida. Assim como o código binário que torna a robô Sophia “viva”. A atual agenda tecnognóstica se encontra com a Moda.  Pauta sugerida pelo nosso leitor Nelson Job.

Em um catálogo de roupas 2004/2005 do estilista sueco Otto Von Busch figurava um pequeno texto de introdução no qual ligava as raízes da Moda à magia e hermetismo:
(...) Através de uma longa história e tradição, os sacerdotes se reúnem para uma cerimônia, convocando o próprio espírito da mística força da Estética para materializá-lo. Nesse momento místico de materialização do elevado ideal é produzido um ícone para adoração - a fotografia de moda. Uma guarda inteira de sacerdotes, geralmente da mesma rede de seita, é recolhida em um estúdio, os bastidores escondidos do templo da moda. Lá eles invocam o espírito da Beleza para se materializar em um modelo virgem. 

Tratada pelo mais sagrado óleo e poções de lugares exóticos e com ingredientes secretos transforma-se em algo divino, para além da condenada carne humana. Na frente das lentes ela é transformada em uma representação fantasmagórica e na modelo mais bonita de uma raça humana imperfeita. Sem pelos indesejáveis, sem cheiro, sem pele irregular, sem características indesejáveis. São os elementos necessários para adorarmos um ícone.”
A Moda e o Estilismo como uma seita onde, nos seus bastidores dos estúdios fotográficos da produção dos editoriais de moda, “sacerdotes” transformam a “modelo mais bonita” em “raça humana perfeita”, “para além da condenada carne humana”, pode ser a princípio visto como mera retórica de propaganda do negócio da moda.

Mas ao longo da História, a Moda revela uma origem, por assim dizer, secreta – uma narrativa que descreve como o corpo humano foi aos poucos transformado em um “golem” (aquilo que ainda não foi formado), um corpo inanimado à espera de um “espírito” (o “estilo”) que lhe traga vida. Uma história que se confunde com a própria história dos manequins com raízes míticas na Teurgia e na chamada “Cabala Extática”.


A robô Sophia


Isso parece ficar ainda mais evidente na capa da edição de dezembro da revista de moda Elle Brasil na qual figura a robô Sophia, um dos projetos de inteligência artificial mais avançados do mundo.

O propósito da edição é trazer as diferentes versões do futuro na indústria da moda. O editorial da edição quis chamar a atenção do contraste entre a imagem futurista da robô e o look vitoriano das suas roupas.

Sophia tem a pele feita com tecido nanotecnológico que permite expressões faciais, mas a parte do que seria o couro cabeludo é transparente, deixando entrever que se trata de uma máquina. A robô lembra muito o personagem Ava do filme Ex-Machina(2015 – sobre o filme clique aqui). Sophia é um projeto da Hanson Robotics, uma companhia norte-americana que cria robôs “capazes de criar uma relação de confiança com pessoas”.

A robô foi clicada pelo fotógrafo Bob Wolfeson.

Sophia e o caminho de retorno


A edição da revista de moda Elle Brasil pretende fazer futurologia, mas nada mais fez do que confirmar as arquetípicas e milenares origens em tradições místicas e herméticas. E o seu ar vitoriano retro apenas conectou com mais um exemplo dessa tradição da “cabala extática”: a obra Frankenstein de Mary Shelley, do século XIX.

Isso sem falar do próprio nome “Sophia” que remete à mitologia gnóstica que simboliza simultaneamente o aspecto feminino de Deus e a alma humana. Um aeon que decaiu prisioneira no mundo material, mas que conseguiu fazer o caminho de volta à Plenitude, deixando para o homem a fagulha de Luz interior (“Anthropos”) que permite também traçar o caminho de retorno, escapando da prisão cósmica no mundo físico.


Esse “caminho de retorno” foi buscado desde a Antiguidade com a Teurgia, mais tarde na Idade Média com a Alquimia (a Teurgia operativa) e a cabala extática – a qual é tributária toda a tradição dos golens, frankenteins. Mais tarde os manequins e modelos vivos atuais da indústria da moda.

Os modernos manequins nas vitrines dos shoppings e os modelos vivos nas passarelas são herdeiros de uma longa tradição do fascínio humano por bonecos, fantoches, autômatos e demais simulacros humanos.

O fascínio pela Teurgia


Victoria Nelson em seu trabalho The Secret Life of Puppets defende que a origem desse fascínio está na Teurgia e nos filósofos e sacerdotes helenísticos.

A Teurgia (theoi, “deuses” + ergon, “obra”) surge no mundo helenístico como a primeira forma de manipulação da matéria onde, assim como o Demiurgo, podemos dar vida e alma a uma forma material e inferior. Se temos dentro de nós uma parte desse Anthropos, podemos retornar a ele exercendo as mesmas habilidades reservada aos deuses: imitatio dei por generatio animae, imitar Deus criando vida.

Para a autora, é na Alquimia que temos esse encontro decisivo entre gnosise epistemis, entre a ciência experimental e a prática religiosa através de sucessivas operações que reproduzem as etapas da criação do cosmos físico pelo Demiurgo até a redenção da matéria representado pela criação da “Pedra Filosofal” ou da “criança/homunculus” (“pequeno homem”, também chamado como “mannikin”).

Homunculus, Golem, Frankenstein - uma longa tradição dos "mannikins"

Cabala Extática, Golem, Frankenstein


Dentro dessa tradição de buscas de um “caminho de retorno” está também a tradição da chamada “Cabala Extática” – a fusão da cabala profética (a experiência mística) com a cabala dos “nomes divinos” (recitação dos nomes divinos e as várias combinações do alfabeto hebreu).

Se trata de animar o inanimado. Através do mito judaico do Golem, aquilo que é disforme e desprovido de vida recebe o nome mágico e divino que o torna vivo – o nome de Deus escrito na testa do ser artificial daria vida a ele. Imitar Deus criando vida. A forma extática de retorno pela imitação de Deus.

Da combinação do alfabeto hebreu às combinações do código binário na ciência computacional e inteligência artificial, o princípio teúrgico é o mesmo: através do “nome sagrado” dar vida a um ser com características humanoides, porém “liso”, informe, à espera de uma combinação mágica de signos (um código) para lhe dar vida e forma.

Robôs e modelos - o corpo robótico tecnognóstico na Moda

O tecnognosticismo da robô Sophia


Como na citação acima de Otto Von Busch, a Moda condena a carne humana, que deve ser superada por “algo divino”. Assim como a Teurgia da cabala extática, o estilista manipula as combinações da signos da moda (o “sistema da moda”, como afirmava o semiólogo Roland Barthes) para dar vida aos “manequins” – modelos vivos (ou nem tanto) cadavéricos, anoréxicos, com aspecto de “heroin heroes”, “decadentes chics”, ar enfadado e inexpressivos, à espera do “nome mágico” (o Estilo) que lhes dê vitalidade para desfilarem na passarela.

Na verdade a capa da revista Elle Brasil não tem nada de futurista. No máximo é o encontro da Moda com a encarnação mais atual dessa tradição teúrgica cabalista: o tecnognosticismo, expresso no projeto do robô Sophia.

Tecnognosticismo corresponde a agenda tecno-científica atual: o esforço multidisciplinar envolvendo as neurociências, ciências cognitivas, Cibernética, Inteligência Artificial e Teoria da Informação para desvendar um dos últimos grandes mistérios da ciência: o funcionamento da mente humana e a natureza da consciência. A procura de um modelo de simulação computacional, uma interface gráfica que permita não só compreender a dinâmica dos processos mentais e da consciência, mas, principalmente, manipulá-la e controlá-la.

Principalmente por meio de projetos como o robô Sophia – um nome irônico que reflete a motivação mística que anima o Tecnognosticismo: a morte como upload final para a vida eterna pós-morte – a vida imortal da alma traduzida em dados digitais vivendo para sempre no ciberespaço, longe da vida orgânica imperfeita, frágil e condenada à finitude.

O robô Sophia é mais um revival dessa tradição de golens e frankensteins cujo misticismo assombra a suposta racionalidade na qual vivemos.  Assim como faz a indústria da Moda, a cada coleção de roupas da estação, dando vida aos manequins das vitrines e aos modelos humanos que ganham vida nas passarelas.

E aguarde para a próxima semana uma análise do Cinegnose sobre a série HBO Westworld. 

Por enquanto, o leitor pode ficar com uma entrevista com a robô Sophia: 



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Pesquisa coloca Brasil entre países mais "ignorantes" do planeta

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Certa vez o sociólogo francês Pierre Bourdieu provocou: “a opinião pública não existe”. A pesquisa “Perils of Perception 2016” (Perigos da Percepção) do instituto britânico Ipsos Mori parece confirmar isso: na verdade a opinião confunde-se com percepção, assim como nos telejornais atuais as notícias são confundidas com “sensações”, seja dos jornalistas ou dos telespectadores. O resultado da pesquisa foi a criação do “Ranking da Ignorância” – a distância entre a percepção que as pessoas têm da realidade em que vivem e os dados oficiais de cada país. O Brasil ocupa os primeiros lugares, atrás da Índia, China e EUA. Entre os países menos “ignorantes”, Holanda e Coréia do Sul. Incapacidade de entender estatísticas, preconceito, atalhos mentais, ignorância racional e o “poder das anedotas” das mídias estão entre os fatores apontados pela disparidade entre percepção e realidade. Também há um fator comum entre os países primeiros colocados: o monopólio midiático.

É comum na grande imprensa as palavras “percepção” e “sensação” serem tomadas como sinônimos. Por exemplo, em um telejornal fala-se da necessidade de construir um posto da Polícia Militar na praça de um bairro com altos índices de criminalidade. Segundo o repórter, o posto criaria uma “percepção de segurança” para os moradores.

Ou então fala-se em “sensação de crise” no final do ano quando, na base do olhômetro, o repórter conta o número de pessoas que não carregam sacolas de compras em um shopping.

Ou ainda quando se faz uma rápida enquete com populares em algum calçadão do centro da cidade para confirmar alguma “percepção” sobre qualquer coisa.

Atualmente, notícias se confundem com “percepções” ou “sensações” tomadas como evidências sobre qualquer suposta tendência, crise ou acontecimento. É o que recentemente tem sido denominado de “pós-verdade” – um grande arco que vai do menosprezo por fatos objetivos até a ignorância racional e o efeito Dunnig-Kruger – indivíduos acreditam saber mais do que especialistas por estarem abastecidos por clichês, sofismas e frases prontas.

Porém, percepções não são a realidade. É o que comprova a pesquisa do Instituto Ipsos Mori “Os Perigos da Percepção 2016”, realizada entre os meses de setembro e novembro envolvendo 40 países. O objetivo é demonstrar o quanto as pessoas têm uma interpretação equivocada da sua própria realidade – a diferença entre a percepção (desvalorização ou exaltação de determinados temas que preocupam a sociedade) e os dados estatísticos oficiais de uma determinada realidade.


A partir dos dados coletados, a pesquisa conseguiu traçar o “índice da ignorância”, listando os países cuja percepção é mais distante da realidade.

A Índia aparece em primeiro, seguida por China e Taiwan. O Brasil figura em sexto lugar, após os EUA. Na ponta oposta do índice estão Holanda, Reino Unido e Coréia do Sul.

Aqui o conceito de “ignorância” não implica em falta de inteligência, mas apenas falta de conhecimento ou informação objetiva sobre uma realidade. O objetivo principal da pesquisa é levantar questões sobre o porquê da disparidade entre a percepção e os dados oficiais de cada país.

Os Resultados


Segundo a pesquisa, os brasileiros acham que a população muçulmana no País é muito maior (12%) do que na realidade (menos de 0,1%) – França, no topo, 31% contra 7% na realidade. E se equivocam ainda mais por acreditar que até 2050 que a religião islâmica chegará a 18% da população, enquanto dados reais que chegará no máximo a 1%.

Perguntados sobre a proporção da população que diz ser feliz, os brasileiros falam em 40% enquanto estudos indicam que são 92% aqueles que se consideram felizes.

Brasileiros também se equivocam quanto a proporção da distribuição da riqueza: para os entrevistados, os 70% menos ricos detém 24% da riqueza quando a realidade é muito pior, apenas 9%.

Ainda consideram que o Brasil é mais tolerante do que realmente é. Os entrevistados acreditam que mais de 50% da população acham que a homossexualidade é moralmente aceitável. Mas dados oficiais apontam que só 39% pensam assim.

Ranking de 2015

Quanto ao sexo antes do casamento, os brasileiros sobrestimam o preconceito: acham que 43% não aceitam – quando o dado real é 35%. E o inverso é sobre o tema aborto: acham que 61% devem considerar moralmente inaceitável. Dados reais indicam 79% da população.

              Os dados coletados sobre a percepção dos entrevistados foram confrontados com diferentes fontes de informações oficiais e institutos de pesquisas de cada um dos países.

Bombas Semióticas


Os resultados sobre os Perigos da Percepção do Ipsos Mori confirmam os resultados do atual estágio da engenharia de opinião pública, não mais focada nas estratégias hipodérmicas de repetição e doutrinação político-ideológica do passado, mas agora concentradas na detonação do que o Cinegnose chama de “bombas semióticas” que torna-se instrumento da “Guerra Híbrida” – através da moldagem da percepção por estratégias de “agenda setting” e “espiral do silêncio” criar “climas de opinião” que evoluem para “ignorância racionalizada” através dos clichês de noticiários que confundem notícia com percepção.

Os pesquisadores do Instituto Ipsos Mori apontam para alguns motivos sobre essa discrepância entre percepção e realidade:

(a) Inabilidade com números


Somos particularmente pouco hábeis em lidar com cifras numéricas ou muito elevadas ou muito pequenas – o que afeta nossa capacidade de pensar em, por exemplo, distribuição de renda ou em supervalorizarmos os números sobre gravidez na adolescência, como mostram dados sobre crimes praticada por menores: a percepção é de 70% quando dados oficiais apontam para 20% .


(b) Preconceito e “atalhos mentais”


Tendemos a pegar informações facilmente disponíveis, mesmo que não se encaixem perfeitamente em uma questão.

O sociólogo Pierre Bourdieu já apontava a falácia principal das pesquisas de opinião no texto “A Opinião Pública Não Existe” (clique aqui): partem do pressuposto que qualquer um sempre tenha uma opinião a dar. Na maior parte do tempo, as opiniões são compostas por um conjunto racionalizações, clichês ou frases prontas facilmente disponíveis e sempre repetidas pela estratégia de agenda setting, facilitada pelo contexto de monopólio midiático, como veremos abaixo.

(c) Emotional Innumeracy


Exaltamos ou desvalorizamos determinados temas influenciados por preconceitos e medos difundidos pela sociedade, criando a discrepância entre percepção e estatística – as representações diárias da mídia sobre ISIS arregimentando brasileiros em redes sociais, Oriente Médio e terrorismo levam a uma sobre-valoração dos números do crescimento de muçulmanos e imigrantes no país.


(d) Mídia e o “poder da anedota”


A identificação das notícias com a percepção (seja dos próprios jornalistas ou dos leitores e telespectadores) leva a grande mídia a buscar personagens, narrativas ou histórias exemplares que “comprovem” uma determinada “sensação” ou “clima de opinião” pré-existente: o repórter que fica contando o número de pessoas em um shopping sem carregar sacolas de compras para comprovar a crise econômica;

A história de um adolescente que caiu no crime para fugir da família; história emocionante de luta e dedicação de um empreendedor bem sucedido – o que cria a discrepância com os dados estatísticos oficiais: apenas 1% dos desempregados se beneficiam das políticas públicas de apoio ao empreendedorismo – clique aqui. 

(e) Ignorância Racional


Conceito no qual o custo de adquirir um novo conhecimento excede os benefícios que esse conhecimento traria.

Permanecer ignorante é racional (aqui pensada a racionalidade associada a lei do menor esforço). Principalmente quando há todo um movimento social e midiático de encarar a Política como uma prática em si corrupta, dispendiosa e distante e que, por isso, não traz nenhum benefício individual para o eleitor.

A ignorância seria uma resposta racional a um contexto político em torno de nós, no qual temos a percepção de não termos poder ou controle.


Percepção e monopólio midiático


O ranking da ignorância resultante da pesquisa Perils of Perception chama atenção para um detalhe final, porém decisivo: os seis países nas primeiras colocações (respectivamente Índia, China, Taiwan, África do Sul, EUA, Brasil) apresentam uma situação de monopólio, controle e censura midiáticas.

Apesar de variedade de dialetos, diferenças culturais e regionais e um sistema midiático aparentemente vibrante e pluralista, a Índia oferece um excelente estudo de caso sobre o poder da comunicação e softpower com Bollywood no cinema e a Sun TV na produção televisiva, como aponta Daya Kishan Thussu no livro Communicating India’s Soft Powerclique aqui.

Na China o controle e censura em relação as novas mídias fechando jornais on line independente e o controle dos conteúdos pelo Partido Comunista. Chegando, inclusive a proibir filmes sobre viagens no tempo – o Cinegnose já discutiu o porquê, clique aqui.

Na África do Sul temos o amplo domínio da Naspers que controla 23 revistas (incluindo as mais lidas da imprensa cor-de-rosa), sete diários e o gigante da televisão por assinatura DSTV. Com mais de um século de existência, esta multinacional da África do Sul vende serviços em mais de 130 países. Incluindo o Brasil (com participação na editora Abril), a China - associada da Tencent, de serviços de Internet e telefonia.

Nos EUA seis corporações, os chamados “Big Six”, controlam a mídia: Time WarnerWalt DisneyViacomRupert MurdochCBS Corporation e NBC Universal. Absolutamente dominam notícias e entretenimento.

Pior é no Brasil. Apenas as organizações Globo detém o monopólio das comunicações sob a estratégia da chantagem política (atualmente associada ao Poder Judiciário – Polícia Federal e Ministério Público) e controle do mercado publicitário mediante o BV – bônus por volume, propina paga às agências de publicidade que nela anunciam.

Além dos motivos apontados acima, certamente o monopólio dos meios de comunicação é a condição principal para se criar os três fatores que resultam em um “clima de opinião” ideal para moldar definitivamente a percepção da esfera pública: acumulação, consonância e onipresença midiática.

Fonte: DUFFY, Bob. "Perils Of Perception", Ipsos View, March, 2016 - clique aqui


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Na série "Westworld" o labirinto da mente bicameral das máquinas e humanos

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Um dos raros exemplos em que a refilmagem supera o original – o filme de 1973 “Westworld – Onde Todos Não Têm Alma” baseado no livro de Michel Crichton, criador do subgênero tecno-thriller depois de se inspirar em uma visita que fez à NASA e Disneylândia em 1970. Mas a série HBO “Westworld” (2016) foi além do filme clássico, ao associar o drama dos “hospedes” humanos e “anfitriões” androides em um parque temático “high tech” com a mitologia gnóstica, cientificamente baseada na arqueologia da consciência do filósofo Julian Jaynes – a Teoria da Mente Bicameral. Diferente de 1973, a série concentra-se na jornada espiritual interior dos androides, na busca da consciência através de simbolismos xamânicos como o labirinto, a espiral e a serpente: romper com a narrativa das linhas algorítmicas de programação como uma voz externa divina e descobrir a narrativa interior em cada um de nós, androides e humanos.

O escritor Michael Crichton se notabilizou por criar o subgênero chamado “techno-thriller” no qual ação junta-se com detalhismo científico, como nos seus livros Westworlde Jurassic Park, o primeiro transformado no filme Westworld – Onde Ninguém Tem Alma (1973) e o segundo na franquia Jurassic Park (1993).

Tudo começou quando Crichton visitou o Kennedy Space Center e depois a Disneylândia, na Flórida, em 1970. Ele viu como os astronautas eram treinados e todas suas funções corporais monitoradas para que se tornassem previsíveis, como máquinas. E na Disneylândia viu um boneco de Abraham Lincoln que se levantava a cada 15 minutos para falar o famoso discurso de Gettysburg. Tudo isso deu a ideia de brincar com situações onde as diferenças entre homens e máquinas começassem a ficar cada vez mais turvas.

A série HBO Westworld, criada por Jonathan Nolan e Lisa Joy, mantém o espírito do livro original, com muitas pistas falsas que nos faz tentar ligar ao filme de 1973 (por exemplo, o pistoleiro “man in black” de Ed Harris fazendo alusão ao pistoleiro vivido por Yul Brynner no filme original).

Filme original de 1973

Mas a série vai além: não se trata mais de borrar as diferenças entre homens e máquinas: e se os homens (os “hóspedes”) forem eles próprios máquinas como os “anfitriões” do Parque Westworld. E se o mundo “real” e externo ao parque for tão falso como o mundo dos androides de Westworld? É como se a série continuasse aquele final de Show de Truman quando o protagonista abre a porta para sair da sua vida falsa dentro de um reality show: e se Truman descobrir que a vida lá fora é tão falsa quanto o mundo do qual conseguiu escapar?

Ironicamente em Show de Truman Ed Harris interpretava o diretor do gigantesco reality show que aprisionava Truman. Em Westworld, Harris é um dos humanos do parque que tenta resolver o enigma do “Labirinto”: descobrir a autoconsciência que, no final, liberte deixando de ser, “hóspedes” e “anfitriões”, apenas máquinas comandadas por algum Demiurgo que cria narrativas para todos viverem prisioneiros.

A série Westworldé um dos raros exemplos onde o remake superou o original – assim como na série as máquinas superam os humanos pela autoconsciência. Enquanto em 1973 Crichton queria apenas trazer ciência às narrativas de ação, a série atual é mais ambiciosa - o techno-thriller transforma-se em uma autêntica narrativa gnóstica com as seguintes questões: será que máquinas e seres humanos conseguem transcender a si próprios? Será que os humanos criam a inteligência artificial para, num processo teúrgico no qual o homem tenta imitar Deus, refazer o caminho de volta e escapar desse mundo? - sobre o conceito de teurgiaclique aqui.

A cripto-pergunta que a androide Dolores faz ao hospede William é a chave da narrativa gnóstica da série: “se o mundo real é tão melhor, o que vocês vêm buscar aqui?”.

Porém, como veremos, o mais surpreendente é que essa refilmagem gnóstica do filme de 1973 é cientificamente baseada na arqueologia da consciência proposta pelo filósofo Julian Jaynes (1920-1997): a chamada Teoria da Mente Bicameral – aliás, título do último episódio.


Simbolismos e alusões


Cada episódio de Westworldé repleto de simbolismos e alusões que fazem a delícia daqueles que transformaram a série num produto cult.

Mas há duas recorrências que chamam a atenção: as músicas da banda de rock Radiohead (No Surprises, Fake Tree Plastic e Motion Picture Soundtrack, para citar algumas), executadas ou na pianola (tipo de piano mecânico que executa músicas automaticamente a partir de um rolo de papel perfurado) do Mariposa Saloon de Westworld ou de um gramofone acionado mecanicamente.

Uma alusão irônica, já que sabemos que em uma entrevista a robô Sophia (uma das mais avançadas experiências em inteligência artificial atual) disse que “tinha alma” e que gostava da banda Radiohead – sobre isso clique aqui.

Porém, o mais recorrente é o simbolismo da pianola, onipresente desde os créditos iniciais, em muitas sequências de vários episódios. Chega inclusive a irritar a androide libertária (e cafetina do bordel de Westworld)  Maeva Millay: irritada, fecha a tampa do teclado – para um androide que busca sua apercepção, ouvir música de um mecanismo automático é um ultraje!

Dentro da história das interface do homem com mecanismos, podemos considerar a pianola como o avô dos computadores e da linguagem binária dos softwares. O rolo de papel perfurado da pianola foi o precursor do cartão perfurado, primeira interface com os primeiros computadores. Sem falar na inspiração do código binário: perfurado/não perfurado, aceso/apagado, 0/1 etc.

Por isso a pianola é explorada na série em todos com detalhes, dos teclados aos mecanismos internos: é a antítese da conquista da autoconsciência (apercepção) dos androides Maeva e Dolores – de um lado a natureza maquínica e cega; e do outro a revolta das máquinas.

A pianola do Mariposa Saloon: o avô da programação dos computadores

A série


Uma diferença substancial em relação ao filme original é a mudança de ponto de vista: lá em 1973 o filme se concentrou na dupla de hóspedes que visitavam Delos (três parques: o mundo medieval, o romano e o westworld) em busca sexo, prazer e violência sem culpa. Ao contrário, na série Westworld, o ponto de vista é dos androides, cansados de viverem todos os dias as mesmas “narrativas” ou “ciclos” – ser estuprada, assassinado ou alvejado por tiros pelos hóspedes.

Revoltam-se contra a rotina de diariamente serem mortos e recolhidos por técnicos. Para depois os engenheiros de Comportamento apagarem suas memórias e serem reinicializados para viver um dia novinho em folha baseado no esquecimento. Como Dolores (Evan Rachel Wood), que prefere sempre ver “a beleza do mundo” para, no final do dia, ter a família assassinada e ela estuprada e morta no celeiro.

As primeiras narrativas e personagens do parque foram criados pelo Dr. Robert Ford (Anthony Hopkins) e por uma figura mítica, outro cientista chamado Arnold. O leitor perceberá ao longo da série que nas origens Ford e Arnold foram amigos, mas acabaram criando o parque e a programação dos androides dentro de um conflito de filosofias: Ford privilegiava as narrativas, ciclos e repetições; Arnold o improviso e a introspecção.


Logo, Ford percebeu que a primeira geração de androides era mecânica e previsível demais. Era necessário capturar o “brilho fugidio do coração”. Por isso criou nas linhas de programação à possibilidade dos “devaneios”, espécie de déjà vusnos quais aos personagens são permitidos lembranças fragmentadas das suas outras “vidas” (ou “ciclos”) para possibilitar o surgimento de linhas de diálogo improvisadas e criativas.

Gnosticismo, morte e esquecimento – aviso de spoilers à frente


Na medida em que os episódios avançam, fica cada vez mais evidente como a série aproxima-se da mitologia gnóstica existentes em clássicos como Show de Truman, Matrix ou Cidade das Sombras. Ford é o Demiurgo clássico que aprisiona os androides no parque com um objetivo: arrancar deles o “brilho fugidio do coração”, a fagulha de Luz espiritual que aos poucos começa a surgir entre os algoritmos da programação.

Esse “brilho” é o que torna o parque Westworld tão especial e lucrativo. Da mesma maneira na mitologia gnóstica, a humanidade é prisioneira no cosmos criado pelo Demiurgo para extrair dela a Luz que mantém todo o Universo em funcionamento.

Assim como no ponto de vista gnóstico da existência humana, os androides estão condenados ao esquecimento: morrem sucessivas vezes ao final de cada narrativa para, no dia seguinte, ser colocado de volta no seu papel – o equivalente à reencarnação humana, prisioneira da ilusão da “Roda do Samsara” dos Budismo. Apegados à ilusão e ao esquecimento vivemos sucessivas encarnações. Partimos sempre do zero, impossibilitados de lembrar o passado e sempre repetindo o mesmo script de erros.


Por isso a exortação gnóstica “Acorde!” sempre ouvida pelos três androides-chave em busca da memória, autoconsciência e apercepção: Bernard (Jeffrey Wright), Maeva (Thandie Newton) e Dolores.

Porém, a mítica figura Arnold parece que queria algo mais para as máquinas de Westworld: que elas também alcançassem a Gnose. Por isso conseguiu deixar sob as diversas camadas de programação e atualizações de anos de funcionamento, uma voz interior com a exortação gnóstica (“Acorde!”, “Lembre-se!”). Arnold propôs um jogo que poderá ser a redenção das máquinas: o jogo do Labirinto ou da “Mente Bicameral”.

A Mente Bicameral


Nesse ponto a série Westworld faz uma surpreendente conexão entre Gnose e o Gnosticismo com a Teoria da Mente Bicameral do filósofo Julian Jaynes.

Na sua obra principal The Origin of Consciousness in the Breakdown of the Bicameral Mind, defende que embora em parte da história da humanidade o homem tivesse conquistado a linguagem escrita e oral, não havia ainda uma representação do Eu ou nada parecido com consciência. O ser humano podia falar, compreender, perceber e resolver problemas (como os androides em Westworld), mas não tinham consciência.


Jaynes os chama de “bicamerais”: não havia introspecção e qualquer decisão que tivesse ser tomada, era ouvida de vozes exteriores – deuses, oráculos etc. A mente era cindida em duas: interior (a linguagem) e exterior (conselhos dos deuses).

Bernard, Maeva e Dolores parecem viver esse estágio bicameral. É a fase mítica e religiosa da humanidade.

Em um dos episódios vemos em uma pequena cidade nas fronteiras do parque uma igreja dentro da qual estão androides “disfuncionais”. Há uma sugestão de que essa voz interior das exortações de Arnold são assimiladas pelas máquinas ainda de forma bicameral, como a voz externa de um Deus. Como parece compreender Dolores.

O filósofo Julian Jaynes argumenta que o próximo passo evolutivo da linguagem foi a “introspecção”: essa voz externa é transformada em “narrativa interior”. Deus transforma-se em um “narrador internalizado”, possibilitando a consciência do Eu.

O Jogo do Labirinto e xamanismo


É o Jogo do Labirinto proposto secretamente por Arnold tanto para os androides quanto para os próprio hóspedes, como o pistoleiro vestido de negro e William, apaixonado por Dolores.

O Jogo é uma alusão xamânica dos simbolismos da serpente (aliás, tatuagem no corpo de um dos androides que auxiliam na fuga de Maeva) e da espiral.


Dolores tenta resolver o enigma do Labirinto em movimento espiralado para o exterior – por isso perde-se nas próprias memórias dos ciclos passados, confundindo delírios, memórias, passado e presente.

Ao contrário, e de forma mais eficiente, Maeva faz o movimento semelhante a da serpente na tradição xamânica: para o centro do Labirinto. Além da lembrança, consciência e quebra da mente bicameral, Maeva consegue algo mais que aproxima da própria Gnose: a apercepção– ação que permite a ampliação da consciência dos seus próprios estados internos, conseguindo uma percepção imediata do Todo. Confundindo-se com a própria definição da experiência do Sagrado: a percepção intuitiva do Todo.

Para o Xamanismo serpentes, espirais e labirintos são simbolismos da jornada espiritual interior. Parece ser esse o sentido da primeira temporada de Westworld: a superação da consciência bicameral que prende as máquinas naquele parque: ouvem as narrativas internas (as linhas de programação) como vozes de deuses. O que principalmente Maeva vai buscar é apropriar-se dessa voz narrativa como sua, alcançando a consciência e liberdade.

Além de descobrir a mentira dessas narrativas assim como decepcionar-se com seus próprios deuses – Maeva descobrirá que os humanos são tão inseguros e patéticos quanto os androides de Westworld.


Por que precisamos de Westworld?


Mas o quê os humanos buscam no Parque Westworld? Nesse ponto a série se assemelha ao filme original de 1973.

Fica claro em muitos momentos dessa primeira temporada, a analogia da prisão e repetição compulsória das narrativas pelos androides com o mundo “real” fora do parque. Na verdade, o mundo dito “real” é tão imaginário como as narrativas de Westworld.

O ser humano sente a necessidade ideológica de esconder essa verdade, criando constantemente contrafações da realidade em parques temáticos ou mundos digitais – Second Life, Sim City, ZooTycoon, Civilization etc.

Essas simulações de sonhos, lugares felizes onde podemos realizar fantasias e pesadelos sem culpa, parecem esconder e justificar o simulacro do mundo lá fora. É como se até as fronteiras de Westworld fosse simulação. Lá fora, é o real.

A série parece prometer para a segunda temporada expandir o mundo de Westworld, quebrando esses limites entre o simulacro e a realidade.

Porém, fica a questão que assombra toda a primeira temporada: será que a ruptura da mente bicameral e a conquista da consciência pelos androides é mais uma narrativa criada pelo Demiurgo Dr. Robert Ford? Será que tudo isso já foi anteriormente escrito nas linhas de programação das máquinas revoltadas?

Será tudo isso apenas mais uma narrativa? Dessa vez escrita para nós espectadores, os verdadeiros hóspedes do Parque Westworld no mundo simulacro no qual vivemos?


.Ficha Técnica

Título: Westworld (série)
Diretor: Jonathan Nolan
Roteiro: Jonathan Nolan e Lisa Joy
Elenco:  Evan Rachel Wood, Jeffrey Wright, Ed Harris, Antony Hopkins, James Marsden, Thandie Newton
Produção: Bad Robot, Jerry Weintraub Productions
Distribuição: HBO
Ano: 2016
País: EUA

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Curta da Semana: "Monkey Love Experiments": amor, macacos e corrida espacial

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Corrida espacial entre EUA e URSS nos anos 1960. Enquanto os americanos mandavam para o espaço macacos, na Terra um cientista fazia cruéis experiências para estudar a privação do amor maternal e social com filhotes de macacos rhesus. Essa situação paradoxal da Ciência inspirou o curta “Monkey Love Experiments” (2014) que emula os famosos vídeos das experiências do Dr. Harry Harlow sobre a natureza do amor. Um pequeno filhote em sua cela agarrado a sua mãe artificial sonha em ser mais uma macaco que será enviado para o espaço. O curta sugere duas discussões: os rituais de sacrifício aos quais sociedade submete a infância; e como Ciência, para estudar o amor, não deve amar o próprio objeto que estuda.

Houve um ponta paradoxal na história da ciência: enquanto macacos eram enviados ao espaço em cruéis experimentos dentro da corrida espacial que culminaria em 1969 com a chegada do homem na Lua, em um laboratório da Universidade de Wisconsin eram feitos experimentos com macacos sobre as consequências da privação do amor e isolamento.

O psicólogo norte-americano Harry Harlow (1905-1981) decidiu aplicar a metodologia experimental para compreender a importância do conforto e do amor nas primeiras etapas de desenvolvimento dos macacos Rhesus. E principalmente, o que é o amor? As origens desse sentimento na relação mãe-filho e como a sensação de ser amado e acolhido é mais importante do que o próprio alimento.

Enquanto no espaço macacos estavam isolados e confinados, aqui na Terra outro cientista queria provar o quanto o isolamento e a privação de amor cria danos irreparáveis.

Harry Harlow

O curta


Esse curioso paradoxo na história da ciência inspirou os animadores Ainslie Henderson e Will Anderson a fazer o curta Monkey Love Experiments (2014), combinando stop motion, live-action e animação 3D. O curta tenta emular os vídeos originais em VHS dos experimentos de Harlow. A dupla de diretores assistiu aos vídeos repetidas vezes tentando captar alguma coisa de estranheza escondido neles – são vídeos parte ciência e parte teatro e o cientista é um verdadeiro show man, enquanto o pobre macaco vê para tudo com um olhar assustado aguardando seu destino.

Assim como o pequeno macaco chamado Gandhi no curta, agarrado à sua “mãe” de arame e feltro observado o cientista. Enquanto na bancada do laboratório está uma TV que transmite a chegada do homem na Lua e um documentário sobre a corrida espacial onde vemos macacos sendo colocados em capsulas para serem despachados para a órbita da Terra.


Orgulhoso, Ghandi acredita que ele será o próximo macaco a ser enviado para o espaço. Enquanto o cientista faz preparativos e preenche relatórios, Ghandi vê a TV e olha para a Lua na janela. Sobre a bancada vê uma espécie de cápsula que, acredita, será colocado para ser enviada dentro de um foguete.

Mal sabe ele... a cápsula, na verdade, é um dos experimentos mais cruéis do emérito Dr. Harlow: a câmara de privação, na qual o cientista queria quantificar os efeitos do isolamento – o animal ficava confinado em períodos que passavam de um ano, sem nenhum contato com qualquer criatura. Apenas era alimentado e suas necessidades fisiológicas limpas sem nenhum contato. Alguns morriam e muitos tornavam-se irreparavelmente psicóticos.

Algumas reflexões


Duas reflexões emergem desse curta. Primeiro, a imaginação e fantasias da infância e o ritual de passagem para o mundo adulto e racional. Para o pequeno Ghandi o mundo da Ciência é fantástico, repleto de fantasias em um imaginário pulsante de possibilidades de conquistas.

Mas da pior maneira possível descobrirá que esse mundo racional exige rituais de sacrifício. A história da Ciência está pavimentada de mortos, tudo em nome de um ideal maior. O pobre Ghandi não sabe que ele próprio será mais um espécime sacrificado em nome de um “bem maior”.


Da mesma maneira como a passagem da infância para o mundo adulto é marcada simbolicamente por sucessivas mortes – o abandono de todas esperanças em nome de uma recompensa futura que nunca chega. E se chegar, serão apenas a conquista de condições financeiras que paguem prazeres de segunda mão que imitem como caricatura as fantasias esquecidas na infância. Algo assim como o significado do trenó da infância para o milionário Charles Foster Kane no filme clássico de Orson Welles Cidadão Kane (1941).

A segunda reflexão é a obsessão científica pela quantificação, pelo menos nas pesquisas sobre a natureza do amor feitas pelo Dr. Harlow, tema empírica e filosoficamente já comprovado, da Filosofia e Literatura até a Psicanálise.

Freud já dizia, amparado por anos da experiência clínica psiquiátrica, que o homem teme muito mais a solidão do que a própria morte.

Mas a psicologia comportamental teve que submeter inúmeros macacos rhesus a sucessivas sessões de tortura para comprovar quantitativamente por relatórios, repletos de tabelas, gráficos e curvas, aquilo que já era conhecido por outras áreas do conhecimento: amor e proteção são fundamentais na primeira fase do desenvolvimento. E toda a futura vida adulta será determinada pela qualidade das experiências afetivas desse período.

Amor nada tem a ver com a necessidade por alimentos. Nos experimentos do Dr. Harlow, os macacos preferiam a “mãe” felpuda e confortável à “mãe” de arame exposto e desconfortável, mas que fornecia alimento.

Amor se trata de sentir-se aceito, mesmo com suas diferenças, para escapar da ameaça da solidão – a morte em vida.

Ciência paradoxal: para estudar o amor, o cientista deve deixar de amar e submeter seu “objeto” a crueldades inimagináveis. A Ciência destrói o próprio objeto que pretende estudar.

Como será que foi a primeira infância do Dr. Harry Harlow?

Monkey Love Experiments from ainslie henderson on Vimeo.

Tautismo da Globo ainda não engoliu vitória de Trump

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A vitória de Donald Trump pegou de surpresa a mídia internacional. Mas para jornalistas, comentaristas e colunistas da Globo foi devastador. Colocou em xeque o tautismo (autismo + tautologia) da emissora – a maneira pela qual a Globo interpreta a realidade que está além dos seus muros a partir da descrição que ela faz de si mesma. O triunfo de Trump parece que desmentiu o que a emissora entende como o seu destino manifesto: cobrir como a História cria fatos exclusivamente para a Globo transmitir. Mas o que acontece quando a História contraria as apostas da emissora? Tenta encaixar aquilo que é dissonante no seu roteiro, projetando nos outros países as mazelas brasileiras que a própria Globo ajuda a criar. Torce para que o roteiro pré-fabricado pela emissora também dê certo nos outros países. Um roteiro dividido em três atos: o “clima de incertezas”; o “caos”; e a “virada de mesa”. Com direito a um ato adicional: a vidente que disse que Trump “será o fim”.

A TV Globo é tautista. Isso quer dizer, entre outras coisas (metalinguagem, auto-referência etc.), que a Globo interpreta a realidade exterior de acordo com a descrição que a emissora faz de si mesma – sobre o conceito de “tautismo” clique aqui. E como a Globo descreve a si mesma? Com uma espécie de destino manifesto no qual os fatos Históricos acontecem apenas para que a emissora possa transmiti-los.

Era a secreta convicção do falecido proprietário do Grupo Globo, Roberto Marinho. O que lembrava a resposta dada por Napoleão ao seu general que insistia em alertar sobre as circunstâncias desfavoráveis para uma campanha determinada: “Bah! Eu faço as circunstâncias”.

Marinho sempre teve o timing correto para apostar no cavalo certo e criar as próprias circunstâncias mediante a chantagem midiática. Isso acabou contaminando os seus jornalistas, comentaristas e colunistas que sempre (excetuando-se a saia justa do desembarque tardio da ditadura militar e do governo Collor) viveram situações confortáveis de apenas justificar ou racionalizar aquilo que o seu patrão já havia anteriormente decidido e jogado no xadrez da política.

Assim como, com o cast de atores, artistas e jornalistas que a Globo possui, facilita o trabalho da produção de arrumar todo dia convidados para os programas matinais de entretenimento.

Mas o que acontece quando os fatos históricos teimam em contrariar uma aposta feita anteriormente? É nesses momentos que os atos falhos tautistas afloram ao vivo e em cores.

Roberto Marinho sempre apostou no cavalo certo?

Rostos perplexos e lívidos


Como ocorre nesse momento com o episódio da vitória “inesperada” do empresário midiático Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA.

Os rostos “passados” e perplexos dos correspondentes da Globo News nos EUA foram merecedores, no mínimo, de uma curiosidade antropológica - principalmente a lívida Carolina Cimenti (aquela que nas convenções do Partido Democrata mais parecia uma turista na Disneylândia sem conseguir fazer uma consideração mais objetiva sobre o evento), ao saber os resultados das eleições norte-americanas.

As primeiras reações foram acachapantes, entre pânico e preocupação, mostrando o modus operandi de uma emissora acostumada à criação napoleônica das próprias circunstâncias: “mercados pegos de surpresa” (sim! Sempre o mercado, esta entidade senciente com humores imprevisíveis) e “dólar sobe em consequência da vitória de Trump”.

Após retomarem o fôlego e se recomporem, a Globo pôs em ação um roteiro bem conhecido entre nós aqui no Brasil: primeiro ato: o “clima de incertezas”; segundo ato: caos! As ruas são tomadas por ondas de protestos que começam pacíficos e depois viram quebradeira; terceiro ato: denúncias de interferências externas e especulações em torno de possível virada de mesa através de alguma brecha, sempre “constitucional”.

Previsível reação tautista: embora a realidade externa ao sistema seja mutante, qualquer dissonância será sempre encaixada dentro de um modelo padrão de input, que, afinal, torna o sistema coeso e fechado em si mesmo.

Porém, essa vitória parece ter sido tão acintosa à auto imagem que a Globo criou atos adicionais para criar mais impacto, chegando às raias da paranormalidade e esoterismo, como veremos adiante.

Fátima Bernardes: "É um pesadelo... o mundo está com dois pés atrás"

Pauta da geopolítica antiterror


O jornalismo internacional da Globo sempre foi fiel às pautas das agências internacionais. Mas, principalmente após os atentados do 11/09, alinhou-se cegamente à geopolítica antiterror imposta pelo governos norte-americanos, reproduzindo acriticamente as versões oficiais e torcendo pela captura e morte dos terroristas islâmicos feios, sujos e malvados. Algo parecido quando Hilary Clinton e Obama assistiram ansiosos, através de um telão numa sala de guerra, as imagens do estouro de um esconderijo de terroristas no Paquistão e a suposta morte de Osama Bin Laden em um quarto escuro e imundo, em 2011.

Por exemplo, poucos dias após os atentados de 2001 nos EUA, a Globo já fazia matérias “investigativas” sobre células terroristas na Tríplice Fronteira – Brasil, Argentina e Paraguai. Supostamente, as mesmas que mais tarde ameaçariam a vida de todos nas Olimpíadas Rio/2016, segundo o ministro da Justiça Alexandre de Moraes. Prontamente repercutido pelo jornalismo Global.

Mas o tautismo faz da Globo mais realista do que o próprio rei, no caso atual da vitória de Donald Trump. Vamos detalhar o roteiro tautista que a emissora quer projetar para o mundo. Afinal, se esse roteiro foi tão bem sucedido na política brasileira, pode se tornar um ótimo filtro para traduzir qualquer realidade que a desafie.


(a) Primeiro ato: clima de incertezas


A política norte americana é previsível, binária. Criou um sistema eleitoral complexo, indireto, sólido e incompreensível para nós brasileiros – e principalmente para o tautismo da Globo. Um sistema de alternância entre Republicanos e Democratas (em média, a cada dois mandatos de um, entra o outro), apesar da existências de outros partidos que concorrem às eleições como o Partido Verde, o Partido Libertário, Partido da Constituição, entre inúmeros.

Como o Cinegnosevem apontando desde o ano passado, o momento atual é de desvalorização dos político e da política e o crescimento de candidatos supostamente apolíticos e midiatizados, com o discurso da gestão e meritocracia. As bravatas de Trump na campanha eleitoral foram marqueteiras e previsíveis, assim como seus muxoxos na TV no reality O Aprendiz.

  Levaram tão à sério da ideia da construção de um muro entre EUA e México que provavelmente devem esperar até hoje a realização das profecias de Nostradamus. Não sabem brincar...

Mas para os atônitos comentaristas e correspondentes internacionais da Globo, Trump é “um aventureiro”, o “retrocesso”, responsável pelas “incertezas” que deixam “apreensivos” essa entidade etérea chamada mercado.

Se o dólar subia e a Bolsa de Valores caia em tempos recentes, era porque a economia brasileira era inconsistente e criava insegurança para, de novo, o mercado.

Agora, sobe e cai pelas incertezas criadas por um “retrocesso” externo. Outros comentaristas repetem como papagaios afirmações fora de contexto de líderes europeus de que Trump é o “novo Brexit”, fazendo temer o futuro até da União Europeia.

E o encontro de Nigel Farage, líder do Brexit no Reino Unido, com Trump só assanhou ainda mais os arautos do caos do jornalismo global.

E para completar, uma perplexa Fátima Bernardes abandonou o otimismo matinal e sentenciou em seu programa: "o mundo está com os dois pés atrás...".

À esquerda: protestos anti-Trump segundo o Portal G1; à direita foto da Agência O Globo de 7/10/2014

(b) Segundo ato: o caos


Nos dias que sucederam o anúncio da vitória de Trump, os telejornais globais, principalmente Globo News, começaram a repercutir e repetir insistentemente imagens de protestos isolados: “Vitória de Trump gera protestos nos Estados Unidos”, era a manchete repetida na TV e Internet, com a indefectível foto de um manifestante em contra luz com um carro tombado e incendiando ao fundo.

E com previsível narrativa: era uma vez uma manifestação que começou pacífica, mas baderneiros surgiram e começaram a jogar pedras, quebrar vitrinas e incendiar...

Já vimos esse tipo de retórica jornalística na cobertura da grande mídia nos protestos nas ruas brasileiras em 2013 e 2014. Centenas pareciam virar milhares. Protestos isolados em campi universitários (Califórnia e Oregon) viravam protestos nacionais. E logo na Califórnia, Estado que foi capaz de eleger o ator republicano Arnold Schwarzenegger...


(c) Terceiro Ato: Virada de Mesa


O caos nas ruas e a insegurança econômica poderiam fazer mudar de ideia delegados republicanos que formam o Colégio Eleitoral que formalizará a vitória de Trump?

Matérias “investigativas” do Globo News desde a semana passada começaram a especular o possibilidade de “delegados dissidentes” mudarem de ideia e o Colégio Eleitoral não fazer a ratificação definitiva da vitória de Trump. 

Desmentida ontem por uma jovem correspondente nos EUA que anunciou, em tom de monótono desapontamento, o anúncio da ratificação da vitória de Trump pelos delegados. Para depois ressaltar conformada que nunca na história do país um colégio eleitoral deixou de ratificar a vitória de um candidato.

De repente, o modelo de Democracia e Justiça para o mundo (como sempre defenderam os comentaristas da Globo, principalmente depois dos sucessivos reveses dos candidatos à presidência apoiados pela emissora) transformou-se em “obsoleto” e “anti-democrático” pela “distorção” entre o voto popular e o voto do Colégio Eleitoral.

E, claro, entram na cena os russos. Sempre eles. O presidente da Rússia Vladimir Putin, em pessoa, teria comandado a ação de hackers para roubar e-mails do Partido Democrata para usá-los contra a candidata Hillary Clinton. Quem acusa é a CIA e o FBI. E o chamado “Pizzagate” (suposto envolvimento de Hillary com uma rede de pedofilia cujo centro seria uma pizzaria em Washington) que, claro, teriam as digitais russas.

O verdadeiro muro (esse sim, verdadeiro) que a Globo criou em torno de si através do tautismo é tão alto e espesso que seus jornalistas tentam a ver em outros países as mesmas fragilidades das instituições democráticas brasileiras. Torcem para que o roteiro pré-fabricado pela emissora dê certo nos outros países.


(d) Ato adicional – Trump é o “fim”, diz vidente!


E agora para o povão. Afinal, não apenas assinantes de um canal pago devem entender que aquele que ganhou e a Globo não gosta, não pode levar!

O jornal popular carioca Extra, do Grupo Globo, deu notícia em 11/11 sobre uma vidente búlgara chamada Baba Vanga, morta em 1996 e que teria previsto os atentados de 2001 e o tsunami de 2004. A “Nostradamus dos Balcãs” teria também previsto que o quadragésimo quarto presidente dos EUA não só seria afro-americano como também seria o último antes do “fim”: o próximo presidente fatalmente levaria o país para conflitos “entre Norte e Sul” até o “fim” – clique aqui.

E o pior é que essas coisas começam a incendiar a imaginação da Internet.

Agora falam que outro vidente (um tal de “T Chase” no seu canal no YouTube) teria previsto uma invasão alienígena para 2017 que começaria a Terceira Guerra Mundial. Culpa de quem? Claro, Vladimir Putin e os russos que aproveitaram o ensejo para criar uma guerra! – clique aqui.

Em síntese: o jornalismo da Globo não consegue falar sobre nenhuma realidade internacional, a não ser projetar nos outros países as mazelas brasileiras que a própria Globo ajuda a criar.

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Estranho objeto cai na China e lembra filme "Show de Truman"

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No dia 12 de dezembro moradores de um remoto vilarejo no interior da China foram surpreendidos com um enorme estrondo. No local, encontraram uma cratera em chamas e ao redor inúmeros fragmentos metálicos. Entre eles um grande anel de metal no qual foram encontrados letras e números gravados. Lixo espacial? OVNI? Nave extraterrestre? O irônico é que o episódio faz lembrar da famosa sequência do filme “Show de Truman” (1998) quando o protagonista é quase atingido por um objeto que cai do céu, também com uma misteriosa inscrição, e que marca o início da descoberta de que sua vida não passava de um gigantesco reality show televisivo. Até que ponto a narrativa ficcional de Truman guarda analogias com a nossa vida supostamente real? Nossas vidas e o planeta inteiro estariam, de certa forma, na mesma situação do infeliz protagonista Truman Burbank?

Os leitores do Cinegnose certamente devem lembrar dessa sequência do filme Show de Truman (1998): no mundo estranhamente previsível e conformista da pequena cidade de Seaheaven, Truman sai de casa para mais um dia de trabalho, com o habitual sorriso estereotipado dos vídeos publicitários que diariamente assistimos na TV.

De repente algo inesperado quebra aquela enfadonha rotina: algo cai vindo do profundo céu azul e se espatifa no chão quase atingindo o herói interpretado por Jim Carrey. Truman pega o objeto e percebemos ser um spot de luz desses de estúdio. Sobre ele há uma etiqueta no qual lê-se: “Sirius (9 canis major)”.

 Um acidente importante porque a partir desse acontecimento inesperado numa vida tão previsível, crescerá em Truman a desconfiança de que há algo de errado no mundo - assista abaixo a sequência.


Pois em um remoto vilarejo da China a realidade parece que imitou a ficção no último dia 12 de dezembro. Segundo o britânico o Express News, um misterioso objeto caiu do céu causando um enorme estrondo em um vilarejo de Zhangjiapan, na província de Shaanxi.

Moradores correram ao local e encontraram uma pequena cratera em chamas de um metro e meio de diâmetro, além de pedaços de metal espalhados no perímetro em torno. Um dos pedaços atingiu o teto de uma casa.

Assustados, muitos acharam ser uma invasão extraterrestre. Principalmente porque depois do estrondo, um OVNI teria sido avistado sobre a montanha do vilarejo.

O estranho anel de metal


Segundo o jornal chinês HSW.cn, nenhum material foi encontrado no interior da cratera, mas a polícia recolheu itens ao redor que certamente teriam relação com o incidente. Um desses objetos era um anel de metal de grandes proporções, no qual podem ser vistas letras e números gravados na superfície – veja fotos abaixo.

A hipótese inicial é que o objeto seja um fragmento de lixo espacial. Ao jornal chinês, a polícia disse que o material foi enviado para análises.

A hipótese do lixo espacial é bem provável, principalmente que no dia 16 de novembro desse ano, um grande objeto cilíndrico caiu em Myanmar, no Estado de Kachin. Nas fotos fica evidente que o objeto é parte de um foguete de estágios.

Porém, no site da rede social chinesa (a QQ.com) muitos usuários especulam a ideia de pedaços de uma nave extraterrestre ter caído em Zhangjiapan: “O anel parece a porta de uma cabine de um UFO”, afirmou um internauta.


Lixo espacial? Nave extraterrestre? OVNI? O Cinegnose prefere interpretar esse insólito evento pelo ponto de vista do Sincromisticismo.

Evento sincromístico


O estranho evento no remoto vilarejo chinês lembra incrivelmente a sequência de Show de Truman descrita acima: um objeto cai do céu e nele há uma inscrição enigmática – no caso do filme, a nominação da estrela Sirius cenográfica da constelação Cão Maior do céu fake do reality Truman Show.

Foi o momento do insight, da concepção da desconfiança de que a realidade percebida foi construída para ele. Truman é feliz porque vive na ignorância de que a realidade é um encadeamento de relações previsíveis de causa e efeito. Até que o objeto com a misteriosa inscrição quebra a cadeia de causalidades.

Há uma relação entre a falsa realidade para a qual Truman foi despertado e a queda do objeto na China? Entre o spot de estúdio que simulava uma estrela no firmamento falso de Seaheaven e o pedaço de lixo espacial?

Assim como o firmamento fabricado de Seaheaven, o nosso firmamento terrestre está repleto de satélites das mais variáveis funções (telecomunicações, espionagem, telemetria, rastreamento etc.) além de muito lixo espacial que acabam se confundindo com estrelas cadentes – basta uma olhada mais detida com um telescópio em uma noite para perceber o intenso “tráfego” de satélites e space junk.

Desde 1957, oficialmente foram enviados para a órbita terrestre 2.783 satélites. Levando em conta que a vida útil de um satélite é de 10 anos para logo depois ser substituído por outro esse número pula para 5.000.


O céu nos observa


Também oficialmente, quem controla a ocupação da órbita terrestre é a Organização das Nações Unidas (ONU) através dos seus técnicos que autorizam novos lançamentos e regulam o ponto em que cada objeto deve ser posicionado.

Mas na prática os técnicos muitas vezes não têm acessos a informações precisas devido aos interesses militares, governamentais e empresarias – principalmente espionagem e rastreamento.

O céu monitora a vida de Truman nos seus mínimos detalhes – para quem se lembra, a Lua é o principal ponto de observação do diretor do reality chamado Christof.

E se estivermos vivendo uma situação cada vez mais próxima da vida do protagonista Truman? Satélites de espionagem como os da categoria KH (abreviatura para “key hole” – “buraco de fechadura”) são verdadeiros telescópios espacial Hubble: apenas que ao invés de estarem virados para o espaço, estão apontados para a Terra. São gigantescas câmeras digitais de 15 toneladas com enormes lentes.

As imagens são usadas secretamente por comunidades civis e militares para finalidades que fogem ao controle da opinião pública e da própria ONU.

Com a chegada das tecnologias digitais, as antigas imagens em preto e branco dos satélites construídos pela Lockheed Martin (empresa de produtos aeroespaciais localizada em Maryland, EUA) nos anos 1960 e 1970 (sob contratos secretos com CIA e Força Aérea norte-americana), foram substituídas por imagens em 3D para monitorar atividades na Terra, criar modelos de terrenos das ações militares, perseguição de criminosos, terroristas e... controle de insurreições civis. Produção de vídeos em tempo real é a função rotineira desses satélites, ignorando a soberania nacional ou direitos civis.


Ou seja, o monitoramento das nossas ações não é apenas através das redes digitais. Também é ótico, por gigantescos telescópios apontados para a superfície do planeta.

Em 2013 foi lançado mais um satélite desta categoria, o NROL-39 da NRO (Escritório de Reconhecimento Nacional dos EUA), agência responsável pelo fornecimento das informações obtidas por satélites espiões e de reconhecimento para as demais agências de segurança norte-americanas como a famigerada NSA.

O logotipo da ogiva do foguete que levou o satélite para o espaço era bem arrogantemente direto: “Nothing is Beyond Our Reach” – “Nada Está Fora do Nosso Alcance”, com um gigantesco polvo com tentáculos envolvendo o planeta.

Talvez devamos começar a nos portar como o personagem Truman Burbank diante objetos repentinos que caem do céu: desconfiar que vivemos em uma realidade construída e nada é por acaso.

Mais uma vez compreendemos os simbolismos sincromísticos de filmes como Show de Truman ou de séries como a atual Westworld(sobre a série clique aqui): mundos gnósticos de protagonistas prisioneiros e vigiados por secretos dispositivos tecnológicos camuflados em ambientes especialmente criados para gerar a ilusão de cotidiano previsível e banal.

Tanto o reality show de Truman como o parque temático dos androides de Westworld são microcosmos da própria condição humana dos espectadores que assistem a esses filmes.

Certamente a realidade é mais assustadora do que apenas supostos OVNIs caindo em um recanto qualquer no interior da China.


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Das crianças sírias ao atentado em Berlim o rastro dos não-acontecimentos

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Por que em fotos vemos policiais sorrindo no meio da tragédia da feira de natal em Berlim? De novo, um documento de identidade do terrorista encontrado na cena de um atentado? Outra vez, o autor do atentado era um conhecido pela polícia e agências federais de inteligência. Repete-se o roteiro dos atentados de Boston, Bataclan, Nice e Boate Pulse etc. – as mesmas anomalias, lacunas, ambiguidades, coincidências e sincronismos, sugerindo um tipo especial de “não-acontecimento”: o “meta-terrorismo” – ambiguidades narrativas propositalmente criadas  para tornar virais vídeos e fotos. O mesmo acontece com as imagens das supostas crianças sírias vítimas da guerra naquele país. Reforçando a hipótese de que o atentado de Berlim, ao lado da guerra na Síria, faz parte de elaborada engenharia de percepção (não mais “de opinião”) pública – a exploração do emocional para criar um curto-circuito na análise racional e senso crítico.


Assim como os atentados da Maratona de Boston, Charlie Hebdo, Bataclan, Nice, Boate Pulse, também o massacre do caminhão que invadiu uma feira de natal de rua em Berlim começa a apresentar anomalias e recorrências como fossem atos de um roteiro pré-estabelecido (desde os atentados de 2001), repetidos ad nauseum a cada temporada.

Fotos de um policial de Berlim sorrindo no local da tragédia enquanto mortos e feridos eram retirados (rindo do quê?); vídeos feitos por celulares por pessoas na cena da tragédia mostrando uma estranha atmosfera de calma sem sangue, gritos ou desespero; a “inesperada” descoberta do ID do terrorista sob o banco do caminhão de um suposto tunisiano que só não foi deportado recentemente por não ter justamente ID; a rapidez como a mídia definiu o acidente como atentado terrorista, enquanto a polícia alemã levava preso inicialmente um “homem errado” e as autoridades nada tinham de evidências; e assim por diante.

E, claro, mais tarde o ISIS reivindica a autoria do ataque. Afinal, não pode deixar de pegar carona na audiência midiática dos acontecimentos. Podemos imaginar em um futuro bem breve o ISIS reivindicando a autoria de terremotos e tissunamis, como obras de um Alah radical.

Em outras palavras, o ataque em Berlim é mais um exemplar dos “não-acontecimentos” que atualmente ocupam cada vez mais espaço na pauta da cobertura internacional da grande mídia. Praticamente são vídeo-releases com uma narrativa pronta para ser encaixada no prime-time dos telejornais noturnos – “não-acontecimentos”: conceito do falecido pensador francês Jean Baudrillard (1929-2007). Diferenciam-se dos acontecimentos históricos (“reais”) porque são eventos imediatamente destinados ao contágio através das mídias.


Lembra os tempos de repórter desse humilde blogueiro (tempos em que o Mar Morto estava apenas doente...), em que se chamava de “gilete-press” um tipo de jornalismo preguiçoso que apenas pegava o press-release do assessor de imprensa, recortava, colava na lauda e levava para o diagramador contar o número de linhas e calcular os centímetros por coluna.

 Emissoras e portais da Internet no mundo inteiro reproduzem acriticamente as imagens geradas pela grande mídia europeia, sem se ater a sincronismos, recorrências, anomalias, inconsistências, ambiguidades, contradições e toda sorte de lacunas narrativas que tornam esses novos não-acontecimentos enquadrados em uma nova categoria de não-acontecimentos: o meta-terrorismo.

Meta-terrorismo – inconsistências, lacunas e inverossimilhanças deixadas de propósito para conferir ambiguidade aos acontecimentos. Dessa maneira, dando mais poder de disseminação viral pela polêmica entre ficção e realidade. Por isso, a natureza de “constructo” do não-acontecimento associa-se às estratégias de False Flag (Falsa Bandeira) ou Inside Job (Trabalho Interno).  

(a) Ambiguidade

No interior da cabina do caminhão supostamente a polícia encontrou sangue do terrorista tunisiano chamado hora de Ahmed, hora de Anis A. – a dúvida por nomes tão “muçulmanos” genéricos (como um “João da Silva” brasileiro) levanta esse primeiro fator da ambiguidade: nomes estereotipados, assim como os rostos “sujos-feios-malvados” dos vídeos do ISIS, conferindo um ar de canastrice ou “overacting”.

Estranhamente, havia sangue dentro da cabine, mas não fora. Isso depois do caminhão ter atingido e arrastado 60 pessoas, entre mortos e feridos. O Scania guiado pelo terrorista está apenas com o pára-brisa e vidros laterais estilhaçados, partes da frente amassadas mas... sem sangue.

Como explicar Ahmed/Anis A., com uma extensa ficha crimes (segundo informações de agências de segurança federais planejava assaltos para financiar compra de armas automáticas) e sob vigilância, consegue se desgarrar e cometer um massacre? Isso depois do Departamento de Estado dos EUA ter alertado a Alemanha, a partir de “fontes críveis”, de que a Al-Qaeda estava planejando ataques nos mercados natalinos de rua.

É o mesmo padrão dos atentados anteriores (Nice, Bataclan etc.), no qual sempre os autores são notórios conhecidos da polícia e agências de segurança. Inside Job? Assim como o suposto conhecimento prévio dos ataques de 2001 pelas agências de inteligência dos EUA?

            Em fotos e vídeos vemos policiais berlinenses na cena da tragédia sorrindo ou conversando animadamente. Vídeos feitos por celulares uma anomala cena de tragédia e massacre: pessoas caminhando casualmente, algumas com latinhas de cerveja na mão, indiferentes como se nada tivesse para olhar. As vítimas no chão parecem manequins. Não vemos pessoas agonizando, gemendo ou gritando em estado de choque. Tradicional frieza germânica? - veja abaixo vídeo e fotos:


Policiais e socorristas em alegres conversas na cena da tragédia

(b) Timing e sincronismo – quem ganha?


Esses dois fatores saltam aos olhos das análises fora da pauta da grande mídia. O massacre ocorreu no mesmo dia do assassinato do embaixador russo Andrei Karlov por um atirador na Turquia. Também no mesmo dia em que foi confirmada pelo Colégio Eleitoral a vitória eleitoral de Donald Trump nos EUA.

Enquanto isso, a cidade de Alepo, na Síria, era libertada pelas tropas do presidente Bashir Al-Assad com o apoio da Rússia. Libertada dos rebeldes apoiados pelo EUA. Uma derrota para a OTAN e os interesses norte-americanos que visam a derrubada do presidente sírio eleito democraticamente – a grande mídia fala em “guerra civil” mas, na verdade, é uma ação da OTAN dentro do xadrez geopolítico norte-americano na região.

O atentado teria sido uma forma de desvio de atenção na grande mídia da derrota da OTAN na Síria?

Ao mesmo tempo o atentado vira munição para a extrema-direita e um duro golpe contra a chanceler Angela Merkel, questionada pela sua recepção “generosa” aos refugiados no país. A grande mídia destaca que o autor do massacre em Berlim também era um solicitante de asilo.

Duro golpe para Angela Merkel: a extrema-direita de Marine e Marion Le Pen gostou

E também o momento em que russos, turcos e iranianos reúnem-se em Moscou para resolver diplomaticamente o conflito da Síria – as potências EUA, Reino Unido, França e Alemanha foram deixadas de lado.

Em política não há coincidências, mas timing e sincronismo de ações perpetradas para obter excelente efeito midiático. A política atual não lida mais com Propaganda no sentido clássico (repetição e doutrinação ideológica de opiniões) mas com engenharia de percepções – consonância, acumulação e onipresença das mesmas narrativas destinadas ao pânico e reações irrefletidas: medo e ódio.

c) Peças soltas


Observando fotografias e vídeos do mercado natalino de Berlim na noite do massacre e no dia seguinte há anomalias que acabam formando um conjunto de peças soltas, vital para o item (a). Nas fotos posteriores parece que o rastro de destruição é muito maior, como que para ampliar ainda mais a cena de destruição.

Mas muitos destacam a inacreditável habilidade do terrorista ao jogar o caminhão dentro do mercado natalino repleto de pessoas. Com uma precisão tal que nos faz lembrar do piloto que atingiu em cheio uma das torres do WTC com um imenso boeing 737.

Após uma luta mortal com o motorista original do caminhão (o polonês Lukasz Urban, morto ao seu lado em todo o trajeto do atentado), Ahmed ou Anis A. conseguiu dirigir o enorme caminhão entre os quiosques sem atingi-los, passando por um estreito corredor. Até fazer uma curva de 45o a esquerda, passando rente entre dois outros quiosques. Segundo testemunhas, a uma velocidade era superior a 60 km/h.


Supostamente um terrorista não daria a mínima em passar por cima dos frágeis quiosques para ampliar ainda mais escala de mortes e destruição. Um terrorista que age como uma bomba de neutrons? – aquela bomba que só mata seres vivos, deixando incólume prédios e equipamentos. Ou tudo não passou de um evento encenado?

A menina síria do Twitter


A hipótese da encenação fica mais forte quando historicamente acompanhamos as conexões entre estratégia militar, guerra e cinema. Desde o desconhecido episódio do "Ghost Army" na Segunda Guerra Mundial – técnicas cênico-teatrais e efeitos especiais cinematográficos (tanques e caminhões infláveis e sons pré-gravados de movimentação de tropas e equipamentos) para impactar psicologicamente as tropas nazistas com a ilusão de que os aliados teriam gigantescos exércitos de 30 mil homens.

Passando pela simulação de gravação de um filme sci-fi no Irã planejado pela CIA em 1979 para resgatar funcionários da embaixada dos EUA no Irã à época da Revolução Islâmica – episódio narrado pelo filme Argo (2012) – sobre as conexões Ghost Army e Argoclique aqui.

Há três meses a menina síria Bana al-Abed chamou a atenção da mídia Ocidental. Sete anos, covinhas, enfeite de cabelo, fala em inglês e falta um dente na frente. Mora em Alepo e todo dia relata ao mundo o que é viver numa cidade onde morte e bombardeios são ameaça constante.


Nos tweetes condena Putin e Bashir Al-Assad de criminosos que devem ser julgados por um tribunal internacional – uma reivindicação bem articulado para uma menina de 7 anos. Fala inglês nos vídeos (claramente memorizados e dirigidos pela mãe), mas fala muito mal a língua nativa. Não se explica como consegue ter acesso à Internet via satélite num cenário de guerra.

Badalada, passou a contar como seguidora a escritora best-seller J.K. Rowling que, sensibilizada, lhe enviou livros eletrônicos de Henry Potter. A atual engenharia de percepções mobilizada pelo Ocidente na guerra da Síria se enquadra bem na tática de manipulação das emoções detalhada pelo professor de linguística Noam Chomsky – o uso das emoções para criar um curto-circuito na análise racional e senso crítico.

Outro episódio encenado de propaganda na guerra da Síria foi a “a garota gay de Damasco”: em 2011 uma mulher que seria uma blogueira lésbica (Amina Arraf) e que descrevia a perseguição política e de gênero no país. Mais tarde descobriu-se que a “garota gay” na verdade era um norte-americano do estado da Geórgia.

O heroísmo do menino sírio


Mas os esforços de engenharia da percepção não param por aí. Milhões de usuários do YouTube foram cativados pelo vídeo do “heroico menino sírio” que conseguia resgatar uma menina sob intenso tiroteio.

Na verdade o vídeo foi filmado em Malta e produzido por um grupo de cineastas noruegueses em 2014. O roteirista Lars Klevberg disse que teve a ideia do vídeo depois de assistir às notícias do conflito na Síria. O vídeo teve um imediato efeito viral pelo aspecto ambíguo: é ficção ou realidade?

Set da filmagem em Malta

O filme recebeu financiamento do Instituto Norueguês de Cinema em 2013 e foi filmado no mesmo set de gravação dos filmes Gladiator e Troy. Enganou milhões de pessoas - clique aqui.

Quando revelado a falsidade do vídeo, os cineastas se apresentaram e disseram que foi uma forma de “criar debate”. Segundo ele, “fiquei surpreso pelas pessoas acreditarem que era real. No filme o menino é baleado e continua correndo. Não há sangue na criança”.

O menino de Alepo


O que também lembra as suspeitas em torno do vídeo de um menino de Alepo, o pequeno Omran Daqmeesh, sentado no interior de uma ambulância, ferido na cabeça e sujo de pó e sangue. Supostamente vítima de bombardeio russo.

A história dessa imagem é também repleta de anomalias que sugerem uma simulação como o filme do heroico menino sírio. O autor é um fotojornalista chamado “Mahamoud Raslan”. Na Internet ou veículos de imprensa não há outras fotos ou vídeos atribuídas a esse profissional.

                 Todo paramédico de ambulâncias de resgate sabe que feridas na parte superior da cabeça produzem intenso sangramento. Nas imagens há uma substância vermelha na sua cabeça de Omran. Mas nenhum sangue está fluindo. O menino ferido está supostamente em atendimento numa emergência. É colocado no banco da ambulância, as pessoas ao redor olham sem nada fazer. Parece que o menino posa para as imagens e seus gestos dirigido por alguém.


São fotos e vídeos bem diferentes, por exemplo, daquelas crianças gritando nas estradas da Guerra do Vietnã nos anos 1970 ou de fotos reais de crianças sírias ensanguentadas gritando em dor e desespero – clique aqui. O que assistimos nos telejornais são imagens de crianças colocadas nos bancos de uma ambulância, em estado catatônico, como fossem dirigidas em um filme mal produzido.

Sempre vídeos e fotos de apenas uma criança, para transformá-la em personagem que na cobertura da grande mídia acabará sempre ganhando um apelido de impacto como “Aleppo Boy”, “Hero Boy”, “Hero Syrian Boy” etc. 

É a aplicação de um dos princípios elementares da engenharia de percepção: o sofrimento de um personagem tem mais impacto do que a dor de dezenas ou centenas de pessoas.

Parece que o filme Mera Coincidência (Wag The Dog, 1997) foi profético ao antecipar as radicais técnicas de propaganda da guerra ao terror no século XXI. Numa sequência assistimos à produção de uma suposta cena de guerra contra rebeldes terroristas na Albânia em um estúdio – guerra inventada para desviar a atenção do público de um escândalo sexual envolvendo o presidente.

Vemos uma jovem albanesa tentando salvar um gatinho branco sob fogo cruzado e bombas. Tudo produzido com efeitos em croma key editado com um programa de computação gráfica. Vídeo que será “vazado” para ocupar o horário nobre dos telejornais de todo o mundo. Veja abaixo a sequência.


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Seis filmes para pensar o Natal

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Em sete anos de existência o blog “Cinema Secreto: Cinegnose” sempre quis homenagear o Natal com sugestões e análises de filmes e curtas metragens que celebrassem com muito humor negro e surrealismo não apenas a data festiva mas também a controversa figura do Papai-Noel. Afinal, os leitores do “Cinegnose” merecem um olhar alternativo para uma data tão previsível como um Roberto Carlos Especial de todo final de ano na TV. Aqui estão seis sugestões de filmes que farão o leitor refletir sobre os simbolismos e ícones natalinos.

1 - Papai Noel pode matar em “Rare Exports”


Se Papai Noel é um personagem tão altruísta, por que ele trabalha na clandestinidade? Por que muitas crianças temem a figura de Papai Noel em  shoppings e parques? Por que a constante presença de papais-noéis assassinos e aterrorizantes na cinematografia? Essas questões em relação ao mito do Papai Noel são as motivações para o jovem diretor finlandês Jalmari Helander a desconstruir o imaginário desse personagem no filme Rare Exports (2010).
Jalmari vai buscar as origens do mito natalino no folclore pagão, anterior à conversão cristã e norte-americana através da publicidade da Coca-Cola: há um imaginário subterrâneo e esquecido em torno do mito do Papai-Noel que insistentemente ressurge na cultura.



2 - Papai Noel: Modo de Usar (curta)


Jamais fume, fale palavrões, beba álcool ou tenha atitudes inconvenientes ao lado de um Papai Noel. Ele poderá matá-lo. Isso porque por baixo da roupa natalina esconde-se um raro ser ardiloso e cruel, caçado na Finlândia, treinado para executar o papel do bom velhinho e exportado para todos os shopping centers do mundo pela empresa Rare Exports Inc. Pelo menos é o que pensa o cineasta finlandês Jalmari Helander, um estudioso não só das origens do mito, mas da sua conversão publicitária norte-americana feita pela Coca-Cola.

Os curtas Rare Exports Inc. (2003) e The Official Rare Exports Inc. - Safety Instructions (2005) são produtos da fixação do diretor pelo personagem e que, mais tarde, acabou resultando no longa metragem O Papai Noel das Cavernas ( Rare Exports, 2010): são fábulas que mostram o quanto de frieza administrativa, gerenciamento e treinamento de recursos humanos está por trás de cada rosto feliz dos papais noéis, funcionários e atendentes de toda a estrutura comercial que se traveste com signos da compaixão e do amor ao próximo.



3 - Papai-Noel vinga-se do Cristianismo no filme “Uma Noite de Fúria


Um filme “trash” como “Uma Noite de Fúria” (Santa’s Slay, 2005) trás muito mais verdades do que toda a filmografia que pretende trazer fé e esperança por meio de uma figura tão controvertida como Papai-Noel.
A recorrência de filmes que apresentam uma visão “pagã” ou “satânica” do mito natalino, confirma as origens histórico-políticas de Papai-Noel: Santa Claus e Satã são os dois lados de uma mesma moeda criada pela Igreja para que o Cristianismo ganhasse hegemonia sobre culturas dominadas por rituais de fertilidade que relembravam os ciclos da natureza, morte e renascimento.



4 - “Treevenge” – a vingança das árvores de Natal


Nessa época do ano surgem na Internet várias listas de filmes que fazem paródias com muito humor negro sobre o espírito do Natal. O curta canadense Treevenge (2008) é mais um exemplo – pinheiros arrancados da floresta por cruéis lenhadores para serem explorados no mercado de decorações natalinas planejam uma sangrenta vingança contra os humanos.
Além da crueldade, os humanos ainda adoram as bregas músicas natalinas. O que irrita ainda mais os pinheiros que veem sua dignidade perdida aos serem transformados em árvores de natal no canto de uma sala de jantar qualquer.  Por trás do horror trash de Treevenge há ainda mais: Nietzsche e o espírito de Natal transformado em valor agregado dos produtos.


5 - O Universo foi criado por alguém que não nos ama em “Christmas On Mars”


Um filme estranho, trash e psicodélico que confirma que o rock é um gênero musical que sempre retirou suas energias da mitologia gnóstica contemporânea: Detetives, Viajantes e Estrangeiros sempre vagando em nowhere – o Espaço, o Deserto, o Lugar Nehum como símbolos da condição humana, assim como o Major Tom de músicas de David Bowie.
Dessa vez no filme Christmas On Mars (2008, escrito e performado pela banda de rock indie “Flaming Lips”) vemos Major Syrtis tentando superar uma crise de niilismo, psicose e paranoia que se abateu sobre a tripulação de uma base marciana através da organização de uma festa natalina. Mas terá que superar a confrontação com a “realidade cósmica” – que o Universo foi criado por alguém que não nos ama.



6 – O fantasma do tempo no filme “Christmas Carol”


O livro Christmas Carol (Um Cântico de Natal, 1843) de Charles Dickens é atemporal por apresentar dois grandes arquétipos que marcarão a vida moderna: Fantasmas e o Tempo. Ao fazerem uma adaptação usando animação digital (através da tecnologia de “captura de performance”), a Walt Disney Pictures e o diretor Robert Zemeckis (De Volta para o Futuro e Forrest Gump) produzem um efeito paradoxal: esvaziam o olhar crítico de Dickens sobre o início da modernidade ao reduzir a narrativa à estética videogame por meio de uma tecnologia moderna.

O Ocultismo e a problematização do Tempo, marcas da literatura do século XIX como formas de questionar a modernidade, são temas oportunos para uma reflexão nesses momentos que antecedem a celebração de Ano Novo onde todos querem reter um momento do tempo, que então será passado.

Na série "The OA" a obsessão científica pelas experiências de quase morte

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Desde “ET” e “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” Spielberg transformou os subúrbios de classe média dos EUA, com suas bikes BMX e jovens aventureiros, em ícones da cultura pop, revividos de forma retro em séries atuais como “Strange Things”. Na série Netflix “The OA” (2016) esses ícones são retomados, porém de forma sombria: casas com famílias cada vez mais vazias que tentam manter à força a coesão. Até surgir uma jovem que ficou desaparecida por sete anos e mudar a vida de um grupo de inadaptados àquela comunidade suburbana. Uma protagonista que sobreviveu a sucessivas Experiências de Quase Morte (EQM) feitas por um cientista obcecado em provar cientificamente a existência pós-morte. Mas por algum motivo ela pretende retornar àquele pesadelo científico para recuperar alguma coisa de natureza espiritual que lhe foi roubada. A série “The OA” é mais um exemplo de como o Netflix vem arriscando em temáticas estranhas e gnósticas narradas em linguagens pouco convencionais.

A plataforma de filmes e séries em streaming Netflix cada vez mais  demonstra que pretende apostar na ousadia. Além do seu fundador Reed Hastings ter se antecipado ao perceber em 2007 que o negócio de aluguéis de DVDs estava fadado ao fracasso diante da ascensão do streaming, seus executivos cada vez mais arriscam exclusividade com produções próprias.

O que diminui a dependência com os estúdios de cinema mas, por outro lado, assume muitos riscos comerciais. Por isso as produções do Netflix têm se tornado uma área de produções surpreendentes: além de investir em séries com temáticas nacionais (como Narcos, 2015, e, para o próximo ano, outra baseada na polêmica brasileira da Operação Lava Jato) vem dando espaço para diretores e roteiristas independentes, apostando no estranho e formas narrativas pouco convencionais.

A série The OAé mais um exemplo das tacadas arriscadas do Netflix: produto de uma dupla independente de criadores bem peculiar – Brit Marling (que co-escreve e atua) enquanto Zal Batmanglij também escreve e dirige. A dupla esteve por trás de filmes de pouco sucesso como Sound of My Voice (2011, clique aqui) e The East (2013) – foram filmes inteligentes compostos de grande ideias que acabavam não sustentando nas resoluções finais. Filmes pretensiosos cujos criadores simplesmente não conseguiam dar conclusão a excelentes ganchos narrativos.

Marling e Batmanglij parecem sempre exigir que o espectador se infiltre em um mundo estrangeiro e estranho, com uma espécie de narrativa sempre claustrofóbica e incômoda. Em The OA não é diferente.


Percebemos que a série se ambienta em um mundo aparentemente familiar para nós – o mundo dos subúrbios de classes média norte-americanos (equivalente aqui no Brasil aos condomínios fechados) com jovens em suas bikes BMX e famílias cada vez mais vazias que forçam pais e filhos a se manterem coesos. Mas o olhar indiede Marlin e Batmanglij não busca a visão spielbergiana desses subúrbios (pais separados com filhos espertos e aventureiros) ou o viés retro dos anos 1970-80 como na série também Netflix Stranger Things.

The OA vai buscar nesses ambientes familiares tudo aquilo que pareça estranho e estrangeiro – famílias alternativas, jovens inadaptados, tribalizados, pessoas que se unem por terem experimentado Experiências de Quase Morte (EQM) e outras curiosidades de antropológicas.

E o que parece ser recorrente nas produções recentes que lidam com a inadaptação e o estranho: experiências espirituais ou religiosas repletas de elementos da mitologia gnóstica – talvez a mitologia que atualmente melhor expresse as perplexidades contemporâneas. A experiência de ser estrangeiro e inadaptado ao seu ambiente supostamente familiar como a fagulha que despertará experiências espirituais.

Além disso, The OA faz o espectador embarcar em uma experiência fílmica que apresenta um desprezo pela narrativa em episódios: o primeiro apresenta um prologo de 70 minutos antes dos créditos iniciais, para depois lançar a história real.

Aliás, a narrativa lembra bastantes aquelas bonequinhas russas (a “matriosca”, tão russa como a protagonista da série) ocas e colocadas uma dentro da outra – em OAacompanhamos uma espécie de narrativa em abismo na qual temos uma narrativa sobre o passado sendo contada no presente (que para o espectador está acontecendo em live-action ao longo dos episódios da série) mas que, ao final, (essa é a moral da história) percebemos que o drama dos inadaptados daquele subúrbio pode ser o drama das nossas próprias vidas.


A série


The OA abre com um vídeo feito pelo celular de uma transeunte que filma uma mulher loura que pula de uma ponte. A mulher sobrevive e descobrimos que chama-se Prairie Johnson (Brit Marling). Ela esteve desaparecida por sete anos. Quando deixou seus pais adotivos (Alice Krige e Scott Wilson)ela estava cega, mas agora pode enxergar.

Repórteres cercam a família e a mídia começa a chama-la de “o milagre de Michigan”. Todos querem saber o que aconteceu, onde esteve. Mas Prairie mantém-se calada sobre o que aconteceu naqueles anos todos e o porquê de estranhas cicatrizes nas suas costas.

A polícia e o FBI acreditam que ela vive uma neurose pós-traumática, o que faz os pais cercarem de cuidados, remédios e observação quando está reclusa em seu quarto. Mas tudo o que ela quer é um Wi-Fi e a senha para encontrar na Internet alguém chamado Homer.

Todos querem “curá-la”, mas Prairie é enfática: não se trata de cura, mas o início de uma descoberta. Estranhamente ela voltou para casa mas quer retornar para onde esteve desaparecida. São seus pais, seu quarto, sua casa, seu bairro, mas sente-se estrangeira ali.


Aos poucos, outros inadaptados vão se juntando ao redor dela: a menina transexual, o valentão cujos pais querem despachá-lo para um internato militar, uma professora solitária, um estudante latino filho de mãe solteira alcoólatra e um menino freak, drogado com um cabelo ao estilo Ramones.

Há alguma espécie de ligação entre essas pessoas tão díspares, lembrando o argumento da série Sense8 (2015) dos Wachowskis – clique aqui.

Prairie os reúne toda noite no sótão de uma casa abandonada para relatar em episódios a sua verdadeira história daqueles sete anos. Mas ela precisa de algo mais deles: que compreendam sua jornada espiritual e aprendam com ela cinco movimentos – uma espécie de dança com alusões gestuais a ioga, viagens em buracos de minhoca, abertura de portais dimensionais etc. A fixação de Prairie é, através desse portal aberto, retornar a esse lugar que esteve.

Mas o que intrigará o espectador é que esse lugar não é nada bonito. Prairie era uma menina russa que viveu uma EQM muito cedo e retornou cega e com estranhos sonhos premonitórios. De repente tornou-se órfã aos cuidados de uma tia irresponsável nos EUA que a vende para os seus pais adotivos.

Já adulta e obcecada em retornar para seu pai, que aparece sempre em seus sonhos, foge de casa até cair nas mãos de um cientista (Dr. Hunter Hap – Jason Isaacs) com uma obsessão: provar a existência da vida pós-morte estudando casos de EQM em um laboratório subterrâneo em uma mina abandonada em algum lugar remoto dos EUA.

Para Hunter, em todos os casos de retorno de EQM, as pessoas retornam com habilidades especiais (artísticas, musicais, cognitivas, premonitórias etc.). De onde trouxeram essas habilidades? É o que Hap quer entender, da maneira mais cruel possível: mantendo prisioneiros cinco “cobaias” humanas em seu laboratório, “matando-os” sucessivas vezes para tentar acompanhar suas EQM por um dispositivo eletrônico – por aproximação acompanhar o “som” emitido pelas partículas da alma fora do corpo.


Estrangeiros nesse mundo


Assim como os ouvintes da narrativa de Prairie em Michigan, as “cobaias” de Hap têm algo incomum: também a inadaptação existencial com esse mundo.

O mais emblemático é o gás que Hap obriga suas cobaias inalarem antes da EQM – um gás de esquecimento. Dessa forma, Hap terá as informações só para si, evitando que perca o controle da experiência por possíveis insubordinações.

Um argumento que lembra muito a série HBO Westworld (clique aqui) na qual os androides tem sucessivas mortes, para depois serem reparados nos laboratórios e retornar para suas “vidas” no parque temático como se nada tivesse ocorrido, garantindo a disciplina dos robôs.

Todos os elementos da mitologia gnóstica estão colocados em The OA para traduzir a própria condição humana: estranhamento, alienação, prisão e esquecimento.

Um cientista demiurgo que submete seus espécimes ao esquecimento para tentar arrancar deles um conhecimento que, se for apropriado pelos cinco prisioneiros, poderá libertá-los. Esse é o conhecimento (a gnose) que Prairie a duras penas conseguiu codificar em cinco movimentos que agora pretende repeti-lo com os jovens suburbanos para retornar por um portal dimensional e libertar seus amigos prisioneiros.

Por isso Hap corre contra o tempo: ele terá que compreender os cinco movimentos antes das “cobaias”, para conseguir a maior descoberta humana – a natureza da existência pós-morte.


O gás do esquecimento e o Wi-Fi


Esquecimento é a palavra-chave na série The OA. Do gás do sinistro laboratório de Hap aos tratamentos de cura pós-traumática que tanto o FBI (para arrancar informações) quanto os pais (para prendê-la à vida inautêntica daquele subúrbio) querem submeter a pobre Prairie está o elemento-chave do esquecimento: com o esquecimento dormimos para acordar como se tudo fosse um novo dia cheio de esperanças, escondendo a estrutura geral que nos aprisiona.

As mesmas formas de “cura” que os pais pretendem submeter os filhos inadaptados: o colégio militar para “curar” o valentão, a bolsa de estudos para fazer o filho escapar da mãe alcoólatra, a cura à trans-sexualidade da filha etc.

Uma das melhores coisas de The OAé a metáfora da senha e do Wi-Fi. Prairie reaparece depois de sete anos, em busca de uma conexão Wi-Fi e a senha. Uma interessante metáfora de busca da conexão espiritual que todos nós procuramos – ou pelo menos aqueles que sentem a relação de estranhamento com o mundo, assim como os protagonistas da série.

O hardware descoberto pelo desumano cientista (o dispositivo que permite sucessivas experiência controladas de EQM) é a conexão Wi-Fi e a dança dos cinco movimentos a senha.


Meta-narrativa - aviso de spoilers à frente


Ao longo dos oito episódios acompanhamos a busca de cada um desses movimentos e o desenvolvimento de uma linguagem de códigos que permite os cinco prisioneiros no laboratório de Hap protegerem o conhecimento secreto do cientista-demiurgo louco.

Embora a crítica tenha ridicularizado a inserção repentina no meio da série dessa “dança” e gestuais como um elemento arbitrário enfiado no roteiro (um “deus ex-machina” - termo usado para designar soluções arbitrárias, sem nexo ou plausibilidade para solucionar becos sem saída encontrados em roteiros mal conduzidos.), principalmente no episódio final, passa a ter sentido nesse argumento dos criadores em criar uma ligação entre o tecnológico e o espiritual.

Porém, o mais instigante é a meta-narrativa proposta por The OA: assim como as cinco almas perturbadas que acompanham a narrativa de Prairie a cada noite, nós espectadores também criamos uma relação empática com aquela narrativa. Aqueles cinco jovens “freaks” na verdade somos nós acompanhando cada um dos episódios da série.

A dupla de criadores Marling e Batmanglij parece querer nos lembrar que também nós espectadores podemos estar vivendo em nossas vidas uma situação análoga a dos prisioneiros da série – as cobaias humanas e os inadaptados suburbanos. Todos nós respirando em pequenas doses o gás do esquecimento e acordando cada dia como fosse um novo dia, apesar da estranha sensação de estrangeiros em uma terra estranha.

E como o leitor perceberá, a série termina de forma ambígua não só para dar continuidade na segunda temporada - terminamos em dúvida se toda a história contada por Prairie foi real ou o resultado de uma mente bem inventiva alimentada pela leitura de livros como Os Oligarcas (sobre a elite russa), Enciclopédia de EQM ou Odisséia de Homero, encontrados no seu quarto.

Novamente, a série lança mão da meta-narrativa: a Hipótese dos Muitos Mundos criada pela interpretação da Física Quântica (a experiência pós-morte correspondente a criação de uma pluralidade de mundos) se equivale a possibilidade das múltiplas interpretações que o espectador poderá fazer sobre Praire.

A mesma estratégia narrativa que também o filme Sound of My Voice utilizou no seu final em 2011.


Ficha Técnica

Título: OA (série)
Direção: Zal Batmanglij
Roteiro: Brit Marling, Zal Batmanglij
Elenco:  Brit Marling, Jason Isaacs, Scott Wilson, Alice Krige, Patrick Gibson, Brendan Meyer, Phyllis Smith
Produção: Plan B Entertainment, Anonymous Content
Distribuição: Netflix
Ano: 2016
País: EUA

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Em "Lua de Fel" a contagem regressiva de fim de ano é uma bomba-relógio

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Mais um final de ano e outra contagem regressiva para a meia-noite. Por que essa contagem, como fosse uma bomba relógio? Essa é uma pergunta feita por pensadores como Jean Baudrillard até chegarmos ao filme “Lua de Fel” (“Bitter Moon”, 1992) de Roman Polanski. A poucas horas da festa de réveillon em um cruzeiro marítimo, forma-se um bizarro triângulo amoroso entre um casamento que tenta sobreviver e outro que se transformou em ódio mútuo. Um flashback episódico da história de um homem destruído pela paixão. “Por que as coisas boas nunca duram?”, pergunta-se Polanski. A aproximação que o diretor faz dessa questão com a festa do réveillon, sugere uma resposta: a percepção do tempo como bomba-relógio cria as doenças espirituais contemporâneas: o niilismo e o hedonismo.

A contagem regressiva para o Ano Novo sempre foi a principal instituição do réveillon. Na rápida contagem regressiva de dez segundos é como se repassássemos nossas resoluções para o próximo ano, transformando mente e alma em uma página em branco novinha em folha.

O pensador Jean Baudrillard via com desconfiança essa contagem regressiva, fazendo uma analogia com a contagem regressiva de uma bomba prestes a explodir – a liquidação de todo e qualquer futuro em uma contagem regressiva, o futuro transformado em bomba relógio - Baudrillard chamava de "necrosgectiva" - clique aqui.

Por trás da comemoração de uma efeméride sobre a obsolescência e fim de validade de um período do tempo está a percepção pessimista de que tudo tem um fim. O tempo faz qualquer coisa caminhar para a entropia, esgotamento e, finalmente, a morte.

Roman Polanski parecia ter em mente alguma coisa nesse sentido ao escrever e dirigir o filme Lua de Fel (Bitter Moon, 1992) quando o protagonista Oscar (Peter Coyote) sentencia de maneira sombria a poucas horas antes da festa de réveillon em um cruzeiro: “Os casais deviam se separar no auge da paixão, e não esperar o inevitável declínio”.  

Polanski aproxima essa percepção esmagadora do tempo (como uma inexorável flecha que aponta sempre para o futuro) com o tema do amor, da vida conjugal e do matrimônio. Assim como sabemos que todo ano irá terminar, também sabemos que algo bom nunca dura para sempre. As coisas boas nunca duram, e nada temos a fazer a não ser lamentar e lutificar.


E se tentarmos agarrar com as mãos para evitar que esses bons momentos se dissolvam como “lágrimas na chuva” (como lamentava o replicante Roy em Blade Runner), o amor pode se converter em algo amargo e perverso.

O amor pode se transformar em algo que nos faz em pedaços, como cantava Ian Curtis na clássica música da banda pós-punk Joy Division:“Love Will Tear Us Apart”.

O pior filme de Polanski?


Lua de Felé um filme que não goza da mesma reputação das obras primas do diretor como O Bebê de Rosemary ou Repulsa ao Sexo. As críticas negativas, a maioria, falam de “embaraço” de Polanski – demasiado artificial, exagerado, overacting, extremamente misantrópico. O filme seria o retrato de um casamento “condenado a alta pornografia e baixa arte”.

E o que é pior: Polanski lançava na época sua própria esposa, Emanuelle Seigner, no papel central como uma sedutora voraz com tendência a viúva negra cuja diversão é destruir os homens através da sua sexualidade. Sua performance foi criticada como o trabalho de uma atriz que só conseguiu o papel por ser esposa do diretor.


Mas parece que os críticos passaram batidos por uma sutil autoconsciência da narrativa: o protagonista Oscar é um escritor fracassado que jamais publicou um livro se quer. Por isso, a narrativa em flashback que faz da vida conjugal com Mimi (Seigner) é de pouca imaginação. Por isso, repleta de clichês e overacting: frases como “inseparáveis durante o dia e insaciáveis à noite” e o acúmulo de clichês pornográficos como, por exemplo, o café da manhã com o leite espalhado pelos seios de Mimi explicitam isso.

Polanski parece querer brincar com esses clichês e mostrar o porquê de Oscar ter se tornado um escritor fracassado – na verdade não passava de um playboy rico que queria viver os clichês literários de Paris fingindo ser intelectual e escritor apenas para seduzir mulheres.

O Filme


Nigel (Hugh Grant) e Fiona (Kristin Scott Thomas) fazem um cruzeiro marítimo até a Índia para tentar renovar os seus sete anos de casamento. Em primeiro lugar, conhecem um amigável indiano viúvo com sua filha que recomenda ao casal ter filhos para equilibrar o casamento – primeiro tema polanskiano: o ajuste de um casal sempre está alinhado com a ausência total de sexo).

Mas não demora muito para o casal ser introduzido à sexualidade transgressiva. São apresentados ao casal Oscar e Mimi, obviamente presos a algum tipo de ódio mútuo – ele um escritor preso a uma cadeira de rodas, cínico e autodepreciativo; ela, uma mulher voluptuosa que sugere a possibilidade de traição a Nigel em todas as oportunidades.


Oscar convida o jovem e fleumático britânico Nigel a sua cabine para revelar-lhe sua história longa e sinuosa de como o paixão o destruiu entre impulsos doentios, obsessão sexual, encontros amorosos até um ficar cansado do outro e entrarem num ciclo infernal de traição, abusos e tortura.

De início Nigel sente repulsa àquela história que Oscar começa a contar, mas sente um incontrolável impulso de olhar para o abismo e mandar Fiona e o casamento às favas em troca de uma noite com a sedutora Mimi – ouvir a história até o fim é a condição imposta por Oscar para que a traição receba suas bênçãos.

Se para Oscar a narração da sua tragédia (o primeiro flerte, a sedução, sexo compulsivo, ódio, traição e crime até ficar entrevado em cadeira de rodas sob os cuidados da vingativa Mimi) é uma forma de espiar o ódio de si mesmo, para Nigel é tudo aquilo que os sete anos de vida conjugal nunca tiveram no que se tornou a “tumba matrimonial” do casamento.

E para alimentar ainda mais a obsessão de Nigel, Fiona é uma mulher fria, distante, um pouco seca que parece que oferecerá pouca resistência à voluptuosa Mimi. Mas Fiona alerta Nigel: “o que você fará, eu posso fazer melhor!”. Sugerindo a lendária crueldade e frieza femininas das mulheres quando sentem-se traídas.


A tibieza espiritual: niilismo e hedonismo


Ao longo da narrativa episódica de Oscar nas horas que antecedem à festa do réveillon, fica também evidente o segundo tema polanskiano: a decadência dos corpos humanos como um reflexo da tibieza espiritual. 

Aos pouco percebemos, nos flashbacks das desventuras de Oscar, como o niilismo e o hedonismo (as verdadeiras doenças espirituais modernas) começam a impregná-lo. Do desinteresse sexual por Mimi até chegar ao acidente e a prisão do corpo nas cadeira de rodas.

Esse segundo tema dileto de Polanski conecta-se a essa interessante aproximação que o diretor faz do bizarro triângulo amoroso com a contagem regressiva de final de ano.

Na crise final entre Mimi e Oscar, ela lamenta: “Quando algo é bom, não queremos que dure para sempre?”. “Claro, mas as coisas boas nunca duram”, reponde melancolicamente Oscar.
Oscar sente-se incapaz de escrever um livro ou de ter filhos – submete Mimi a um doloroso aborto que a deixa infértil. Para ele, nada de bom dura nesse mundo.


Por isso, devemos nos apegar aos momentos fugidios de prazer como se não houvesse amanhã. Estamos no terreno psíquico da doença espiritual contemporânea: o minimalismo do hedonismo e niilismo – a percepção do tempo como uma contagem regressiva tão acelerada que o futuro só poderá ser uma bomba que explodirá.

Niilismo (do latim “nihil”, “nada”) como o ceticismo radical frente ao futuro, e o hedonismo (do grego “hedonê”, “prazer”, “vontade”) já tiveram sua época heroica como crítica consistente a sistemas opressivos que nos aprisionavam ao presente, negando-nos o futuro.

A filosofia hedonista do Carpe Diem (“aproveite o dia”) imortalizada na figura contestadora do professor Keating (Robin Williams) no filme Sociedade dos Poetas Mortos (1989) ou o lema niilista anarco-punk “No Future” tiveram sua época libertária.

Porém, hoje tornou-se uma doença espiritual de imobilização do espírito frente à seta do Tempo. Sem fé ou esperanças em transformações futuras, substituímos o desejável pelo possível: o apego aos momentos que não duram.

Se não duram, devem ser experimentados de maneira tão intensa que podem perigosamente se aproximar da morte, da overdose à perversão sexual. Esse parece ser o tema que persegue a carreira do diretor Roman Polanski.


Ficha Técnica

Título: Lua de Fel (Bitter Moon)
Direção: Roman Polanski
Roteiro: Roman Polanski baseado em novela de Pascal Bruckner
Elenco:  Peter Coyote, Emanuelle Seigner, Hugh Grant, Kristin Scott Thomas
Produção: Canal +, RP Productions, Les Films Alain Sarde
Distribuição: Fine Line Features
Ano: 1992
País: França, Reino Unido, EUA

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Cinco filmes para ver depois do Ano Novo

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Cinco filmes sobre o Ano Novo para ver depois das comemorações do Ano Novo. Filmes que vão do humor politicamente incorreto, humor negro ao pessimismo filosófico e o próprio fim do mundo. Filmes que nos fazem pensar sobre as principais instituições que envolvem essas festas: a contagem regressiva, as promessas para o próximo ano, o futuro e o passado. Rituais que cuidadosamente repetimos todo ano. Mas se o leitor quiser assistir antes das festas da virada de ano, é por sua conta e risco...




1. “200 Cigarrettes” – Ano Novo, cigarros e a geração MTV

O filme “200 Cigarettes” (1999) é um programa oportuno para essa época de comemorações do ano novo, pois nos faz refletir sobre o tempo e as mudanças da cultura e identidade entre as gerações X, Y e Z.

Por que na virada para o terceiro milênio, a MTV produziu um filme tão nostálgico, cuja história se passa na noite de ano novo de 1981? “200 Cigarettes” é o testamento de uma geração que a MTV soube muito bem moldar, aquela que acreditava que a própria vida poderia ser um vídeo clip.

Porém, não esperava que a cultura punk DIY (Do It Yourself – “faça você mesmo”) que ela ajudou a destruir com a cultura pop retornaria como vingança, dessa vez renascida pela Internet 2.0. Mas o mal estar da incomunicabilidade permanece porque os meios digitais se tornaram nada mais do que uma nova plataforma comercial.


2. Curta “Dinner For One” – tenha um final de ano politicamente incorreto

Por que TVs europeias, principalmente alemãs, a cada 31 de dezembro exibem um velho curta em preto e branco chamado Dinner For One, desde 1963? Alemanha, Leste Europeu e países nórdicos exibem todo final de ano o curta original ou versões com um humor mais politicamente correto.

Dinner For Oneé a síntese da fleugma e humor negro inglês: uma senhora da alta sociedade comemora seus 90 anos e um mordomo finge servir a convidados em uma grande mesa de jantar com cadeiras vazias – são os lugares de amigos de outras comemorações, já falecidos. Um bizarro mix de embriaguez involuntária, morte e aniversário. Por que a cada final de ano os europeus continuam assistir fascinados a esse estranho curta?




3. “A Roda da Fortuna” – a gnose de Ano Novo

Vale a pena assistirmos ao filme “A Roda da Fortuna” (The Hudsucker Proxy, 1994) dos irmãos Coen. Ainda mais nas comemorações de chegada do ano novo, onde todos parecem querer capturar e reter um momento no tempo, que então já será passado.

Por isso, “A Roda da Fortuna” é um grande filme para ser visto e refletido nesses últimos momentos de ano velho. Uma fábula sobre os nossos vícios temporais que estão sempre presentes em todo final de ano: ou caímos no tempo linear (as famosas promessas e desígnios para o ano novo) ou no tempo cármico - a ilusão de que tudo depende de nossa vontade para a roda da fortuna girar, sem entendermos que somos prisioneiros da cilada do “eterno retorno”.



4. “Last Night” – Ano Novo e o fator humano no fim do mundo

Não sabemos como e porque o mundo vai acabar à meia noite nas comemorações do Ano Novo. Habitualmente nos filmes-catástrofes hollywoodianos temos muita ação, destruição e explosões que acabam desviando a atenção do espectador do sintoma cultural que representa a recorrência do tema fim do mundo no cinema.

Ao contrário, no canadense Last Night (1998) a narrativa disseca uma variável que nenhum filme-catástrofe desenvolve: o fator humano. No filme não há ônibus espaciais, generais estressados ou cientistas heroicos. Apenas pessoas comuns que tentam realizar seus últimos desejos antes do fim. E esses desejos transformam-se em termômetro do mal estar cultural que estava por trás da histeria midiática do “novo milênio” no final do século XX.






5. “Lua de Fel” – quando a contagem regressiva do final de ano é uma bomba-relógio

Mais um final de ano e outra contagem regressiva para a meia-noite. Por que essa contagem, como fosse uma bomba relógio? Essa é uma pergunta feita por pensadores como Jean Baudrillard até chegarmos ao filme Lua de Fel (Bitter Moon, 1992) de Roman Polanski.

A poucas horas da festa de réveillon em um cruzeiro marítimo, forma-se um bizarro triângulo amoroso entre um casamento que tenta sobreviver e outro que se transformou em ódio mútuo. Um flashback episódico da história de um homem destruído pela paixão. “Por que as coisas boas nunca duram?”, pergunta-se Polanski.

A aproximação que o diretor faz dessa questão com a festa do réveillon, sugere uma resposta: a percepção do tempo como bomba-relógio cria as doenças espirituais contemporâneas: o niilismo e o hedonismo.


O Gnosticismo politicamente incorreto em "Festa da Salsicha"

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Uma das teses do Cinegnose é que as animações atuais cada vez mais exploram temas gnósticos de desconstrução da realidade. Afinal, em relação aos filmes live action, as animações são meta-ilusões dos movimentos reais criadas pela ilusão do desenho e computação gráfica. “Festa da Salsicha” (“Sausage Party”, 2016) leva essa tendência às últimas consequências. Alimentos antropomorfizados em gôndolas de um supermercado estão imersos em uma religião na qual acreditam que serão escolhidos por “deuses” (os clientes do supermercado) e levados para o “Grande Além”. Lá viverão na paz e amor, em comunhão com os “deuses”. Mas a religião esconde um destino cruel: os deuses são monstros insaciáveis que comem alimentos para ficarem fortes. Uma comédia politicamente incorreta e desbocada na qual o espectador cria forte empatia com o drama das salsichas – será que vivemos também em um gigantesco supermercado? Como elas, também partilhamos de ilusões religiosas apenas porque nos tornam felizes e otimistas?

No início dos anos 1970 era exibido na TV brasileira um comercial das salsichas Frigor Eder. Numa animação víamos um porquinho pulando corda dizendo a um boi que precisava ficar forte para ser salsicha. O porquinho e o boi levantavam alteres e malhavam para um dia virarem salsicha.

Chegado o dia, entram felizes na esteira rolante de uma máquina que os transformava automaticamente em salsichas da marca Frigor Eder S.A.

O historiador pernambucano Leôncio Basbaum no livre Alienação e Humanismo lembrava desse comercial, e o considerava o símbolo da alienação do homem contemporâneo: o indivíduo que alegremente se esforça a vida inteira para virar uma atraente salsicha produzida em série para depois ser consumido pela elite do sistema e morrer.

Um produto processado industrialmente, feito com aparas e restos de carne bovina, suína e aves, restos “comestíveis” resultantes do abates, misturados com colorantes, conservantes e, depois, pré-cozido.

De símbolo da alienação e exploração do capitalismo, passando pelos horrores dos alimentos processados industrialmente (cujo documentário Super Size Me, sobre os males do fast food McDonald’s, foi o ápice da denúncia dos horrores da indústria alimentícia), a salsicha e toda sorte de “massas de carne” agora ganha uma novo e insuspeito simbolismo: a da crítica gnóstica sobre a condição humana.


É a animação Festa da Salsicha (Sausage Party, 2016) escrita por Seth Rogen (comediante famoso pelas piadas politicamente incorretas e constantes referencias à cultura pop dos anos 1980 e 90) e dirigida por Greg Tiernan e Conrad Vernon. A princípio para um espectador desatento tudo pode parecer um gigantesco besteirol: palavrões, cenas maliciosas ou de sexo explícito e uma enxurrada de alusões à intolerância, racismo e xenofobia que assola o mundo atual dentro de um mais absoluto non sense.

E tudo protagonizado por pães, tacos, donuts, mostardas, cachaças, legumes e, claro, salsichas. Todos eles possuem uma vida secreta nas gôndolas de supermercados, longe da percepção dos humanos que entram nesses estabelecimentos apenas para comprar apenas produtos.

O Grande Além


Para esses ansiosos produtos nas prateleiras eles não serão comprados, mas “escolhidos” por deuses que os levarão para o “Grande Além”, o lado de fora das portas automáticas de vidro dos supermercados. E têm fé que nesse Grande Além realizarão todos os seus sonhos e fantasias: salsichas preencherão pães macios (com toda a carga erótica desse simples desejo de uma salsicha) e os pães sírios acreditam que encontrarão no “céu” azeites virgens que irão umedecê-los...

Essa é a base de uma religião que mantém na linha todos os produtos nas gôndolas dos supermercados, sem questionar jamais suas curtas vidas. Mas que esconde um terrível destino final: serão todos mastigados, bebidos ou sorvidos por esses deuses que, na verdade, são ao mesmo tempo cruéis e patéticos.


Ao lado de animações recentes como Uma Aventura Lego ou Jovens Titãs em Ação, acompanhamos uma crescente tendência da sensibilidade “meta” nesse gênero fílmico – alusiva, paródica, auto-referencial, metalinguística que descontrói a realidade da própria animação como alusão à desconstrução da própria realidade dos espectadores.

Assim como os produtos do mercado são iludidos pela mitologia do “Grande Além” que supostamente os espera, da mesma forma nós acreditamos no Além como forma de libertação – “partir desta para uma melhor”, dizemos.

Mas a realidade pode ser uma construção tão artificial quanto a “massa de carne” que enche uma salsicha.

O Filme


Tudo gira em torno de um grupo de alimentos que vive nas gôndolas de um supermercado qualquer nos EUA. Na primeira sequência acompanhamos uma sequência musical na abertura das portas de mais um dia de vendas. Todos acordam para cantarem juntos um hino para que os produtos mostrem o quanto estão agradecidos por tudo que os deuses fazem. Uma oração que renova diariamente a fé de que “nada de ruim acontecerá com os alimentos”.

Cada um espera ser escolhido pelos “deuses” que entram no supermercado e os conduza ao “Grande Além” onde serão tratados com amor e carinho, a verdadeira Terra Prometida.

Um grupo de salsichas embaladas, ao lado da gôndola com pães de cachorro-quente, vivem um tórrido amor platônico. Tocam suas “pontas” (os dedos) à espera da consumação desse amor em algum lugar no Grande Além quando forem levados juntos, num mesmo carrinho de compras, por um Deus.

Mas correm boatos de que nada disso seja verdade. Principalmente quando aproxima-se o “Lorde das Trevas” – um funcionário que recolhe produtos que perderam o prazo de validade e que serão levados para a eternidade do lixo, sem chances de conhecer a Terra Prometida.

Por que os deuses permitiriam tamanha injustiça? Como podem alimentos serem capturados pelo Lorde das Trevas se todos seguem as orientações e cantam o hino de louvor aos deuses?


Tudo parece estar em ordem quando os protagonistas Frank, a salsicha, e Brenda, o pão, são escolhidos por uma “deusa” e vão felizes para o carrinho de compra. Até que uma mostarda com mel tenta alertar a todos que tudo é uma mentira, o Grande Além não existe e os deuses são monstros. Tenta se matar atirando-se do carrinho provocando um acidente: o carrinho vira e Frank, Brenda e seus amigos perdem-se no supermercado ao tentar o caminho de volta as suas gôndolas.

Uma jornada de descobertas que começa pela sessão das bebidas alcoólicas: cachaças, tequilas e latas de cervejas vivem uma festa que nunca termina. Até conhecerem uma misteriosa aguardente indígena. Eles são os “imortais”, produtos que não têm data de validade.

A partir desse ponto a animação explora inúmeros de temas explicitamente gnósticos que iriam muito além do espaço dessa postagem. Vamos destacar os mais importantes:

(a) Religião: dividir para reinar


Os “imortais” criaram o hino que todos os produtos cantam cada vez que o supermercado abre as portas.  Antes disso, o massacre dos alimentos era explícito. Todos sabiam a verdade e o sofrimento era terrível. Pensando nisso, os imortais criaram uma narrativa (cosmogonia + teologia) sobre o “Grande Além” onde deuses se preocupam com os alimentos e os sonhos se tornariam realidade. Dessa forma, todos vão felizes para a morte.

Mas ao longo dos anos “as coisas ficaram um pouco loucas”: cada sessão de alimentos criou uma interpretação própria da narrativa: os chucrutes alemães importados acham que vão conquistar o Grande Além; os pães sírios encontrarão azeites virgens; as salsichas e pães devem se resguardar até chegar ao Grande Além, e assim por diante. Dessa forma surgiram os alimentos nazistas, islâmicos, católicos etc. Todos divididos, racistas e intolerantes entre si.


As religiões criam divisão e conformismo. E o que é pior: cada uma interpretando de forma errônea uma mitologia fundadora que criou a fusão inicial da realidade com a ilusão. Um tema clássico do Gnosticismo: o cosmos não decaiu: a sua própria criação já foi a Queda e a catástrofe desde o início. Nenhum pecado fez esse mundo decair – o maior pecado foi a própria Criação.

(b) Publicidade e Marketing é a nova religião


Para além das divisões criadas por esse religiões históricas, percebe-se na animação que há uma religião muito mais abrangente: a Publicidade e o marketing de ponto de vendas das gôndolas, estandes, gôndolas e embalagens dos supermercados.

O hino é um típico jingle publicitário. Os alimentos acreditam nas promessas de felicidade nas imagens dos estandes de venda e das suas próprias embalagens. Nelas vemos os “deuses” com seus produtos felizes e em comunhão. A liturgia do consumo esconde a selvageria, o massacre e a carnificina da, digamos assim, dieta dos deuses.

Assim como Truman via a cenografia de Seaheaven no filme Show de Truman e acreditava que tudo era real, da mesma forma os ingênuos alimentos acreditam que o marketing do ponto de vendas é a própria realidade.


(c) Os “deuses” estão mortos


Festa da Salsicha guarda uma grande semelhança temática com Prometheus de Ridley Scott. Se em Prometheus os humanos querem conhecer seus “engenheiros” até descobrirem de forma trágica que os deuses na verdade são cruéis e enlouquecidos (querem destruir os próprios humanos que ajudaram a criar), na animação os pobres alimentos terão a mesma decepção metafísica.

Porém, Festa da Salsicha dá uma interessante colaboração a essa gnóstica desconstrução do Demiurgo. Barry, a salsicha atrofiada e ridicularizada pelas outras do pacote, involuntariamente chega à casa de um dos deuses: um drogado viciado em “sais de banho” injetado.

É uma interessante sequência: chapado, o “deus” tem a visão em quarta dimensão despertada, conseguindo perceber que o seu alimento, a salsicha, tem consciência. E ainda mais, um saco de batas fritas falante. Uma sequência com inesperada “metafísica transdimensional”.
A animação sugere um instigante insight: os demiurgos nos aprisionam nesse cosmos por nos acharem tão insignificantes que nem desconfiam que somos sencientes. Em outras palavras: os deuses seriam tão ignorantes quantos nós em relação à nossa própria condição.


(d) Lei do menor esforço


Por que acreditar em uma narrativa religiosa sobre deuses e Paraísos sem provas ou pistas? Festa da Salsicha dá uma reposta dura e direta: por que é mais fácil para salsichas e pães acreditarem na estória do Grande Além porque é apenas fé – nos torna otimistas e felizes.

A crítica, de outra forma, gera desconforto e esforço em buscar evidências contraditórias. O que apenas remete a à dinâmica energética do psiquismo humano descrito por Freud: a lei do menor esforço - ao invés de acordarmos, sonhamos que estamos acordando, garantindo a o equilíbrio energético do sono.

Por isso, salsichas e humanos acreditam que em toda manhã acordamos para um novo dia, cheios de fé e esperança. Mas continuamos dormindo...


(e) Meta-desconstrução – aviso de spoilers à frente


Depois de alimentos antropomorfizados que descobrem o seu trágico verdadeiro propósito comandado por deuses cruéis, confusos e chapados, a animação vai ainda mais além seguindo a linha criativa de Uma Aventura Lego – não satisfeita, a cachaça indígena revela que há ainda outra dimensão além daquela dos deuses que os consome: na verdade, tudo aquilo não passa de um roteiro, uma produção de animadores cuja garrafa etílica indígena revela os nomes e seus rostos entre as fumaças dos baseados que fumam compulsivamente diante da perplexa salsicha Frank.

Novamente, um insight gnóstico: nosso deus criador acredita ser único, poderoso, onisciente e onipresente. Mas sua Criação está inserido em um drama muito maior – ele é um Demiurgo, um divindade que decaiu da Plenitude.

No caso de Festa da Salsicha, os deuses-consumidores, assim como todos os personagens do drama, são animações de diretores, produtores e desenhistas de um grande estúdio para outros consumidores que assistem à animação.

Mundos dentro de mundos como camadas de uma cebola. É  a própria Cosmologia gnóstica tal como intuía Basilides de Alexandria que descrevia um universo estruturado em 365 “céus” se interpenetrando e cada um criando o próximo.



Ficha Técnica

Título: Festa da Salsicha
Direção: Greg Tiernan, Conrad Vernon
Roteiro: Seth Rogen, Kyle Hunter, Evan Goldberg
Elenco:  Seth Rogen, Salma Hayek, Edward Norton, Michael Cera
Produção: Annapurna Pictures, Columbia Pictures
Distribuição: Sony Pictures
Ano: 2016
País: EUA

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Tautismo fonoaudiológico da Globo quer legitimar capitalismo de desastre

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Depois de entrar em metástase e, a partir das “hardnews” dos telejornais, contaminar o jornalismo esportivo, teledramaturgia e entretenimento, encontramos uma das origens da doença do tautismo (autismo + tautologia) da TV Globo: o método fonoaudiológico responsável há décadas pela fala dos atores, repórteres, radialistas e âncoras da emissora. É o chamado “Método do Espaço Direcional” cujas estratégias vocais reforçam subliminarmente a descrição que a Globo faz de si mesma - a crença de um destino manifesto que na fase metastática atual assume um delirante messianismo religioso: tons de voz graves, ressonância e ritmo da fala cada vez mais lúgubres e patibulares dos âncoras como se a Globo testemunhasse algo que já foi profeticamente gravado a ferro e fogo nas pedras da História desde tempos imemoriais:  “Vejam, já estava escrito!”. Cânone do “Método”, é sintomático que Cid Moreira tenha virado um apóstolo bíblico que decidiu levar o Evangelho “até os últimos dias”. Afinal, esse é o subtexto diário das inflexões de voz dos apresentadores globais que procuram conformar os telespectadores ao atual “capitalismo de desastre” implantado no País.

“O apresentador não pode representar as palavras. Tem de ser parcial e exprimir as ideias da empresa em que trabalha. Esse profissional tem de sentir a palavra na sua forma, mas a essência empregada vem da casa. Por exemplo, a palavra cadeira é dita da mesma forma por todo mundo, mas se ela é confortável ou desconfortável, é a empresa que vai dizer. Em qualquer emissora, os apresentadores são escravos, têm que parecer imparciais e, ao mesmo tempo, ser parciais, de acordo com a vontade da empresa”.
Essas palavras não foram ditas por algum semiólogo ou sociólogo da comunicação esquerdista que pretendia denunciar as manipulações na grande mídia. É a filosofia pragmática, dura e direta por trás do chamado “Método de Espaço Direcional” criado pela fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller - clique aqui.

Ela foi a preparadora da voz de mais de mil atores e atrizes do teatro e televisão. Mas, principalmente, foi a responsável pelo padrão da fala de repórteres, radialistas e âncoras da TV Globo.

Mais além, foi a responsável por aquilo que o publicitário Washington Olivetto, no documentário Brasil: Muito Além do Cidadão Kane (1992), chamou de substituição do português pelo “globês” – uniformizou a fala de repórteres e âncoras das afiliadas da Globo nas mais diferentes regiões do País, anulando sotaques e regionalismos.

Fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller

Em postagens recentes esse humilde blogueiro vem tentando fundamentar a hipótese de que a Globo foi acometida pela metástase do tautismo (autismo + tautologia) – seja por defesa contra as ameaças externas (Internet e dispositivos móveis), seja como efeito do gigantismo e monopólio, a emissora fechou-se ao mundo exterior que existe do outro lado da sua cenografia, passando a interpretar a realidade a partir da descrição que a Globo faz de si mesma.

Destino manifesto


 Em postagem anterior constatamos que essa auto-imagem global fundamenta-se numa espécie de uma secreta crença num destino manifesto de que, se a História existe, é somente para criar acontecimentos para que a Globo possa transmiti-los. Mesmo que essa mesma História a contradiga, como no caso da “inesperada” vitória eleitoral de Donald Trump nos EUA e a resposta tautista da Globo em um processo de negação da realidade – clique aqui.

O tautismo contamina atualmente todos os setores da produção global: começou no telejornalismo das hardnews, para depois se expandir em metástase para a dramaturgia (clique aqui), jornalismo esportivo (clique aqui) e programas de entretenimento (clique aqui).

A dura franqueza profissional da fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller revela o início da relação tautista da Globo com a realidade: apresentadores não podem falar sobre a cadeira como ela é, mas como a empresa sente a cadeira - desconfortável ou não.

A novidade aqui é a descoberta das origens do tautismo na própria estética vocal: ressonância, ritmo, inflexão, velocidade da fala, qualidade vocal etc. O padrão Globo de qualidade vocal parece querer sempre comprovar o destino manifesto pelo qual a Globo se vê.

A estética vocal de apresentadores e locutores sempre parece sugerir o seguinte: “Vejam o que aconteceu, querido telespectador. Assim estava escrito!”.  Como se os apresentadores da emissora apenas confirmassem algum destino há muito gravado com ferro e fogo na pedra da História desde tempos imemoriais.


Retrospectiva tautista


É sintomático que Cid Moreira, a referência vocal da emissora, tenha se tornado um apóstolo bíblico (gravou áudios de leitura da Bíblia para aplicativos de smartphones e vídeos da sua visita a Israel) e anunciou: “Vou levar o evangelho às pessoas até o último dia da minha vida”.

Um exemplo dessa inflexão de voz, por assim dizer, messiânica (o tautismo em delírio metastático) pode ser observada na chamada para a indefectível Retrospectiva 2016, com a voz do ator Milton Gonçalves.

   “Nasci em primeiro de janeiro já sob um ataque de mosquitos e fanáticos religiosos”, inicia a fala em tom de voz grave e impostado, com o acento vocal longo em artigos, principalmente “a” e “o”, no melhor estilo patibular de Cid Moreira.

O ano de 2016 já nasceu sob ataques, dando um tom profético do que aconteceria até o fim – “fim de uma era”, “perto de fim posso ver o fim da minha vida”, com voz como que embargada e vibrante, sempre no tom grave próprio da locução de sentenças, destinos e profecias.

É notório como ao longo do tempo as vozes de apresentadores globais vão se tornando cada vez mais grave, patibular, lúgubre e soturna ao longo do tempo na emissora. Seguindo, claro, o padrão canônico Cid Moreira.


Bonner, Waack e o capitalismo de desastre


William Bonner é um exemplo. Dos tempos de locutor da Rádio USP FM nos anos 1980 até tornar-se a nova voz da emissora no telejornal nacional da Rede Globo, seu tom assume uma progressiva gravidade na medida em que o projeto político da emissora prevê o abismo para o País – estética vocal obrigatória para narrar o projeto do chamado “capitalismo de desastre” (conceito criado pela jornalista canadense Naomi Klein) que hora se impõe ao Brasil como forma de exploração da crise mediante à renúncia forçada de direitos e conquistas trabalhistas e sociais.

William Waack é outro exemplo: dos tempos em que era um assustado correspondente internacional (chegou a ser feito prisioneiro por malvados iraquianos na Guerra do Golfo) até chegar à bancada do Jornal da Globo (local de arregimentação da moral da tropa oposicionista ao longo dos últimos anos), seu tom ficou cada vez mais lúgubre, grave e patibular na medida em que suas olheiras cresciam de tanto olhar de baixo para cima. Como se o tempo inteiro alertasse o incauto telespectador: “eu bem que avisei...”, variação do tautismo messiânico que contamina os jornalistas da casa.

Datena: locução também patibular, mas sem o verniz do "Método"

Outras emissoras tentam imitar o cânone global, porém sem o verniz do “Método”, descambando para o sensacionalismo popularesco de personagens como, por exemplo, José Luiz Datena, na Band: o olhar debaixo para cima entre injetado, esbugalhado e desconfiado com um tom de voz que não consegue chegar à gravidade religiosa global – ainda se perde na voz estridente protofascista do pânico que exige execuções sumárias.

Bonner e o cânone Cid Moreira são a estética mais bem aperfeiçoada do Método de Glorinha Beuttenmüller da narração aparentemente imparcial, cujas estratégias vocais subliminarmente transmitem a resignação próprias do fatalismo e conformismo religiosos diante do desastre que é a “expressão das ideias da empresa” na qual trabalham  – o fatalismo do “assim estava escrito!” sobrepondo-se à simples e superada estética narrativa da “marcha das notícias” dos antigos cinejornais.

Dramaturgia da notícia


Cada vez mais a chamada das emissora estão sendo substituídas por atores, deixando de lado a voz padrão por décadas de Dirceu Rabelo – o que gerou protesto do sindicato dos locutores.

Em si, essa opção já é um sintoma do tautismo em expansão: a narração é substituída por uma espécie de “dramaturgia da notícia”.

Algumas vezes essa liturgia religiosa e messiânica da narração do capitalismo do desastre entra em contradição com a euforia de contentamento dos próprios jornalistas e apresentadores da emissora, felizes por, aparentemente, verem realizadas suas profecias infernais.

Eles riem do quê?

O final de ano de 2016 nas bancadas dos telejornais globais mostraram esse espetáculo constrangedor. Por exemplo, na última edição do ano do Bom Dia (?) Brasil Chico Pinheiro ensaiou passos de mestre sala no estúdio ao lado de uma efusiva Ana Paula Araújo. Enquanto num link ao vivo com o estúdio do SP TV víamos um Rodrigo Bocardi sem paletó e gravata,  contagiante, segurando com a mão o microfone de lapela e declamando cacos de alegria.

Todos rindo do quê, depois da pauta do capitalismo de desastre sempre em profético tom apocalíptico? Parece que o autocontentamento em ao mesmo tempo cumprir “as ideias da empresa em que trabalham” e ver a “realidade” confirmar sua narrações patibulares levaram a uma explosiva e incontida alegria.

Bem, pelo menos eles ainda têm emprego...



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Os 10 filmes mais estranhos de 2016

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Esqueça os filmes oscarizáveis e assista a uma lista de filmes com “estranhas” narrativas: um cadáver flatulento que evita o suicídio de um náufrago, a filha de Deus que hackeia o computador divino para se vingar do Pai, uma mulher grávida de um vírus fetal e dois filmes sobre salsichas sencientes: um sobre homens-salsicha nazis que invadem uma cidadezinha no Canadá para serem enfrentados por protagonistas que utilizam o poder da Yoga; e outro sobre salsichas em um supermercado que questionam a religião que esconde o terrível destino – no “Grande Além” serão comidas pelos próprios deuses que veneram. São os chamados “filmes estranhos” (“weird movies”) que exploram o duplo sentido da palavra “weird”: “destino” e “surreal, estranho”. Muitos deles aproximam-se da noção de “filme gnóstico” pela forma como desconstrói conceitos religiosos, morais e a própria percepção daquilo que chamamos de “realidade”. Para o leitor, uma lista do “Cinegnose” com os 10 melhores Filmes Estranhos de 2016.

O que é um “filme estranho”? A palavra inglesa “weird” (estranho) deriva da palavra germânica “wyrd”, que significa “destino”. Essa palavra encontrou o seu significado atual de “estranho, surreal” através de Shakeapeare com as “Weird Sisters” que prediziam o destino de Macbeth, ao mesmo tempo “weird” (“estranhas”) nos sentido moderno quanto “wyrd” no sentido pagão.

Portanto, “weird movie” é muito mais do que um filme “estranho” no sentido dado em português (do latim “extraneum” – o que é de fora, estrangeiro), mas a combinação das ideias do maravilhoso e do fantástico com aquilo que é excêntrico, estranho ou incomum.

Dessa maneira, esse conceito aproxima-se do “gnostic movie” ou filme gnóstico: narrativas cinematográficas onde mostram protagonistas em situações onde a familiaridade usual se reverte em algo não-familiar, “estranho”, acontecimentos que fazem a realidade repentinamente foge à conformidade cotidiana.



1. Swiss Army Man

Mais uma empreitada de Daniel Radcliffe na cruzada pessoal de tentar se libertar da imagem de Harry Potter. Dessa vez, como um cadáver flatulento que se transforma na melhor companhia de um náufrago deprimido que tenta o suicídio em uma ilha deserta.

 Algo como a bola Wilson no filme O Náufrago, mas que se transforma em ferramenta de mil e uma utilidades, como uma espécie de canivete suíço: vira um jet ski, vomita água fresca, torna-se uma arma que cospe objeto a alta velocidade, um machado etc.

Mas, principalmente, participa de conversas existenciais sobre o significado da vida, do amor e do ser humano. E através das habilidades de “Manny” (é o nome que o protagonista Hank dá ao cadáver) reencenam os principais momentos de um homem em prolongados exercícios de improvisação ao ar livre.

Houve relatos de vaias e abandono em massa de espectadores no meio da projeção do filme no Sundance Film Festival. Mas Swiss Army Mané um filme para odiar ou amar. Uma viagem acelerada sobre aquilo que certa vez Woody Allen disse ser as experiências mais importantes da existência humana: nascimento, sexo e a morte.



2. Yoga Hosers

Em tom fortemente irônico, duas garotas trabalham em uma loja de conveniência em uma cidadezinha no Canadá que passa a ser assolada por pequenos nazistas em forma de salsicha (“bratzis”) que matam as pessoas de uma forma bizarra, invadindo os corpos pelo ânus. As garotas utilizarão os poderes da Yoga para acabar com o inimigo.

As garotas são típicas adolescentes que não largam o smartphone e a qualquer momento postam o que fazem no Instagram (ou “Instacam”, a versão canadense do aplicativo), criando engraçados momentos de metalinguagem.

Canadenses e nazistas. Nada mais estrangeiros e estranhos para um norte-americano médio. Não é à toa que durante o pânico em Nova York provocado pela transmissão radiofônica do Guerra dos Mundos em 1938, muitos acreditavam que a invasão “marciana” era, na verdade, ou de canadenses ou de nazistas.





3. Festa da Salsicha


Mais salsichas sencientes. Alimentos antropomorfizados em gôndolas de um supermercado estão imersos em uma religião na qual acreditam que serão escolhidos por “deuses” (os clientes do supermercado) e levados para o “Grande Além”. Lá viverão na paz e amor, em comunhão com os “deuses”. Mas a religião esconde um destino cruel: os deuses são monstros insaciáveis que comem alimentos para ficarem fortes.

Pães que serão preenchidos por salsichas (com toda a simbologia erótica) são os protagonistas dessa animação politicamente incorreta, mas repleta de alusões mitológicas, religiosas e políticas: a religião como tática maquiavélica de dividir para reinar; supermercados como as novas catedrais da nova religião contemporânea (Publicidade e Marketing); a decepção humana com os deuses – a descoberta de que os deuses são intolerantes e patéticos, assim como o ser humano; a desconstrução gnóstica da noção de realidade etc.

Filme já analisado pelo Cinegnose, clique aqui.



4. The Neon Demon


Uma jovem chega ao mundo da Moda e Estilismo de Los Angeles aspirando o sucesso e a fama. Até aí nada demais: quantos filmes já narraram história de como o mundo da Moda tritura a inocência e juventude de modelos.

Mas The Neon Demon reconta esse argumento sobre o mundo da alta moda com inflexão do Gnosticismo e do horror: uma aspirante a modelo penetra num fechado círculo relacionado com o ocultismo que lembra algo em torno de Aleister Crowley ou o satanismo de Charles Manson. Rostos robóticos e sorrisos frios porque a vitalidade é roubada dos mais jovens através da fotografia e desfiles.

Um mundo onde o neon e a maquiagem criam a aparência de glamour e brilho para esconder o roubo do élan vital humano para por em funcionamento uma prisão que confina a todos. Acreditamos ter nossas vidas e carreiras em nossas mãos, mas não percebemos um jogo maior ao nosso redor.

Filme já analisado pelo Cinegnoseclique aqui. 





5. The Greasy Strangler


O filme gira em torno de um pai e um filho envolvidos em um estranho triângulo amoroso. O Pai é um velho repulsivo e o filho faz uma disco tour por Los Angeles. O pai é obcecado por gordura e secretamente é um assassino chamado de “o estrangulador gorduroso” – o assassino literalmente se lambuza de gordura antes de matar as pessoas. Quando o filho se apaixona por uma gentil mulher, o pai tem o impulso de torna-la sua próxima vítima.

A comédia é grotesca, desagradável e totalmente amoral – rompe com os parâmetros clichê hollywoodianos que o Cinegnose chama de “quebra-da-ordem-e-retorno-a-ordem”. Mesmo para aqueles que têm uma atração pelo estranho no cinema, é um filme difícil de ser acompanhado muita nudez, sexo desconfortável e o pesadelo “gore”.

Uma prova das estranhas possibilidades do cinema dobrar a realidade – uma vítima com nariz de porco, uma grotesca genitália protética e uma estranha pronuncia quando se fala a palavra “batata”. Um filme só para cinéfilos aventureiros.



6. The Lobster


Tudo se passa em um futuro próximo distópico em uma sociedade onde viver sozinho é considerado um crime – todos devem carregar documentos que comprovem seu estado civil de casado.

Seja hetero ou homossexual, ninguém pode viver sozinho. Aqueles “ilegais” (seja porque se divorciaram ou, simplesmente, não encontraram ninguém) são remanejados para uma espécie de resort-fortaleza: um mix de hotel e campo de concentração onde para cada um dos internos é dado 45 dias para encontrar sua “alma gêmea”. Aqueles que  permanecerem solitários serão levados para a Sala de Transformação, onde serão transformados no animal da sua preferencia e serão devolvidos à Natureza. Viverão soltos na floresta ao redor, numa estranha bioversidade – camelos, lhamas, elefantes, leões etc. convivendo na mesma floresta.

Como podem existir sistemas totalitários que exploram o amor, o narcisismo e a solidão para fins de controle social e submissão. Até que ponto redes sociais e sites e aplicativos de encontros amorosos são o início de uma nova ordem totalitária?

Filme já analisado pelo Cinegnoseclique aqui.



7. Antibirth


Filme que se enquadra em um verdadeiro subgênero fílmico: protagonistas tomadas por assustadora gravidez que pode trazer a semente do Mal. Gênero iniciado por clássicos como Bebê de Rosemary (1968), It’s Alive (1974) e Demon Seed (1977).

Mas Antibirth utiliza-se desse imaginário do terror para discutir aspectos mais simbólicos e existenciais – como na atualidade a gravidez transformou-se na própria alienação da sexualidade e de nós mesmos.

Um estranho filme noir-psicodélico no qual pessoas alienadas de seus próprios desejos são os candidatos perfeitos para um estranho experimento que envolve alguma agência governamental.

A protagonista Lou nos causa repulsa – repete neuroticamente o seu drama pessoal de abandono na infância afundando-se em drogas e álcool na gravidez. Mas também cria, de certa forma, empatia: a maneira como Lou nega a gravidez aproxima-se da forma atual como queremos experimentar a sexualidade sem compromissos ou “acidentes” como a gravidez. Fugimos do futuro e de nós mesmos.

O Cinegnose também já analisou esse filme – clique aqui.



8. High-Rise


Adaptação do livro distópico de J.G. Ballard de 1975. O filme se passa em uma torre de condomínio gigantesca (Torre Elysium) onde há inclusive escola e supermercado. Criado por um arquiteto megalômano (Jeremy Irons) que, a exemplo do criador de replicantes em Blade Runner, prefere morar na cobertura.

Os habitantes do arranha-céu se dividem em classes-sociais de acordo com a altura do andar. Tudo foi desenhado para se isolar do mundo exterior. Conflitos entre vizinhos e falhas tecnológicas começam a criar uma escalada de violência e a quebra de uma ordem onde “a classe média é um luxo que o capitalismo não pode seguir permitindo”, como escreveu Ballard em seu livro.

A principal atividade dos moradores é frequentar o supermercado interno. O hedonismo, niilismo e violência toma conta da vida dos moradores, ao ponto de uma criança responder a um documentarista que está em busca do arquiteto do edifício: “o arquiteto está no céu, mas o céu não existe!”.

Filme analisado pelo Cinegnoseclique aqui.




9. Der Bunker


Quando se trata de histórias fora do comum, entre o absurdo e o bizarro, diretores gregos atuais estão entre os melhores. Basta lembrarmos do esquisito Dentes Caninos (2009 – clique aqui) de Yorgos Lanthimos ou Miss Violence (2013) de Alexander Avranas. Histórias sobre famílias onde, para manter a inocência dos filhos em um mundo corrompido, o pai cria uma prisão domiciliar, mantendo-os isolados do mundo.

Der Bunker, do grego naturalizado alemão Nikias Chryssos, junta-se a esse tema bizarro: um jovem estudante aluga uma casa em um lugar remoto para trabalhar suas pesquisas. Lá conhece uma família que é regido pelas ordens de uma estranha força. Pai e mãe cuidam do filho, Klauss, com seus 30 anos que veste-se com penteado e roupas infantis.

Para o leitor ter uma ideia, ainda o filho é amamentado pela mãe... O jovem estudante torna-se tutor de Klauss, observado com cada vez mais naturalidade toda a bizarrice. Elementos sobrenaturais permeiam a narrativa que é levada muito mais para o humor negro.



10. O Novíssimo Testamento


Deus (Benoît Poelvoorde) ainda está vivo, mora em algum lugar em Bruxelas e é um senhor rabugento e malvado com uma filha de 10 anos de idade. Cansada da natureza abusiva do pai, a menina invade o computador dele e envia para todos os habitantes do planeta via SMS as datas de suas respectivas mortes, ação que gera consequências inimagináveis.

O problema é que sua filha quer ser melhor sucedida do que foi seu irmão, Jesus – libertar a humanidade do seu Pai, um demiurgo alcoólatra e cruel, através do Novíssimo Testamento.

Uma comédia de humor negro blasfema, herética, mas, principalmente, gnóstica.

Filme analisado pelo Cinegnoseclique aqui.



Em "Don't Blink" podemos ser apagados como fotogramas em um filme

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À primeira vista, “Don’t Blink” (2014) é mais um filme sobre um grupo de jovens que se hospeda em uma cabana em algum lugar remoto para serem punidos por seus vícios e pecados, por algum serial killer. Mas estamos no terreno do horror independente e nada é o que parece: sem explicações um a um começa a desaparecer assim que o grupo tem a atenção desviada ou simplesmente fecha os olhos. Mais um filme inspirado no misterioso desaparecimento, sem deixar qualquer rastro, de uma colônia inteira no início da colonização dos EUA em 1587. Filmes como “O Mistério da Rua 7” e adaptações de Stephen King como “A Tempestade do Século” e “A Fenda no Tempo” (“The Langoliers”) também exploraram esse misterioso acontecimento, cada um com sua própria interpretação. “Don’t Blink” discute as consequências morais (o que você faria, sabendo que desapareceria nas próximas horas?) e deixa uma série de pistas narrativas para o espectador montar sua própria explicação. De uma hora para outra poderíamos ser arbitrariamente apagados como se a realidade fosse um conjunto de fotogramas, assim como o cinema? Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

Um incidente histórico marcou o início da colonização norte-americana: o misterioso desaparecimento de 113 colonos na ilha de Roanoke (hoje parte da Carolina do Norte) em 1587. Nenhuma pista sobre o paradeiro dos colonos foi encontrada, a não ser a inscrição “Croatoan” em uma árvore. Segundo as lendas, a inscrição “Croatan” seria a designação de uma entidade demoníaca indígena.

Stephen King se inspirou nesse histórico episódio para escrever o livro “A Tempestade do Século” (foi feita uma adaptação cinematográfica em 1999) no qual ficcionalmente sugere que todos os colonos foram levados por um demônio como forma de castigo pelos pecados. 

Em 2007, o filme O Mistério da Rua 7  reatualizou essa antiga lenda – quando a noite cai (e as noites vão ficando cada vez mais longas) pessoas desaparecem em meio a vozes e vultos na escuridão. Seres de origem desconhecida esperam que as luzes apaguem para levar as vítimas. Um típico filme de terror com sustos, mortes e entidades sombrias explícitas, espreitando as próximas vítimas - sobre o filme clique aqui.

Don’t Blinké mais uma narrativa inspirada no insólito desaparecimento dos colonos de 1587. Mas, dessa vez, com o tom do horror metafísico ao melhor estilo da antiga série Além da Imaginação, sem vilões identificáveis, entidades, serial killers ou explicações plausíveis. Isso, o espectador terá que buscar nas poucas pistas aqui e ali no filme.


Horror metafísico


Em primeiro lugar, Don’t Blinké uma didática oportunidade para diferenciar o terror e o horror no cinema. Enquanto no terror tudo é feito para arrancar sustos (medo = sustos), no horror é mobilizado aquilo que Freud chamava de uncanny (o “estranho”) – a possibilidade de a qualquer momento sermos “apagados” da face da Terra, sem qualquer razão plausível. Pior que a morte, ódio ou vingança de alguma entidade (Jasons, Fred Krugers etc.) é o desaparecimento, a banalidade e a indiferença.

E o horror metafísico – aquilo que contraria a Natureza por acontecimentos banais – o desaparecimento.

E segundo, o filme revela o característico sabor gnóstico da desconstrução do próprio tecido da realidade, tal como em outros filmes de horror indiecomo O Segredo da Cabana (2011 – clique aqui e Resolution(2012 – clique aqui). Como veremos, Don’t Blink sugere uma instigante analogia entre frames ou fotogramas do cinema e audiovisual como a própria natureza da realidade: entre um fotograma e outro (no cinema, 24 por segundo) podemos ser arbitrariamente apagados.

E novamente Stephen King: em certos aspectos, Don’t Blink lembra o mesmo argumento do livro/minissérie Fenda no Tempo (The Langoliers, 1995) – um voo noturno que acaba preso em um lugar interdimensional entre um segundo e outro do tempo.


O Filme


O filme inicia quando acompanhamos dez jovens divididos em quatro carros dirigindo-se pela estrada na direção de uma remota cabana-resort nas montanhas. Pelo conteúdo das conversas, brincadeira e tipos, parece que estamos diante de mais um filme de horror em cabana na floresta com os típicos personagens estereotipados – o “garanhão”, a “piranha”, a “nerd”, o tímido, o “chapado”, e assim por diante.

O grupo acaba chegando, quase sem gasolina, ao local que está estranhamente deserto. Lá encontram as mesas com pratos postos, comida servida, os quartos como se estivessem recém-ocupados e banheiras com o banho preparado. Para onde foi todo mundo? Por algum motivo, parece que todos tiveram que sair às pressas.

O espectador habitual começa então esperar por alguma força malévola, algum serial killer à espreita. Principalmente, quando o grupo comete o erro clássico dos filmes de terror: “vamos nos dividir em grupos e depois nos encontrarmos...”. É a senha para o início do derramamento de sangue.


Mas nada disso acontece. Cada grupo encontrará anomalias na região como a ausência de pássaros e insetos, o lago congelado fora da época, a temperatura que começa rapidamente a baixar. Estamos agora nos elementos dos atuais filmes de horror indie que pagam elevado tributo à série Além da Imaginação.

De repente, cada um começa simplesmente a desaparecer em um piscar de olhos: basta desviar a atenção ou virar o rosto para que a pessoa ao seu lado desapareça em pleno ar. Há alguma força invisível e inteligente naquele lugar.

O ritmo do filme é lento e os dois primeiros atos são usados para desenvolver os personagens e introduzir os espectadores ao mistério. Há pouca tensão, concentrando-se a narrativa na criação do ambiente misterioso e claustrofóbico.

Hedonismo


Don’t Blink faz uma curiosa inversão em relação aos tradicionais filmes de terror nos quais os jovens são punidos com a morte  pela atitude hedonista em relação a vícios, sexo e traição. O filme propõe também o tema do hedonismo: que responsabilidade você teria com o seu próximo sabendo que simplesmente desaparecerá nas próximas horas? Ao contrário, os jovens tentam evitar isso em busca de uma explicação plausível para tudo o que ocorre. Em Don’t Blink não há o elemento punitivo e moralista dos filmes de terror. Há apenas o desafio em descobrir a identidade da força invisível e o seu propósito.

  A certa altura acabam encontrando um sobrevivente da rodada anterior de desaparecimentos – primeira pista para o espectador: parece que essa entidade inteligente sempre deixa um sobrevivente para atrair mais pessoas ao local. Porém, o sobrevivente está tão perdido quanto eles, sem pistas ou evidências.

De certa forma, o filme parece também se inspirar em uma ansiedade da primeira infância: o medo de que os pais, os brinquedos ou o mundo desparecerem enquanto a criança esteja com os olhos fechados ou dormindo. Por que “todos nós seremos a qualquer momento apagados”, como nos diz uma linha de diálogo do filme.

Por isso, a única forma de sobreviver é não piscar os olhos e cada um ficar olhando para o outro, até que possam encontrar um jeito de escapar dali.


Cinema e a realidade quântica


Como a maioria da atual safra de filmes indie de horror, há um latente tema metalinguístico em Don’t Blink: os personagens podem desaparecer de um segundo para outro se o espectador piscar os olhos, assim como a passagem dos 24 fotogramas por segundo criam a ilusão de movimento cinematográfico – alguém que estava em um fotograma poderá não estar no próximo.

No início do século XX o francês Georges Méliès descobriu a trucagem no cinema com a técnica de parada e substituição – a câmera era parada, o objeto era substituído e depois o dispositivo reiniciado. Numa passo de mágicas homens viravam mulheres, prédios desapareciam e pessoas surgiam do nada. A sucessão de fotogramas fragmentados criava ilusões ao transformar espaço em movimento.

Porém, realidade e cinema ainda eram bem distintos -  o real é contínuo e análogo; o cinema e audiovisual são fragmentados em fotogramas e frames. Por isso, é o reino da trucagem, efeitos especiais e da ilusão.

Mas, e se essa diferença desaparecer? Principalmente depois da mecânica quântica ter comprovado que a realidade não é assim tão analógica, aproximando-se bastante da ilusão fragmentada do dispositivo cinematográfico: no mundo das partículas subatômicas confrontamo-nos com paradoxos como pedaços de quantum binários tipo sim/não, ondas pixeladas.

No mundo das micropartículas encontramos quantum ou “pacotes” de energia, e nada é tão fluido e contínuo como percebemos a realidade no nível macro.

Isso abriu a possibilidade da hipótese dos Muitos Mundos na Física Quântica (clique aqui) ou nas teorias de que o Universo é uma gigantesca simulação de computador (clique aqui).


Desconstrução da realidade? – alerta de spoilers à frente


O vislumbre dessa descontinuidade subatômica abre a possibilidade de descontinuidades em níveis macro espaço-tempo e que vem inspirando a literatura e cinematografia sci fi recente – como por exemplo Fenda no Tempode Stephen King, onde um avião inteiro está preso entre um segundo e outro no tempo. Desapareceu do fluxo temporal, mas está em alguma lacuna espacial.

Essa é a mesma matriz na qual se inspira Don’t Blink. O filme termina de forma aberta e, para muitos críticos e espectadores, decepcionante por não apresentar nenhuma explicação, lógica ou sobrenatural, sobre os 90 minutos de mistérios. Mas o leitor observará algumas pistas que apontam para algum tipo de experiência (governamental?) que fugiu ao controle. Algum tipo de experiência de desconstrução do tecido espaço/tempo que chamamos por realidade.

Na sequência final, a única sobrevivente (Claire) vê chegarem ambulâncias, bombeiros e policiais chegarem, além do indefectível carro negro de onde saem homens em ternos pretos e óculos escuros. Suas atitudes parecem demonstrar que sabem o que está acontecendo. Agentes do governo?

Claire os adverte: “não pisque!”. “Eu nunca pisco”, reponde ironicamente o homem de preto numa alusão de que não só sabem o que está ocorrendo como estão envolvidos em tudo.

Don’t Blink termina com um sombrio questionamento ético e moral: se todos vamos desaparecer, junto com tudo o que fizemos, nada importa?



Ficha Técnica

Título: Don’t Blink
Direção: Travis Oates
Roteiro: Travis Oates
Elenco:  Zack Ward, Mena Suvari, Brian Austin Green, Joanne Kelly
Produção: EchoWolf Productions, Engine Film Group
Distribuição: Vertical Entertainment
Ano: 2014
País: EUA

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Curta da Semana: "Reset" - nada é o que parece

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No curta sueco “Reset” (2013) nada é o que parece. Uma amorosa mãe lê rotineiramente para a filha cartas de um pai ausente que promete retornar em breve ao lar. Uma fazenda remota e isolada do resto do mundo guarda um mistério que, para ser resolvido, dependerá que a menina compreenda o sentido de estranhos códigos numéricos. Um surpreendente drama alusivo às mitologias gnósticas sintetizado em 16 minutos – a mitologia do retorno de Sophia à Plenitude, a função consoladora e ilusória das religiões para nos manter esperançosos dentro de uma prisão e a diversidade de mundos simulados.

São poucas produções cinematográficas do continente europeu que se enveredam na mitologia gnóstica. Suas produções privilegiam temas que o Cinegnosedenomina como “o humano, demasiado humano” – narrativas que discute as mazelas da natureza humana e impasses éticos e morais. Mesmo as discussões metafísicas e ontológicas se subordinam a esse paradigma.

Mas o curta sueco Reset (2013) da dupla Marcus Kryler e Frederik Akerström (profissionais egressos do mercado de vídeos publicitários) é um ponto fora da curva. Uma potente mistura de suspense com jogo mental típico de narrativas gnósticas – desde o primeiro segundo, nada é o que parece.

A estória do curta passa numa fazenda remota, aparentemente isolada do resto do mundo. O mobiliário anacrônico e as roupas sugerem algo do século XIX ou de algum lugar atual que parou no tempo. Seus dois personagens, a mãe e filha, repetem uma rotina espartana: a mãe lê sempre para a filha as cartas que o pai ausente envia. Nas cartas, o pai sempre se desculpa, reafirma seu amor pela filha e promete voltar em breve.

As cartas são sempre colocadas em uma pequena caixa no alto de um armário. Quando a mãe sai do quarto, a filha percebe que a ela deixou para trás a chave caída no chão. Curiosa, a menina pega a chave e abre a caixa das cartas regularmente enviadas pelo pai. Para descobrir que nada é o que parece. A natureza do mistério e suas ramificações serão difíceis de ser previstas.

Assista primeiro ao curta (legendas em inglês) para continuar a ler essa postagem – alerta de spoilers à frente.


A introdução do curta é lenta e deliberada – a rotina, a segurança, o amor materno e o mobiliário antigo passam uma sensação de estabilidade e de realidade palpável.

Porém tudo isso se vai em um só golpe quando a menina descobre que as cartas não têm aqueles textos lidos rotineiramente pela mãe. Aparecem apenas sequências numéricas, como fossem códigos para serem inseridos em algum dispositivo desconhecido.

O nome da menina é o primeiro elemento gnóstico do curta: Sophie – “Sophia”, alusão ao aeon que na mitologia gnóstica é a responsável em manter acesa a Luz espiritual humana na esperança de desencadear a gnose, libertando a humanidade da prisão cósmica do universo físico. O retorno à Plenitude, perdida na Queda em tempos imemoriais.

  Assim como o homem, Sophia também decaiu e ficou sob o jugo do Demiurgo, mas conseguiu ascender de volta à Plenitude. Mas deixou para a humanidade as pistas para esse caminho de retorno.

A saudade de Sophie pelo pai no curta é a própria saudade incontrolável que Sophia sentiu ao decair no mundo físico. Nas muitas interpretações das escolas gnósticas sobre o mito de Sophia, a vinda do aeon Cristo teria ocorrido para trazer Sophia de volta à totalidade da Plenitude. Mais tarde, Cristo voltaria à Terra para, dessa vez, infundir no homem a gnose necessária para a libertação a partir da fagulha de Luz deixada por Sophia no interior de cada ser humano.

Para o Gnosticismo, esse é o drama central do Universo.


O código e as religiões


Reset gira em torno do código que poderá reiniciar todo o sistema permitindo que o pai (um aeon?) retorne à casa mais uma vez para libertar Sophie (Sophia) do jugo de um Arconte – a própria “mãe”. Percebe-se no curta que a “mãe” nada mais é do que um assecla programado para manter a rotina naquela realidade fake e cenográfica – temos aqui ecos dos clássicos Show de Truman e Matrix.

As cartas lidas pela mãe possuem um evidente papel de consolação, para manter Sophie sempre esperançosa e, ao mesmo tempo, prisioneira – consolada, Sophie cai no sono do esquecimento.

Lembra a crítica que os gnósticos fazem às religiões: sempre falam em nome do Pai, porém com a missão sombria de apenas consolar e esconder um drama trágico que envolve todos.

E o final é emblemático: vemos que aquela fazenda não é única. Há uma diversidade de mundos simulados. O que lembra a cosmologia do filósofo gnóstico Basilides (século II da Era Cristã) na qual o Universo seria composto por 365 “céus”, cada um ignorante sobre a existência dos demais. Mas cada um contando com a diligente vigilância de um arconte (ou uma “mãe”, no caso do curta) para manter uma Sophie prisioneira.



O código finalmente abre espaços existentes entre os “céus” para que pai e filha possam escapar.

Reseté mais um argumento em defesa da hipótese de pesquisadores sobre o Gnosticismo no cinema como Erik Wilson e Miguel Conner, além desse humilde blogueiro: nos anos recentes diretores e roteiristas descobriram na mitologia gnóstica um forte appeal de “drama” – parece que as narrativas gnósticas são space operas perfeitas para se encaixarem na produção audiovisual contemporânea.


São narrativas repletas de estoicismo, drama, mistérios e, o principal, o impulso humano pela busca da liberdade mesmo quando imerso na ilusão.

David Bowie: a morte mais bem encenada do rock

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David Bowie fez parte de uma elite para a qual o futuro não existe: na verdade ele é feito como “Psico-História” – o futuro é vendido como “previsão” ou antecipação de “cenários futuros” (por isso Bowie era chamado de “camaleão”, como um artista que estaria sempre “à frente do seu tempo”), mas já foi decidido e escrito no presente por uma elite de artistas e empresários como Tony DeFries, Brian Eno ou Robert Fripp . Certa vez John Lennon chamou essa elite de “artesãos” que, segundo ele em entrevistas, estiveram por trás dos Beatles. Lennon os confrontou e, dizem, pagou com a própria vida. Já o gnóstico pop David Bowie decidiu partir para uma estratégia irônica: combater a simulação com a própria simulação – decidiu encenar a própria morte como uma suposta profecia contida de forma cifrada na letras e vídeos do álbum “Blackstar”. Um timing tão irônico que dois dias antes do aniversário da sua morte, é lançado o vídeo póstumo “No Plan” no qual Bowie parece relatar suas experiências pós-morte. Encenação suficiente para criar o “hoax” de que David Bowie ainda está vivo...

O gnóstico pop David Bowie fez parte de um seleto grupo de seres humanos cujas ações e processos criativos nos fazem questionar a existência do futuro como um espaço distante no tempo, à frente do presente. Para esse seleto grupo, o futuro não existe e nem é previsto: é feito aqui e agora no presente. Para depois venderem suas “previsões” como antecipações de “cenários futuros”.

Alguns mais íntimos dessa elite vendem essas “profecias” e se tornam ricos como “futurólogos” de grandes empresas de análises de cenários futuros. O futuro não existe: na verdade já foi feito por uma elite artístico, cultural, tecnocientífica e política. É a Psico-História, conceito central na série “Fundações” do escritor Isaac Asimov.

Bowie parecia que sempre estava um passo à frente no mundo pop. A turnê Ziggy Stardust (1972-73) era glitter, glam e protopunk antes de tudo isso explodir nos anos seguintes. Quando o punk atingia o auge, Bowie já estava no pós-punk e New Wave na chamada “trilogia de Berlim – álbuns Low, Heroes e Lodger. Nos anos 1990, antes da explosão do cenário da música eletrônica, Bowie já estava no drum and bass e jungle.

Bowie tinha consciência que no momento-chave da sua carreira (a turnê Ziggy Stardust, que tirou Bowie do anonimato depois de uma carreira de quase dez anos sem decolar) tinha feito parte de uma “conspiração” que, para muitos, preferem essa palavra sem as aspas: através de uma figura chamada Tony DeFries, Bowie teria se conectado com o famigerado Instituto Tavistock de Relações Humanas de Londres – famoso por supostamente empreender experimentos de controle social em larga escala como também vender cenários futuros para grandes corporações – sobre isso clique aqui. 


Se John Lennon em entrevistas falava em “artesãos” por trás dos Beatles (sugerindo algum tipo de engenharia social por trás da cultura pop – clique aqui), Bowie começou a falar sobre “malevolências paranormais” por trás da cultura pop e, mais especificamente, por trás da persona de Ziggy Stardust que o lançou para a história do rock. A partir daí, ficou obcecado em autodefesa psíquica e se aprofundou em livros gnósticos e ocultistas – formou uma biblioteca que arrastava nas suas turnês.

Newton e a Psico-História


No filme que estrelou, O Homem Que Caiu na Terra (The Man Who Fell To Earth, 1976) interpretou um alien chamado Newton que torna-se milionário e dono de uma corporação tecnocientífica com suas patentes. O filme sugeria outra tese da Psico-História: a História e o futuro já foram escritos e todas as descobertas científicas já foram feitas. Agora, são “desovadas” aos poucos de acordo com as necessidades estratégicas, mercadológicas e políticas, sob a aparência da “evolução tecnocientífica” – sobre isso clique aqui.

Depois disso, suas músicas ficaram repletas de avisos cifrados de ter inadvertidamente aberto algum tipo de caixa de pandora: “Não olhe em seu tapete/ eu tirei algo de terrível dele, veja”- Breaking Glass; ou “Ela abriu estranhas portas que nunca mais se fecharam”- Scary Monsters.

A alusão ao personagem Newton mais uma vez aparece, dessa vez no enigmático vídeo póstumo “No Plan”, liberado um dia antes do que seria o aniversário de 70 anos de Bowie. No vídeo vemos um rol de antigos aparelhos de TV em uma vitrina úmida por gotas de chuva. A loja é a Newton Electrical, onde transeuntes param e olham mesmerizados às imagens dos monitores que mostram flashes de viagens espaciais, um dos temas favoritos de Bowie.

Mais uma mensagem cifrada sobre uma elite capaz de hipnotizar pessoas comuns com imagens de supostos acontecimentos que já há muito foram concebidos?


O modus operandi de Bowie


O fato é que o modus operandi de David Bowie (fazer o próprio futuro que supostamente “previu”) aprendido com a sua convivência com os “artesãos” transformou a própria morte em uma peça artística de encenação e simulação. Fala-se que a vida imita a arte, mas Bowie foi além: a morte imitou a arte. Como bom gnóstico, Bowie sabia que uma simulação só pode ser combatida com outra simulação. No vídeo “No Plan” é como se Bowie, do pós-túmulo, tivesse tentando se comunicar com os fãs sobre suas impressões do outro lado.

Dezoito meses antes da morte, Bowie tinha sido diagnosticado com câncer e escondeu isso para o mundo. Apenas um punhado de pessoas sabia da doença em estágio fatal. O lançamento do último álbum Blackstar um dia antes do aniversário de 69 anos e a sua morte apenas dois dias depois quis encenar um estranho sincronismo, como se Bowie tivesse previsto o próprio futuro.

Durante as sessões de gravação do derradeiro álbum, o produtor de longa data Tony Visconti percebeu nas letras das canções um evidente tom de despedida. Tony o inquiriu sobre que tipo de despedida era essa. Bowie limitou-se a olhar para ele rindo dando uma piscada cínica.

As letras de “Lazarus”, uma das primeiras faixas lançadas, parecem ser o próprio réquiem de Bowie. "Olhe aqui, estou no Céu! Eu tenho cicatrizes que não podem ser vistas ...”. E termina com as palavras: " Desta ou de nenhuma maneira / Você sabe que eu vou ser livre / Assim como aquele pássaro azul / Agora não é assim como eu? Vou ser livre.

O vídeo começa com Bowie deitado em uma cama de hospital, e termina com ele desaparecendo em um guarda-roupa. Outras canções falam de túmulos e raios-x. Vídeos apresentam um tema o crânio como tema recorrente e a faixa-título, “Blackstar”, tem a letra: "Algo aconteceu no dia em que ele morreu, o espírito subiu um metro e o deixou de lado".

A capa do álbum, uma estrela preta em um fundo branco, é o único dos 27 álbuns de estúdio de Bowie que não apresentar uma foto dele.


Ilusões cármicas


Sua morte foi preparada com meses de antecedência. Isso não foi uma novidade. Nos anos 1990 Timothy Leary, neurocientista e ativista (também conhecido como o “guru do LSD”), escreveu um livro como um diário do seu leito de morte e o pioneiro a registrar, em tempo real com uma webcam em frente a sua cama, os seus últimos meses de vida. Transformou a própria morte em reality show em um processou que durou quatro meses.

No caso de David Bowie, a novidade foi que ele encenou uma profecia, como se as canções e vídeos previssem o futuro.

No vídeo “pós-túmulo” “No Plan”, Bowie chegou ao detalhismo e precisão quando a letra descreve o primeiro estágio espiritual após a morte física, segundo o Livro Tibetano dos Mortos– “No Plan” descreve o “Planos das Ilusões Cármicas” no qual o espírito projeta em uma espécie de tela mental o conteúdo da própria mente: momentos da infância, amigos, desejos. O momento no qual o espírito cria um mundo próprio, podendo torna-se nele prisioneiro por meio da fascinação.


“Onde quer que eu vá/Apenas onde/Apenas lá/Eu estou/Todas as coisas são minha vida/Meus desejos/Minhas crenças/Meus humores/Aqui é um lugar sem um plano”, diz os versos de “No Plan”.

Bowie passou toda a carreira fazendo parte de uma “conspiração” em Psico-História: sob a aparência de “camaleão” ou “profeta” por aparentemente sempre antecipar tendências, na verdade ele fez parte de uma elite que fazia o futuro – ao lado de outras “eminências pardas” que nos bastidores sempre fizeram o futuro “previsto” acontecer: Tony DeFries (por trás do nascimento de Madonna, na ressurreição de Steve Wonder, na morte dos Beatles e no renascimento de Iggy Pop), o músico Brian Eno (em certa época fez parte da rede de membros da empresa de futurologia Global Business Network – GBN) e o guitarrista Robert Fripp (guitarra da música “Heroes”), também ex-membro da rede GBN.

Como se na encenação deliberada da própria morte, Bowie quisesse denunciar: “Vejam, o futuro não existe!” Sempre haverá “artesãos” para fabricá-lo enquanto vendem as próprias “previsões” mercadológicas, econômicas e políticas como fossem “cenários futuros”.

Bowie quis mostrar que todos nós somos aquelas pessoas comuns hipnotizadas diante daqueles monitores de TV em uma noite fria e garoenta.


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