Quantcast
Channel: Cinema Secreto: Cinegnose
Viewing all 2058 articles
Browse latest View live

Pequeno manual de guerrilha antimídia (2): pegadinhas e trolagens

$
0
0

O jornalista Pedro Bial rugindo de quatro no chão, junto com outros “pacientes” numa sessão de terapia de um “famoso psicólogo” que depois revelou-se falso – um artista plástico norte-americano especialista em “pegadinhas” para desmoralizar a mídia; links ao vivo da TV Globo sendo invadidos por ativistas gritando “ Fora Temer!” ou “Globo golpista!”; falsas mobilizações convocadas na Internet para enganar jornalistas em Portugal. Estamos no campo das guerrilhas antimídia, guerra semiótica de contra-comunicação através de táticas como “ media prank” (“pegadinhas”) ou “cultural jamming” (“trolagens”). Depois que o atual sistema político-partidário for implodido pelo complexo jurídico-midiático (ministérios públicos+Judiciário+Globo) restará às esquerdas não apenas as ruas, mas a oportunidade de sistematizar guerrilhas semióticas contra o ponto fraco da nova hegemonia: a grande mídia.


Como de costume, o historiador e comentarista da rádio Jovem Pan Marco Antonio Villa abriu a agenda que o prefeito de São Paulo Fernando Haddad disponibiliza na rede. E como de hábito, gritou escandalizado no programa de rádio: “está escrito o seguinte: a partir das 8h30, despachos internos. O resto está em branco! Branco! Não há nada!”, como fosse a evidência da “incapacidade de alguém pouco afeito ao trabalho”.

Só que Haddad preparou uma “pegadinha” no solerte historiador. Cansado das críticas diárias nos últimos três anos, o prefeito substituiu sua agenda pela do governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP), com quem o comentarista mantém relações, digamos, cordiais.

Após a desmoralização ao vivo do histérico comentarista da Jovem Pan, Haddad voltou a publicar a agenda correta com os compromissos do dia.

O que o prefeito de São Paulo fez foi aplicar uma simples peça de guerrilha semiótica – conjunto de táticas que ajudam a demonstrar, em tempo real, o modus operandi de uma grande mídia onde o papel dos repórteres, editores e colunistas nada mais é do que encaixar, a todo custo, os fatos em uma narrativa já pré-estabelecida nos aquários das redações.

O cachimbo entorta a boca


Ao longo desses dez últimos anos (principalmente com a implementação do que chamamos de “bombas semióticas” a partir de 2013 – clique aqui), a grande mídia sempre se mostrou bastante vulnerável a esses tipos de “pegadinhas”, muitas vezes de forma involuntária, como foi demonstrado nos episódios do “falso estudante do Enem” (clique aqui) e do “tem alemão no campus” (clique aqui).  

A necessidade diária de encaixar rapidamente qualquer acontecimento a uma narrativa pronta estressa jornalistas que sempre vivem no fio da navalha das próximas “barrigas”, atos falhos, deslizes, trocadilhos involuntários etc., principalmente no ambiente atual das mídias ao vivo, on line e em tempo real.


O costume do cachimbo é que entorta a boca. Jornalistas parecem estar sempre trabalhando no modo automático, criando uma espécie de traquejo onde veem em qualquer fato um índice, uma evidência de confirmação de uma hipótese pré-existente. O que os torna extremamente vulneráveis a qualquer ação organizada de guerrilha anti-mídia, como já foi demonstrado no histórico do ativismo anti-midiático que veremos adiante.

Essa foi uma evidente oportunidade perdida nesses últimos anos  onde as estratégias de comunicação do PT ou do Governo Federal deveriam implementar como contra-ataque a guerrilha semiótica. Assim como o fez Fernando Haddad em um exemplo isolado.

Implosão do sistema político-partidário


Após o afastamento da presidenta Dilma e a aposta alta do PGR (Janot pediu a prisão de Sarney, Jucá e Calheiros) ameaçando implodir o sistema político-partidário brasileiro, ficou claro para os analistas o projeto maior por trás da Operação Lava-Jato de Sérgio Moro: o fim da política e a hegemonia de uma ordem jurídico-midiática – ministérios públicos+Judiciário+Globo.

A velha ordem de coronéis provincianos é lenta e imprevisível demais para implementar as amargas medidas econômicas neoliberais. Além de que essas medidas são impopulares demais para resistirem a um debate político-eleitoral.

Uma nova ordem futura, sob os escombros do sistema político-partidário atual, contará com o necessário apoio da grande mídia para tornar verossímil o remédio das medidas impopulares tais como fim dos direitos trabalhistas, brutal reforma previdenciária, arrocho salarial, desmonte do SUS e programas sociais etc.

E, claro, assim como na Itália onde a implosão do sistema político-partidário com a Operação Mãos Limpas (referencia da atual Operação Lava-Jato) levou o barão midiático Berlusconi ao poder, no Brasil espécimes midiáticos como Dórias, Datenas ou Hucks poderão se tornar futuros líderes carismático-midiáticos. Como sempre, prometendo “renovação completa na política”.


Esse é o cenário futuro pós-implosão do sistema PT-PSDB-PMDB, um cenário onde medidas impopulares serão implementadas por instituições afastadas do escrutínio eleitoral com o apoio da grande mídia para torna-las um mal necessário para a opinião pública.

 Denúncias nas redes e em mídias alternativas e as ruas serão o que restará para as esquerdas. Mas é necessário atacar os pés de barro dessa ordem: a grande mídia e seus cães sabujos jornalistas. Por isso, mais uma vez, apresenta-se a oportunidade de aplicar um organizado contra-ataque de comunicação: a guerrilha semiótica.

O objetivo: desmoralizar e desconstruir ao vivo a narrativa da grande mídia.

Guerrilha antimídia


Podemos perceber aqui e ali sinais da consciência da necessidade dessa estratégia, por assim dizer, anárquica de se contrapor ao poder midiático. Além da iniciativa isolada da pegadinha do prefeito Haddad, observamos uma crescente intervenção em links ao vivo, especialmente da TV Globo: ativistas invadindo o enquadramento da câmera gritando frases como “Fora Temer” ou “A Globo apoiou a ditadura”. Alguns aparecem segurando cartazes como fossem papagaios de pirata dos incomodados repórteres.

Desde a publicação do livro Steal This Book (“Roube esse Livro”) de Abbie Hoffman em 1971 (um manual de técnicas de ações anti-mídia, governo e corporações), o ativismo contra a grande mídia acumulou uma série de estratégias e dispositivos que podem ser agrupados em duas categorias principais: media prank (“pegadinhas”) e culture jamming (“trolagens”).

(a) Media Prank


Media prank ou “pegadinha” é um tipo de evento midiático perpetrado por certos discursos encenados, pseudoeventos ou falsos comunicados a imprensa com o objetivo de enganar jornalistas para que estes produzam notícias errôneas ou falsas (“barrigas”). 

Em 1995 o telejornal Bom Dia Brasil da TV Globo apresentou uma notícia sobre um terapeuta internacionalmente reconhecido pela sua “Terapia do Leão” chamado Baba Wa Simba que estaria vivendo em Nova York. Apresentado pelo jornalista Pedro Bial, a matéria documentou uma demonstração da terapia para que homens e mulheres desenvolvessem “seu lado animal” e liberassem “instintos reprimidos”.


Viu-se diversos pacientes de quatro no chão urrando, grunhindo e disputando um pedaço de carne crua que Bamba Simba jogava. Pedro Bial participou dessa demonstração, de quatro no chão e urrando com os demais “pacientes”.

Depois, o choque. Tudo era uma simulação. Sequer Bial apurou minimamente quem era “Baba Simba”. O terapeuta, na verdade, era o artista plástico Joey Skaags, famoso nos Estados Unidos pelas media pranks que apronta para desmoralizar TV e jornais – clique  aqui e veja o vídeo no site de Joey Skaggs.

Outro exemplo foi a “pegadinha” do “abraço corporativo”. Em 2009 o jornalista Ricardo Kauffman criou o personagem Ary Itnem Whitaker, um executivo de relações humanas que estaria no Brasil representando uma confraria britânica que defendia a chamada “terapia do abraço” para humanizar as metrópoles e as organizações.

Concedeu entrevistas a rádios, TVs e jornais, mostrando como o jornalismo declaratório da mídia torna-se isca perfeita para essas “pegadinhas” por estar ávida para encontrar personagens perfeitos que se encaixem nos scripts pré-estabelecidos. Sequer os repórteres pensaram em checar a procedência da tal confraria - sobre isso clique aqui.

O que torna a grande mídia ainda mais vulnerável ao media pranké a necessidade dos eventos serem “noticiáveis”: facilidade logística, press kits, informações de pauta detalhadas que facilite o trabalho do repórter – quem entrevistar, email, telefones etc.

Uma ação de media prank organizada, sistemática e politicamente orientada desmoralizaria a grande mídia, principalmente em épocas de mídia espontânea e viralização por meio de redes sociais.



(b) Culture Jamming


Culture jamming ou “trolagem” (ou “comunicação de guerrilha”) é uma tática usada por muitos ativistas anti-consumismo para subverter a cultura midiática e suas instituições como a publicidade e relações públicas corporativas, o conformismo e tentam expor os métodos de dominação financeira e política.

O objetivo é criar ruído, interferência ou, como diz o conceito, atrapalhar o fluxo normal da informação da grande mídia para a opinião pública por meio da exploração de quatro sentimentos: choque, vergonha (principalmente alheia), medo e raiva. Para teóricos como Abbie Hoffman, seriam os principais catalisadores das mudanças sociais.

Há diversas técnicas como, por exemplo, a criação de memes onde logos corporativos são parodiados para expor suas verdadeiras intenções como os arcos do McDonald’s desenhados de forma sombria ou o logo da Esso com cifrões substituindo os “s”.

Porém, o mais politicamente interessante são as invasões de links ao vivo de TV. Pessoas segurando cartazes “Fora Temer” e jovens invadindo o campo das câmeras com palavras de ordem anti-Globo é um bom início. Ainda são práticas isoladas que deveriam ser sistematizadas para criar uma variação de práticas de intervenção.

Um bom exemplo foi a mostrada por ativistas antiglobalização em Lisboa. Para furar o bloqueio midiático, através de redes sociais fizeram uma simulação de uma manifestação supostamente a favor da política de austeridade imposto pela “Troika” (Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia) a Portugal.

Os jornalistas foram na onda e, depois, descobriram amargamente que se tratava de uma estratégia de atrair a atenção dos portugueses para o verdadeiro manifesto. Diante das câmeras em links ao vivo, os manifestantes gritavam diante dos surpresos jornalistas: “Que se lixe a Troika!”.

Postagens Relacionadas












Curta da Semana: "O Homem na Multidão" - Allan Poe se encontra com física quântica

$
0
0

O homem da multidão do conto de Edgar Allan Poe se encontra com o paradoxo quântico da famosa experiência do gato de Schrödinger de 1935. É o curta “O Homem na Multidão”, adaptação do conto original de Allan Poe feita pelo trio de alunos Aderbal Machado, Ricardo Vos e Vitória Silva. O curta foi o resultado do trabalho de conclusão da disciplina Estrutura de Roteiros ministrada por esse humilde blogueiro na Universidade Anhembi Morumbi no curso de Produção Editorial em Multimeios. Um curta enigmático e estranho, com uma pitada de Gnosticismo onde o encontro somente é possível no estado de consciência suspensa entre a vida e a morte.

Um homem entrou em coma num hospital. Entre a vida e a morte relembra de fatos ocorridos no dia anterior: irritado com o seu gato que havia destruído um vaso, o vizinho invade o apartamento e leva o bichano embora. Inconsolável, o homem agora procura seu gato. Observa a multidão passando pelas calçadas, sentado em um café lamentando a perda.

Levanta-se e sai andando pelas ruas. De repente ouve miados que parecem vir de uma pequena caixa segurada por um homem que aparentemente é seu vizinho. Inicia-se então uma perseguição àquele suspeito de ter sequestrado seu gato.

O final reserva para o espectador um enigma onde o homem da multidão imaginado por Edgar Allan Poe se encontrará com o paradoxo quântico da famosa experiência do gato de Schrödinger de 1935.

Esse é o curta O Homem na Multidão (2016) de Aderbal Machado, Ricardo Vos e Vitória Silva. O curta é um trabalho de conclusão da disciplina Estrutura de Roteiros ministrada por esse humilde blogueiro no curso de graduação Produção Editorial em Multimeios da Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo.


O desafio do trabalho de conclusão era fazer um roteiro literário adaptado de um dos contos do escritor norte-americano Edgar Allan Poe e transformá-lo em um curta. O objetivo principal era a confecção do roteiro. Mas o trio de alunos conseguiu ir além, produzindo um vídeo enigmático e estranho em um inusitado encontro entre Allan Poe e o paradoxo quântico da experiência da caixa do gato.

Para quem não está familiarizado com a física quântica, o físico austríaco Schrödinger tentou através dessa experiência mostrar o aparentemente ilógico mundo das partículas subatômicas – o fato de que uma partícula poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo.

O físico quis transpor esse paradoxo para uma situação fácil de ser visualizada: um gato está preso numa caixa que contém um recipiente com material radioativo e um contador Geiger. Se o material soltar partículas radioativas e o contador detectar, acionará um martelo que, por decorrência, quebrará um frasco de veneno, matando o bichano.

De acordo com as leis da física quântica, a radioatividade pode se manifestar tanto como onda quanto partícula. Ou seja, na mesma fração de segundo, o frasco de veneno quebra e não quebra, produzindo duas realidades probabilísticas simultâneas. Segundo o raciocínio, as duas realidades aconteceriam simultaneamente dentro da caixa, até que fosse aberta – a presença de um observador e a entrada da luz intervindo nas partículas acabariam com a dualidade.


Ambas realidades existem simultaneamente dentro da caixa. Mas existe a chamada “decoerência quântica” que garante que essa situação “decaia” para um dos resultados: vivo ou morto. Isso impede que os “dois gatos” das situações diferentes interajam entre si.

É nesse ponto que o curta O Homem da Multidãoleva o personagem de Allan Poe para o mundo quântico: o paradoxo que ocorreria no interior da caixa é levado para o próprio mundo do protagonista, lembrando bastante o filme Coherence (2013), onde complexos conceitos quânticos como “sobreposição”, “entrelaçamento” e “decoerência” são levados para as tensões das relações humanas – sobre esse filme clique aqui.

A adaptação do curta acrescenta ainda um elemento gnóstico: o estado de suspensão como estado alterado de consciência capaz de induzir a iluminação ou gnose – o autoconhecimento. O protagonista está em coma, em um estado de suspensão entre vida e morte.


Aqui o curta marca uma diferença com o conto original de Allan Poe. Enquanto lá, após perseguir o homem da multidão, o protagonista desistia porque aquele homem “não se deixava ler” e que “há certos segredos que não se deixam contar”, aqui o protagonista alcança seu objetivo ao defrontar-se consigo mesmo em um paradoxo quântico ao estilo do gato de Schrödinger.

Massacre em Orlando também não aconteceu

$
0
0

Há pouco mais de seis meses o “Cinegnose” afirmava que o atentado à casa de show Bataclan em Paris não havia acontecido. O mesmo agora ocorreu com o massacre na casa noturna LGBT Pulse, em Orlando, EUA. Claro que essa afirmação é uma alusão à tese do filósofo francês Jean Baudrillard de que eventos atuais como o atentado ao WTC em 2001 não “acontecem” por serem eventos prioritariamente destinados ao impacto no contínuo midiático. Pelas recorrências presentes nesses atentados (sincronismos, coincidências etc.), deixam de ser eventos “históricos” para tornarem-se narrativas que confirmam agendas de Estado e pautas prontas das redações da grande mídia. Em todos esses eventos repetem-se os mesmos “plots”: a mitologia do “lobo solitário” que era velho conhecido da inteligência; estranhas ligações com o governo; o suicídio (variando com a execução do atirador); depoimentos contraditórios; exercícios de simulação nas proximidades do atentado; além de pistas deixadas na cultura pop.


Os leitores mais assíduos do Cinegnose devem ter percebido que a busca de recorrências é o método preferido desse blog, seja no campo cinematográfico como também no estudo dos eventos midiáticos.

Acontecimentos tornam-se eventos midiáticos quando percebemos neles recorrências que caracterizam padrões ou a construção de uma narrativa.

Em muitas postagens viemos destacando o modus operandi da grande mídia na produções de notícias, tão invertida como a famosa pirâmide do método do texto jornalístico: repórteres vão a campo com uma pauta ou script pré-definido pelos seus editores e chefes de redação – fatos e depoimentos serão sempre índices ou evidências que confirmarão uma narrativa. O texto já está pronto. Resta ao jornalista preencher as suas lacunas.

 A grande mídia internacional, que a brasileira obedientemente replica, tem uma agenda e uma narrativa recorrente desde o 9/11 dos EUA: a guerra ao terrorismo internacional, mais precisamente o chamado “choque das civilizações” – Ocidente X muçulmanos.

Diversos sites alternativos (sejam os chamados “conspiratórios” ou os jornalísticos alternativos) vem apontando ligações suspeitas, recorrências e “coincidências” no massacre de Orlando. O que indicam que o atentado à casa noturna LGBT Pulse foi mais um evento midiático que reforçaria esta narrativa.

Por “evento midiático” poderíamos compreender desde um evento false flag, “trabalho interno” ou um cenário de terror propositalmente preparado para impactar o contínuo midiático e a opinião pública, reforçando o apoio a atual agenda do governo norte-americano da guerra ao terror.


Recorrências ou “plots”


Vamos mapear algumas dessas recorrências ou “plots” que tornam o massacre de Orlando (já rotulado pela grande mídia como o pior atentado desde 9/11), no mínimo, uma narrativa com peças que repetem tantas outras como o atentado da Maratona de Boston ou aqueles ocorridos na França no ano passado.

(a) O atirador e seu pai 


Como sempre, o atirador Omar Mateen era investigado pelo FBI, mostrando como estranhamente os serviços de inteligência parecem ter dificuldade de lidar com “lobos solitários”.

Omar foi interrogado três vezes em 2013 por suas supostas conexões com o ISIS e Taliban. Se Omar estava já há algum tempo no radar do FBI e sua vida era investigada, como foi possível planejar e executar o massacre? Segundo as notícias, ele circulava por parques como a Disney escolhendo o melhor lugar para cometer um atentado.  

Assim como os terroristas da casa de show Bataclan, em Paris, que também eram considerados “perigosos extremistas” e eram observados pela inteligência francesa.

As coisas começam a ficar mais esquisitas quando sabemos que Omar estava empregado em uma empresas de segurança britânica chamada G4S Plc desde 2007, firma que conta com clientes em mais de 100 países. Incluindo o governo dos EUA, desde os atentados de 9/11 – sim, ele tinha posse das armas que usou no atentado: uma AR-15 e pistola. Omar tinha uma licença para o trabalho de segurança na Flórida.

A G4S tem contratos com o governo de 89,3 milhões de dólares em 2015, providenciando segurança em aeroportos, prisões, instalações portuárias e transporte de dinheiro. Segundo o Chicago Tribune, o FBI não quis comentar se comunicava à empresa suas investigações sobre as atividades do seu empregado Omar Mateen.

As informações sobre o pai de Omar, Seddique Mateen, são um verdadeiro prato cheio para os teóricos da conspiração: ex-candidato às eleições presidenciais no Afeganistão, teve um encontro em 2015 com importantes membros do Departamento de Estado do Congresso norte-americano de acordo com o Independent Journal.

Pai de Omar em visita ao Departamento de Estado - foto postada no Facebook

(b) A mitologia do atirador solitário 


Outro elemento recorrente é a narrativa do atirador solitário que, embora sem treinamento militar, é sempre extremamente rápido, calmo e preciso. Sandy Hook, Aurora, San Bernardino etc. repetem a mesma história: são verdadeira máquinas de matar, precisas e frias. Nesse caso da casa noturna Pulse, os primeiros questionamento foram em torno dessa performance precisa onde um atirador consegue ferir mais de 100 pessoas, destas matando 50?

(c) Depoimentos contraditórios 


Isso conduz a um sintoma que denuncia o artificialismo da construção narrativa: testemunhos divergentes entre os sobreviventes – sobreviventes falam em apenas um atirador, enquanto outros relatam participações de outras pessoas.

O canal do YouTube DAHBOO 777 conseguiu gravar um flagrante em uma transmissão da emissora de TV Fox News. Um sobrevivente dava um depoimento ao vivo quando começou a revelar o mais importante detalhe na tragédia da Pulse: a testemunha dizia que “algumas pessoas” seguravam as portas, impedindo as vítimas de fugirem da casa noturna – veja o vídeo abaixo.


O testemunho da vítima foi imediatamente cortado e a testemunha retirada da transmissão ao vivo.

A SuperStation95 FM de Nova York reportou que outro sobrevivente, Janeil Gonzalez, viu no momento do ataque outros homens segurando as portas para evitar fugas. A emissora FM informou que esses depoimentos estão sendo sistematicamente cortados das redes de TV americanas.

Foi necessário a Swat abrir com explosivos, uma passagem para a fuga dos sobreviventes, além de matar o próprio atirador. A grande mídia não questiona o porquê disso: um homem segurou todas rotas de fuga?


(d) O atirador é morto ou se mata 


Outro elemento clichê dessa narrativa: no final o atirador comete suicídio ou rapidamente é morto pela ação dos policiais. Outra variação dessa fórmula é uma emocionante perseguição em alta velocidade transmitida ao vivo. Estranhamente parece que os serviços de inteligência não querem interroga-lo ou extrair dele mais informações que levem à descoberta da rede terrorista. Será por que essas informações, divulgadas pela grande mídia, levaria a eles mesmos?

(e) Exercícios de simulação na proximidade dos atentados 


Tal como no evento dos atentados de Paris, sempre na proximidade da tragédia há algum tipo de exercício de simulação onde policiais ou para médicos participam em situações análogas ao atentado que irá ocorre.

Recentemente em Orlando havia ocorrido um exercício de simulação de vítimas de atentado por atirador, a Conferência de Enfermagem de Emergência com socorristas do Gabinete de Orange County Sheriff e bombeiros. Os participante sabiam que fariam parte de um exercício de socorro, mas não sabiam que seria incluído uma simulação de evento com um atirador em massa – clique aqui e assista à matéria da Wesh2News.


(f) Pistas na cultura pop 


Aqui estamos diante de uma recorrência de natureza sincromística: muitas vezes envolve a representação do próprio incidente que teria ocorrido em um filme ou programa de televisão. Em outros casos, pode envolver a colocação visível ou mesmo imperceptível de detalhes aleatórios do ataque em filmes e na televisão. Por exemplo, no filme The Lone Gunman, um spinoff de curta duração da série Arquivo X mostra uma história onde um avião de passageiros era sequestrado por controle remoto e estava sendo levado contra as torres do World Trade Center. Em The Dark Knight Rises,  há uma referência muito curioso para Sandy Hook com um mapa de Newtown, Connecticut na parede.

Um evento trágico envolvendo a cultura pop foi uma sombria introdução ao que estava por vir: também em Orlando, na madrugada do sábado, a cantora Christina Grimmie (terceiro lugar no programa The Voice) foi assassinada após um show por mais um atirador solitário no momento dos autógrafos aos fãs... e que também teve o destino clichê: matou-se.

(g) Quem ganha? 


Para os especialistas em teorias da conspiração, essa é a principal pergunta a ser feita diante de uma Operação False Flag.

Seja um False Flag ou um Trabalho Interno, essas estratégias possuem duas funções: reforçar uma agenda pré-existente, além de ser uma tática diversionista.

 Imediatamente após o massacre em Orlando a grande mídia passou a concentrar o debate na polêmica do controle de armas e na homofobia, desviando da evidente demonização do bode expiatório que é o verdadeiro objetivo: a conexão natural entre islamismo e intolerância. O que reforça a agenda do chamado “choque de civilizações”, ideologia que legitima a política externa norte-americana.


Homofóbicos são covardes. Preferem atacar em bandos indivíduos isolados e acuados. A narrativa de um homofóbico fortemente armado entrando em uma casa noturna lotada para efetuar um massacre em massa foge totalmente ao perfil dessas pessoas.

Outros analistas falam que essa tragédia reforça o discurso racista e xenófobo do candidato republicano Donald Trump.

Essa é outra estratégia diversionista de busca de outro bode expiatório para a crescente intolerância na sociedade norte-americana, como se Trump fosse uma anomalia.

A agenda do “choque das civilizações” e as supostas Operações False Flag do século XXI são a verdadeira origem da escalada de ódio, promovida pelo terrorismo de Estado e não por “lobos solitários” ou candidatos aloprados com discursos “de direita”.

Observe na foto acima como os senhores da guerra exercitam seu voyeurismo acompanhando on line a caça e a morte de Bin Laden, excitados e tensos como acompanhassem uma jogada em um vídeo game. É a sala de guerra do terrorismo de Estado.

Postagens Relacionadas











Tudo está à venda no filme "Huckabees - A Vida é uma Comédia"

$
0
0

Quando lançado foi desprezado como uma enorme baboseira pretensiosa e cheia de diálogos sem sentido. Doze anos depois, “Huckabees – A Vida é uma Comédia” (2004) ganha sentido e atualidade e vale à pena ser revisto. Além de mostrar como é possível aliar entretenimento com uma séria discussão filosófica, o filme faz uma surreal metáfora da vida como uma grande loja de departamento onde tudo está à venda – da doença até o suposto remédio que iria nos curar com a paz de espírito. Como a esquizofrênica imagem da rede de lojas Huckabees (vende ao mesmo tempo consumismo e mensagens ecologicamente responsáveis) contamina a vida dos protagonistas que buscam soluções possíveis: ou a melancolia e pessimismo ou a fé nas imagens de sucesso. Mas outros vendedores aparecerão para lhes oferecer conforto no mercado filosófico: aristotélicos, sofistas e céticos.

Historicamente as relações sociais sob o capitalismo sempre foram marcadas pela exploração e violência: da exploração de crianças na indústria têxtil na Revolução Industrial inglesa até a atual exploração infantil em países asiáticos na fabricação de produtos de marca como Nike, passando pelas denúncias de que a rede Walmart obriga funcionários a usarem fraldas descartáveis para não abandonarem posições para ir ao banheiro.

Até o início do século passado isso sempre foi explícito, com a ajuda da violência policial a cada greve operária. Mas tudo mudou desde que o sobrinho de Freud, Edward Bernays, inventou as Relações Públicas e as primeiras técnicas de engenharia de opinião pública. E também quando as fábricas tornaram-se gigantescas corporações anônimas onde a figura do burguês desumano deu lugar aos acionistas sem rostos. Desde então, as corporações procuram criar a imagem de socialmente responsáveis e ecologicamente corretas por meio das técnicas mercadológicas.

Isso fez a sociedade como um todo ingressar numa espécie de cultura esquizofrênica: o capital explora mas ao mesmo tempo promove o marketing da responsabilidade social e ambiental; enquanto a publicidade e propaganda produz imagens de felicidade e sucesso, convivemos com fracasso e frustração; enquanto a mídia promove imagens dos vitoriosos e bem sucedidos, introjetamos a culpa pelas nossas derrotas.


Esse abismo entre aparência e essência, imagem e realidade talvez seja o motivo de muitos dos nossos dramas existenciais. Esse é o tema de Huckabees – A Vida é uma Comédia (2004), um filme sobre a impessoalidade do mundo corporativo onde a imagem positiva das relações públicas substitui a realidade, restando para as pessoas duas saídas: o pessimismo e a melancolia ou acreditar nas imagens de sucesso.

O filme consegue combinar uma comédia non sense e surreal com séria questão filosófica: qual o sentido da nossa existência numa sociedade manipuladora e que procura preencher as falhas com as aparências?

O Filme


Huckabeesé um filme caótico, cheio de desafios e enigmas. A certa altura o excesso de linhas de diálogos curtos e minimalistas torna-se até maçante. Mas vale a pena acompanhar as desventuras de Albert (Jason Schwartzman), um ativista ambiental desiludido que trabalha rede de lojas de departamentos chamada Huckabees, “a loja que vende de tudo”.

Albert está atormentado por uma coincidência surreal: encontrou um rapaz africano em uma loja em uma sessão de autógrafos, para depois reconhece-lo como o porteiro do prédio onde mora. Além de quase atropelá-lo no estacionamento de uma das filiais da Huckabees. É dessa coincidência que inicia a discussão existencialista que será o plot principal do filme: a vida é composta apenas por eventos aleatórios? Ou coincidências como essas podem revelar algum propósito para a existência?

Angustiado, Albert contrata um casal de “detetives existenciais”, Bernard (Dustin Hoffman) e Vivian (Lily Tomlin), um serviço especializado em descobrir o sentido da vida de cada cliente – vem imediatamente à mente a lembrança da Lacuna Inc. do filme Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, especializada em deletar do cérebro as memórias de frustrações amorosas com seus métodos tão malucos como os da dupla de detetives – sobre o filme clique aqui.

A ironia é explícita: assim como na rede Huckabees, tudo está à venda, inclusive a busca do sentido da vida.

Albert é um ativista que luta para defender uma rocha da especulação urbana – um pedaço de pedra que foi a única coisa que sobrou de um pântano destruído pela construção de mais uma loja da rede Huckabees. Através da sua garota-propaganda Dawn Campbell (Naomi Watts), a rede tenta passar a imagem de ecologicamente responsável para a opinião pública, em contradição flagrante com a imagem materialista e consumista que a modelo inspira.


Para piorar, Albert também é atormentado pela sua espécie de duplo: Brad Stand (Jude Law), bonito, bem sucedido na empresa, articulado, rico e namorado da garota-propaganda da Huckabees. Ele é tudo que Albert gostaria de ser, também possuidor das mesmas assombrações existenciais de Albert, mas que as esconde no consumismo e na vida superficial.

Pessimismo gnóstico?


Os detetives existenciais assumem Albert e Brad como seus clientes, aplicando seus métodos de pesquisa etnográfica – munidos de blocos de anotações, gravadores e câmeras observam a vida cotidiana de cada um, procurando atos falhos, frases ou qualquer coisa que sirva de mote para a descoberta do sentido da vida pessoal.

Mas esses detetives são assombrados pela sua rival: Caterine (Isabelle Huppert), outra detetive existencial, ex-cliente, que agora busca um método radicalmente alternativo para competir com o casal Bernard e Vivian – enquanto esses têm uma visão mais otimista e holística da existência (o ser humano seria parte de um universo harmônico), Caterine é cética e pessimista por acreditar que o ser humano é um intruso em um universo caótico e imperfeito. Quando mais cedo o homem cair fora desse caos cosmológico, tanto melhor.

Caterine tenta roubar os cliente Albert e Brad. Trazê-los para a sua visão de mundo muito próxima do niilismo gnóstico. Mas que, como tudo no filme, é mais um produto à venda na “loja que vende de tudo” – o slogan da Huckabees que é uma irônica metáfora do mundo regido pela lógica mercantil.


Aristotélicos, sofistas e céticos


Por trás da narrativa caótica, o filme consegue fazer uma pequena síntese das posições antagônicas básicas na história da filosofia ocidental: os aristotélicos, os sofistas e os céticos, uma discussão que começou na cena filosófica da antiguidade grega e parece que até hoje não terminou.

Os detetives existenciais Bernard e Vivian são os típicos aristotélicos: procuram a verdade através da lógica e disciplina mental. Acreditam em uma lógica sistêmica que governaria a existência onde dedutivamente o homem encontraria o seu lugar em um propósito maior.

Caterine é a cética, o demônio que invade o universo logicamente holístico do casal de detetives – para ela nada vale a pena porque apenas 5% do composto químico do corpo humano correspondem aos elementos que compõem o universo. O que prova que somos intrusos num cosmos frio e hostil.


E a rede Huckabees é o próprio sofismo: como na antiga filosofia grega onde os sofistas cobravam um preço para ensinamentos à venda, Huckabees vende um estilo de vida onde o consumismo e o ecologicamente correto convivem confortavelmente. Assim como os sofistas gregos acreditavam na relatividade da verdade (“o homem é a medida de todas as coisas”), para a Huckabees tudo é uma questão de “percepção” e de criação de uma boa imagem publicitária.

Para a Huckabees a verdade só existe quando ela pode ser vendável.

Enquanto Albert tenta se apegar na poesia e no ativismo ambiental, Brad se apega ao consumismo. São as respostas até aqui possíveis para o dilema de uma sociedade esquizofrênica. Nem um e nem o outro consegue encontrar a verdade. E em volta deles, aristotélicos, sofistas e céticos tentam lhes convencer das suas verdades que estão à venda no mercado das receitas para alcançar a felicidade.

Huckabees – A Vida é uma Comédiaé um filme que vale à pena ser revisto. Na época foi desprezado e esquecido como uma enorme baboseira pretensiosa cheia de diálogos sem sentido. Mas doze anos depois, revela como o capitalismo ampliou a sua lógica esquizofrênica - ele não apenas explora enquanto cria imagens de sucesso. Agora também vende receitas de felicidade, enquanto secretamente sabota essa pretensão.


Ficha Técnica


Título: Huckabees – A Vida é uma Comédia (I Heart Huckabees)
Diretor: David A. Russell
Roteiro: David A. Russell e Jeff Baena
Elenco:  Jason Schwartzman, Jude Law, Dustin Hoffman, Isabelle Huppert, Lily Tomlin, Naomi Watts
Produção: Fox Searchlight Pictures, Qwerty Films
Distribuição: 20th Century Fox (DVD)
Ano: 2004
País: EUA, Reino Unido

Postagens Relacionadas











Nesta semana Cinegnose discute o filme gnóstico no Rio de Janeiro

$
0
0

Está chegando o dia. A convite do Coletivo Transaberes, esse humilde blogueiro fará palestra e workshop no Rio de Janeiro na próxima sexta e sábado, dias 24 e 25. Serão discutidas as conexões entre a mitologia gnóstica e a produção cinematográfica atual, além das implicações culturais e científicas da crescente presença do Gnosticismo no imaginário contemporâneo. Na sexta a palestra “Cinegnose: Cinema e Gnosticismo” será na Casa da Ciência, e no sábado acontece o workshop O cinema secreto: implicações culturais e científicas do Gnosticismo no Cinema” na Estação das Letras.

No dia 24 acontece a Palestra Transaberes com o tema “Cinegnose: a presença da Mitologia Gnóstica no Cinema Contemporâneo” na Casa da Ciência, Botafogo, às 14h. Nesse encontro discutirei a presença da mitologia gnóstica ao longo da história da cultura, suas sucessivas mortes e renascimentos até ressurgir no século XX na Ciência e no Cinema – clique aqui.

No cinema, será apresentada sua evolução desde a fase “cult” em um amplo período que vai desde antigos filmes do início do século XX (The Revenge of Homunculus, The Golem etc.) até chegar aos anos 1970 com O Homem Que Caiu na Terra e Zardoze nos 80 com Veludo Azul de David Lynch. Depois, a palestra se concentrará na fase “pop” atual que se inicia com o filme Dead Man (1995) de Jim Harmusch, passando pelos clássicos Show de Truman e Matrix até chegarmos às produções mais recentes.

Serão discutidos os temas e simbolismos recorrentes dessa cinematografia como conspirações cósmicas, universos paralelos, amnésia e paranoia, além da ambivalente relação entre o sujeito e a realidade, consciência (especialmente alterada por estados de consciência iluminados) e revolta contra sistemas autoritários de controle. Uma mitologia cuja ideia geral é a de que o mundo que percebemos é uma ilusão criada por alguém que não nos ama e que a chave para revelar a ilusão e descobrir a realidade reside numa forma de autoconhecimento ou iluminação.

E no dia 25 farei o Workshop Transaberes “O cinema secreto: implicações culturais e científicas do Gnosticismo no cinema” na Estação das Letras, no Flamengo das 10h às 16h30 – clique aqui.
O livro "Cinegnose", desse humilde blogueiro, será o ponto de partida da palestra e workshop

O Workshop explorará os resultados dos seis anos pesquisas acadêmicas e pessoais em torno do blog “Cinema Secreto: Cinegnose”: as principais mitologias exploradas pelo cinema gnóstico (o Mito do Demiurgo, o Mito da Alma Decaída, o Mito do Salvador e o Mito do Feminino Divino) e a sua categorização: filmes CosmoGnósticos, TecnoGnósticos, PsicoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.

E as implicações culturais e científicas que esse conjunto de filmes sugere: Sincromisticismo, Parapolítica, Cartografias da Mente e as conexões entre os conceitos quânticos e o Gnosticismo.

O Coletivo Transaberes é um grupo de estudos que procura criar confluências entre filosofias, artes e ciências. Liderado pelo “atrator” Nelson Job (professor e psicólogo, doutor pela UFRJ) o grupo vem experimentando conceitos transdisciplinares onde procura articular a espiritualidade com artes e ciências por meio de experiências práticas e discussões teóricas. O grupo conceitua esse projeto como “ontologia onírica”.

Palestra e Workshop:



·       Palestra Transaberes – “Cinegnose: a presença da Mitologia Gnóstica no Cinema Contemporâneo” – Dia 24/06/2016 - Local: Casa da Ciência – Rua Laura Müller, 3, Botafogo, Rio de Janeiro – tel. (21) 3938-5444 – Horário: 14h às 16h - clique aqui.

·       Workshop Transaberes - “O cinema secreto: implicações culturais e científicas do Gnosticismo no cinema”– Dia: 25/06/2016 - Local: Estação das Letras – Rua Marquês de Abrantes, 177 – Lojas 107/108, Botafogo, Rio de Janeiro, Tel. (21)3237-3947 – inscrição aqui.

A paranoia gnóstica no filme "Luciferous"

$
0
0

O projeto cinematográfico de um casal rodado em seu próprio apartamento em Toronto, Canadá. Junto com sua pequena filha, uma família real atua como uma família ficcional em um suposto "found footage" (vídeo achado como se fosse real) encontrado e anexado como prova das investigações de um crime que aconteceu. Mas essa é uma sinopse simplista (apenas uma versão) do filme Luciferous (2015) onde uma família real é manipulada por alguma força sobrenatural que parece atuar no apartamento, levando a família a uma lenta desintegração. O filme explora temas gnósticos clássicos como a paranoia, memória e a confusão entre ilusão e realidade. O que torna tanto os protagonistas como os espectadores em detetives que tentam compreender as pistas falsas e estranhas metalinguagens ao longo do filme. Assim como no arquétipo contemporâneo do Detetive, a resolução do enigma pode se voltar contra o próprio detetive que tenta achar a verdade. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.


Desde o filme A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999) o subgênero terror “found footage” (um vídeo achado em algum lugar como se fosse real) prosperou e se ramificou em produções sci-fy como Cloverfield ou na franquia de terror Atividade Paranormal. E ainda na variação do terror em tempo real como no filme uruguaio La Casa Muda– sobre o filme clique aqui.

Na hsitória do cinema os gêneros do horror e terror se fundamentaram no prazer escópico inerente ao olhar: voyeurismo e exibicionismo. A narrativa tradicional do terror no cinema acabou se esgotando no final do século passado quando slash movies e as mortes em série perpetradas por Fred Kruger e Jason explicitaram esse prazer perverso do público. Filmes como O Segredo da Cabana (2011) fizeram uma desconstrução desse prazer pervertido dos espectadores – sobre o filme clique aqui.

O found footage foi um sopro de renovação porque deu um álibi para o público se aliviasse da culpa de ter uma prazer tão perverso: agora assistimos a “casos reais”, a vídeos de câmeras internas que testemunham objetivamente o que acontece. Parece que agora deixamos de ser espectadores cujo prazer está em saber, antes do que o protagonista, o seu cruel destino final. No subgênero found footage estamos tão perdidos quanto os protagonistas e parece nos isentar de qualquer pecado porque nos tornamos apenas testemunhas oculares de um evento real.

O filme Luciferousconduz esse novo álibi do terror atual à radicalidade: vemos uma família real (os personagens são de fato a mesma família na vida real) que produziu e dirigiu o filme ao qual assistimos. Além de fazer uma surpreendente metalinguagem final de toda e experiência que tivemos ao longo de uma hora e meia, ao melhor estilo Sexto Sentido.


Como discutiremos adiante, ao fazer uma metalinguagem final (e o filme deixa pistas metalinguísticas ao longo da narrativa) expõe o próprio prazer secreto que o espectador pretende mascarar como álibi “found footage” – no final o próprio enigma que o espectador quer desvendar junto com os protagonistas tem a ver com ele mesmo. Luciferous explora o arquétipo contemporâneo gnóstico do Detetive: o enigma da paranoia que no final reverte-se contra si mesmo.

O Filme


Alex (Alexander Gorelick) e Masha (Masha Ghorbankarimi) desfrutam de uma vida feliz onde a filha Mina (Mina Gorelick) é o centro daquele mundo familiar. Embora a família lute com certos desafios profissionais, fazem de tudo para ter memórias felizes de Mina com fotografias e vídeos, chegando a presentear a filha com uma pequena filmadora digital.

Mas aos poucos coisas estranhas começam a acontecer, e a epígrafe da abertura retirada do livro O Exorcista parece nos preparar para o pior: “O demônio é mentiroso, mente para nos confundir. Nos confunde atacando nossas fraquezas psicológicas. E fica poderoso por isso”.

Enquanto a família dorme, vemos um quadro cair da parede, do nada uma cadeira gira lentamente. Descobrimos que Alex vive atormentado pela culpa pela morte do seu amigo Peter em um acidente de carro: Alex estava ao volante e se culpa por isso.


Até que em uma corrida diária por um bosque, Alex é brutalmente golpeado na cabeça por alguém ou por alguma coisa, deixando-o em coma por um mês sob os cuidados da esposa no apartamento da família. Depois que Alex volta à consciência, tudo começa a mudar. Durante os dias as coisas parecem estar bem, mas durante a noite parece que o reinos das trevas domina aquela casa. Vindo do nada uma explosão violenta acorda a todos. Mina estranhamente fica em pé, no seu quarto, gritando enquanto os brinquedos caem.

O coelho de estimação Fluffy é encontrado morto no armário do quarto de Mina. Alex e Masha começam a discutir frequentemente. Ele se torna imprevisível e quase violento. Quando dirige o carro põem em ameaça a todos. Mina passa a culpar o pai pela morte do coelho, colocando Alex em dúvida quanto a sua sanidade mental: será que seu comportamento é decorrente de alguma lesão neurológica?

Os remédios prescritos pelos médicos apenas ampliam o seu estado paranoico por acreditar que tudo é uma vingança do fantasma do seu amigo Peter. Todos ao seu redor parecem enlouquecer e a família perfeita deixa de ser feliz.

Através das imagens supostas câmeras internas, percebemos que durante a noite, e mais tarde também durante o dia, de fato há alguma estranha presença que se desloca pelo apartamento, parecendo observar a todos. Mas tudo é fragmentado e estranhamente editado no filme aumentando propositalmente uma ambiguidade fundamental da narrativa: o que afinal estamos assistindo, um “found footage” ou uma “live action” de um filme convencional de terror?


Paranoia gnóstica e o Detetive


Paranoia e confusão entre ficção e realidade (será que tudo é efeito da lesão de Alex?) toma os protagonistas assim como o próprio espectador.

Paranoia que leva a confusão entre ficção e realidade é um tema gnóstico por excelência. Remete a Valentim (filósofo gnóstico do início da Era Cristã) onde a desconfiança radical sobre a consistência da realidade pode levar tanto à iluminação quanto a loucura.

Na galeria dos arquétipos contemporâneos remete à figura do Detetive: aquele que se confronta com um enigma onde tenta juntar os pedaços de um mundo que está desabando. Mas que no final o enigma se volta contra ele mesmo, revelando alguma verdade interior escondida pelas ilusões do ego.

A narrativa fragmentária e as estranhas pistas metalinguísticas espelhadas pelo filme (como, por exemplo, os saltos dos frames em algumas sequências) sugerem também um enigma para os espectadores: afinal, qual o “tom” dessa história. É um found footage? Live action? Há alguma entidade sobrenatural naquele apartamento? Ou tudo não passa de alucinações de Alex produzidas pelas prescrições médicas psicotrópicas?

O próprio Alex tenta encontrar alguma sanidade em tudo fazendo uma espécie de metalinguagem de si mesmo: em seu vlog (um blog com vídeos) partilha grava a impressões pessoais na tentativa de encontrar alguma concreção. Ironicamente para Alex, a realidade transforma-se numa ilusão, e o único elemento real é a imagem de si mesmo gravada em vídeo no blog pessoal.


 A família filmou o projeto em seu próprio apartamento em Toronto, Canadá. Na vida real Alex é um especialista em produções stop motion e um judeu da antiga União Soviética; e Masha trabalha com fotografia, iluminação e composição, natural de Teerã, Irã.

Uma química perfeita


O curioso é que a própria decoração do apartamento do casal (com máscaras, estátuas e quadros com motivos religiosos, tribais e mitológicos ajudam a criar a atmosfera misteriosa de um apartamento amaldiçoado possivelmente por algum tipo de fantasma ou poltergeist. Não há efeitos especiais aqui, a não ser edições fotográficas que sugerem uma estranha inquietação.

Esses artefatos visuais mudam a imagem apenas o suficiente para intensificar o clima de ansiedade e paranoia. Há pouco uso da música e com um design de som discreto.

Essa combinação entre realidade e ficção (a família real que contracena como família ficcional) criou uma química perfeita, criando uma sensação de autenticidade difícil de encontrar na safra de filmes recentes dentro desse subgênero do terror.

A narração ao mesmo tempo lenta e fragmentada parece querer ferver aos poucos, em banho-maria, o drama de uma família que aos poucos vai perdendo o verniz da normalidade e felicidade. E no final o enigma é exposto ao espectador:  tanto protagonistas como espectadores são os detetives que tentam resolver o mistério do porquê o mais aterrorizante é o próprio homem.


Ficha Técnica


Título: Luciferous
Diretor: Masha Ghorbankarimi, Alexander Gorelick
Roteiro: Masha Ghorbankarimi, Alexander Gorelick
Elenco:  Masha Ghorbankarimi, Alexander Gorelick, Mina Gorelick, James Schryer
Produção: Alexander Films
Distribuição: Factory Film Studio
Ano: 2015
País: Canadá

Postagens Relacionadas











Cinegnose discute no Rio formas do Cinema escapar da caverna de Platão

$
0
0

O cinema é um dispositivo que descende diretamente o Mito da Caverna de Platão. Partilha da construção da irrealidade do mundo, mas também pode ser uma porta da saída dessa caverna por meio da criação do “acontecimento comunicacional” que induza a estados iluminados ou alterados de consciência. E que, por fim, favoreça a “gnose”. Essa foi a conclusão final da jornada que esse humilde blogueiro participou ministrando palestra e workshop no Rio de Janeiro nessa última sexta e sábado. Realizados na Casa da Ciência da UFRJ e na livraria Estação das Letras, e organizados pelo Coletivo Transaberes, tive a oportunidade de apresentar um amplo painel dos diversos renascimentos do Gnosticismo nas ciências, artes e literatura, até o momento atual do Gnosticismo Pop hollywoodiano. É mais uma forma de aumentar o véu da ilusão, mas também abre fissuras por onde podemos escapar.

Após esse humilde blogueiro estoicamente enfrentar o medo da avião, na última sexta, 24/06, aterrissei no Rio de Janeiro a convite do Coletivo Transaberes da UFRJ para uma intensa programação com palestra e workshop.

Após ser recebido no Santos Dumont pelo professor, doutor em História da Ciência e agitador cultural do Coletivo, Nelson Job, rumamos para um almoço bem transdisciplinar: uma discussão em torno de cinema, a série inglesa cult Black Mirror,  a “ontologia onírica” e a “vortexologia”, conceitos onde a ciência se encontraria com a tradição hermética e espiritualista.

Em seguida rumamos para a Casa da Ciência, em Botafogo, para iniciar a palestra “Cinegnose: a presença da Mitologia Gnóstica no cinema contemporâneo” para um público bem interessante e heterogêneo: estudantes, professores da UFRJ, autodidatas e cinéfilos.

Esse blogueiro após superar o medo de avião e ser recebido pelo "atrator estranho" Nelson Job

Gnosticismo, Ciência e mitologia no cinema


A palestra iniciou pela parte mais difícil e espinhosa: explicar o que é o Gnosticismo. Difícil porque mesmo entre historiadores e filósofos, é um conceito escorregadio e controverso. Pela natureza oculta do ensinamento gnóstico e pelo fato de muito material a respeito vir da crítica ortodoxa cristã tornou-se difícil estabelecer uma descrição precisa sobre as diversas seitas que compuseram o Gnosticismo.

Partimos, então, com duas definições de Gnosticismo: de um lado, o conjunto de seitas sincréticas do início da Era Cristã que combinavam neoplatonismo, hermetismo e influências orientais como sufismo e budismo para interpretar de maneira mística a missão de Cristo nesse planeta; e do outro, uma atitude ou predisposição psicológica e ideológica de crítica e contestação que permitiu diversos renascimentos do Gnosticismo na História. Como no momento atual pelo qual passamos.

Em seguida mapeamos os momentos onde na Modernidade o Gnosticismo encontrou essa predisposição e atitude que permitiu o seu renascimento. Para começar, no movimento do Romantismo seja na arte ou na literatura onde a introspecção e a desconfiança diante da aceleração tecnológica e urbana da Modernidade trouxe a valorização do misticismo e do hermetismo.

Conseguimos apresentar a narrativa cosmogônica gnóstica (como o homem tornou-se prisioneiro em um cosmos criado por uma divindade que não nos ama), a sua filosofia (imanente, ecumênica e, principalmente, a noção de gnose) e os quatro pilares da sua mitologia: o Mito do Demiuro, o Mito da Alma Decaída, o Mito do Salvador e o Mito do Feminino Divino.


Madame Blavatski e o movimento teosófico, o espiritismo de Allan Kardec e sociedades herméticas como Golden Dawn na Inglaterra popularizaram tanto conhecimentos herméticos como gnósticos presentes em obras de literatura como as de Lewis Carroll, por exemplo.

E no século XX a presença do Gnosticismo na física, biologia e ciências computacionais e cibernética até chegar ao Gnosticismo pop de Hollywood a partir de 1995 até hoje, com a sua mitologia sempre renovada. Como demonstra a nova série dos irmão Wachovski Sense8 onde faz uma releitura PsicoGnóstica da mitologia CosmoGnóstica apresentada em 1999 por Matrix.

A propósito, o ponto de chegada de toda a exposição e discussão da tarde de sexta-feira foi apresentar as ramificações dos filmes gnósticos nessas últimas década: o filme CosmoGnóstico, TecnoGnóstico, PsicoGnóstico, CronoGnóstico e AstroGnóstico.

Além de apresentar como o Gnosticismo pop criou uma galeria de arquétipos contemporâneos baseado em três tipos de personagens fílmicos que seriam metáforas das três formas de constituição da subjetividade: o Viajante, o Detetive e o Estrangeiro. Respectivamente, corresponderiam a três “estados iluminados” que poderiam induzir à gnose: suspensão, paranoia e melancolia.

Veja os slides da apresentação no abaixo.


O Workshop

A proposta básica do workshop desenvolvido na manhã e tarde de sábado foi a seguinte: é possível o cinema ser uma mídia indutora a “estados iluminados” que possam criar uma abertura para a gnose?

Uma abordagem como essa exigiria um viés do cinema não mais conteudista (conscientização político, moral ou ideológica) ou formalista (fazer uma metalinguagem do cinema). Dessa vez a abordagem deve ser fenomenológica: como o filme pode criar “acontecimentos comunicacionais” – o encontro da narrativa ficcional com a biografia do espectador que produza ressonâncias em sua vida propiciando impacto, mal-estar ou insights e até epifanias que induzam a questionamentos e mudanças.

Mas vimos que o dispositivo cinematográfico (câmera, projetor, tela) descende diretamente do arquetípico mito da caverna descrito por Platão na antiguidade. A tela substitui a parede da caverna, a luz e o projetor as chamas que criam sombras na parede, e a película está no lugar dos objetos que os manipuladores colocam em frente as chamas.

Em outras palavras, o cinema é mais um dispositivo que perpetua a ilusão do mundo e nos mantém aprisionados no interior da caverna/realidade.

Vimos como essa desconfiança gnóstica e ontológica radical em relação às mídia entrou nas ciências sociais através de três seminais teóricos da simulação: Daniel Boorstin (e seu conceito de “pseudoeventos”), Umberto Eco e os chamados “eventos-encenação” e o pós-moderno Jean Baudrillard e toda a sua reflexão sobre simulacros, simulações e “não-acontecimentos”.


A partir de análises de trechos de filmes como Funny Farme o documentário The Wolfpack vimos como o processo de inversão perceptiva do real (a imagem anteriormente feita do real antecede a nossa apreensão da realidade) cria a irrealidade ontológica do mundo. O que vai ao encontro de toda a desconfiança gnóstica da realidade como fosse apenas um filme mal produzido.

Cartografias e topografias da mente

Isso se acentuaria com a atual agenda tecno-científica da qual o cinema está fazendo parte: o projeto cartografias e topografias da mente – a confluência das neurociências, Inteligência Artificial, Cibernética e ciências computacionais com o objetivo de criar um modelo virtual de funcionamento da mente ou da própria consciência. Objetivo: engenharia e controle social.

A partir de análise de trechos de filmes como o sci-fi espanhol Eva(2011) ou a animação Divertida Mente(2015) vimos como o cinema vem repercutindo essa agenda tecnognóstica (o “gnosticismo cabalístico”)  em contraponto a filmes como Beleza Americana (1999) onde a narrativa trabalha com simbolismo do “gnosticismo alquímico”.

E por fim, no período da tarde, discutimos a possibilidade do cinema ser uma porta de saída da caverna platônica: cinema como acontecimento comunicacional.

A partir da análise de trechos dos filmes Safety Last (1923) com Harold Loyd e Cantando na Chuva(1952) com Gene Kelly vimos como o cinema hollywoodiano criou dispositivos para que o cinema evitasse o acontecimento comunicacional ao impor o clichê da “quebra-da-ordem-e-retorno-a-ordem”.

E, principalmente, como os elementos formais ou de conteúdo do cinema podem criar situações de “afecção” (afeto) que possam suplantar a “emoção” (cadeia semiótica criada por Hollywood para criar identificações e evitar a comunicação) e alcançar o “acontecimento”: ruptura, a irrupção do novo.

Descrevemos uma experiência concreta com alunos universitários na exibição do filme Como Fazer Carreira em Publicidade (How To Get Ahead in Advertising, 1989) e como foi criada a experiência do acontecimento comunicacional para alguns através de uma narrativa de humor negro e o impacto da fotografia e das imagens surreais.

Esse humilde blogueiro ficou feliz com os resultados: participantes com blocos de anotações onde estavam anotados inúmeras referencias de livros e filmes e a certeza de que ficou em cada um a fagulha da inquietação não só em relação ao cinema, mas também relação àquilo que chamamos de “realidade”.

Veja abaixo os slides discutidos no Workshop:




 Onde foram os eventos:


·       Palestra Transaberes – “Cinegnose: a presença da Mitologia Gnóstica no Cinema Contemporâneo” – Dia 24/06/2016 - Local: Casa da Ciência – Rua Laura Müller, 3, Botafogo, Rio de Janeiro – tel. (21) 3938-5444 – Horário: 14h às 16h30.

·       Workshop Transaberes - “O cinema secreto: implicações culturais e científicas do Gnosticismo no cinema”– Dia: 25/06/2016 - Local: Estação das Letras – Rua Marquês de Abrantes, 177 – Lojas 107/108, Botafogo, Rio de Janeiro, Tel. (21)3237-3947. Das 10h-12h30 e das 14h-17h.

Nikola Tesla e a paranoia do detetive em "The American Side"

$
0
0

Onde foi parar o caderno de anotações do físico sérvio Nikola Tesla, com segredos capazes de mudar o mundo? Estão nas mãos de agências do Governo? Corporações já aplicam seus segredos? Ou esses segredos já são conhecidos por sociedades secretas como o Bohemian Grove? Ao investigar um caso corriqueiro de infidelidade conjugal, um detetive barato tropeça por acaso numa das maiores conspirações do século XX. Esse é o filme “The American Side” (2016) onde nos revela como o personagem do Detetive sofreu profundas alterações desde Sherlock Holmes de Conan Doyle: enquanto Holmes contava com a lógica dedutiva, o detetive atual tem unicamente ao seu lado a intuição, a experiência e paranoia que comprovam que a realidade em muito supera a ficção. Por isso esse traços pós-moderno vão aproximar o Detetive da mitologia gnóstica. Mais um filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.


Era uma vez o detetive, o herói da modernidade, com sua mente privilegiada e infalibilidade. Esse personagem surgiu na literatura no século XIX onde imperava a ciência e a crença da racionalidade do mundo. Com seu raciocínio dedutivo implacável ultrapassava o véu das aparências e revelava a verdade por trás dos enigmas, crimes e sombras. Sherlock Holmes de Conan Doyle  foi o representante dessa era.

Hoje, as ilusões e a desconfiança continuam, mas a fé na dedução e na racionalidade se perderam. O detetive de Doyle foi substituído pela figura do detetive particular barato, desiludido e alcoólatra que a tradição do film noir criou. Sem método, esse detetive tenta resolver enigmas e mistérios com a intuição e experiência.

Mas esses mistérios tornaram-se ainda mais espessos. Na verdade, tornaram-se verdadeiras conspirações onde o detetive descobre que por trás de pequenos escroques, assassinos e chantagistas escondem-se sociedades secretas, corporações e confrarias sem rostos. Diante desses demiurgos o raciocínio dedutivo não mais funciona: a própria razão faz parte da ilusão. O que torna todos nós detetives, porque a existência inteira é uma conspiração de alguém que não nos ama.

O filme The American Side revisita esse verdadeiro arquétipo contemporâneo do detetive cruzando com uma das maiores teorias conspiratórias do século XX: o destino dos cadernos de anotações perdidos do subestimado inventor e físico sérvio Nikola Tesla.

Assim como o detetive noir, Tesla acreditava muito mais na intuição do que na ciência ortodoxa e pagou um preço caro por isso: foi destruído pelos seus financiadores norte-americanos Westinghouse e JP Morgan, quando estes se sentiram enganados ao descobrirem que Tesla usava o dinheiro para pesquisar a energia livre e sem fios através da atmosfera – um contrassenso aos interesses econômicos monopolistas.


Tesla morreu em 1943 solitário em um quarto de hotel em Nova York, financeiramente quebrado e na companhia de um bando de pássaros. Seu precioso caderno de anotações com apontamentos e diagramas teria sido confiscado pela inteligência militar americana. Subprodutos das suas descobertas, em torno de 700 patentes, estariam espalhados por todos os lados, do rádio e TV, passando pela Corrente Alternada que conduz energia elétrica a distâncias, até chegar a componentes de computadores. Tesla inventou o século XX – mais sobre ele clique aqui.

Mas a principal invenção estaria cercada de mistérios: o chamado “raio da morte”, imortalizado pela literatura pulp fiction scy fiao longo de décadas. Tesla acreditava que se ambos os lados tivessem a arma seria criado um impasse estratégico e, por fim, a paz mundial. Porém, DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), CIA e o complexo militar norte-americano conspiram para tornar a arma unicamente propriedade do lado americano.

Essa é a ambiguidade do título do filme: refere-se ao lado americano das cataratas do Niágara onde um dos personagens se matou; mas também é o esforço de uma conspiração governamental para que a grande invenção de Tesla fique do lado dos EUA. E o detetive anti-herói de The American Side, sem querer, mergulha nessa trama sinistra onde só pode contar com sua intuição.

O Filme


Escrito pelo ator principal Greg Sthur e dirigido por Jenna Ricker é uma aventura com diversas referências que vão do film noir ao suspense de Hitchcock, cheio de personagens obscuros e que fazem a delícia dos cinéfilos. A narrativa gira em torno do caderno de anotações perdidos de Tesla, procurado por luminares da ciência, FBI, CIA, DARPA e até por agentes da terra natal do inventor, a Sérvia.

O detetive particular Charlie Paczynski (Sthur) nunca sequer ouviu falar de Tesla e nem tem qualquer interesse em aprender. É um detetive barato que fuma um cigarro atrás do outro enquanto investiga casos de traição conjugal reunindo provas por meio de fotos.  


Mas em um dos casos a coisa foi mais longe do que imaginava. Ao tirar as fotos de um dos investigados, Tom Soberin, em um encontro amoroso em um carro sob o neón de uma roda gigante de um parque de diversões, tudo acaba terminando abruptamente com um tiro matando a companheira. O que Charlie não sabia é que Soberin não era apenas um velho mulherengo. Era um engenheiro mecânico que trabalhava para a empresa Chase and Whitmore em um projeto secreto.

Ao investigar o assassinato da amante de Soberin, Charlie cai em uma teia de espionagem internacional. Todos estão à procura de uma página perdida do caderno de Tesla, com projetos e diagramas de uma invenção capaz de mudar a geopolítica mundial – o “raio da morte”.

Durante todo o resto do filme acompanhamos uma trama complexa, e algumas vezes confusa: um professor que supostamente se matou nas cataratas do Niágara se jogando dentro de um barril (no “lado americano” das cataratas); uma engenheira sexy e brilhante chamada Nikki, uma agente do FBI que pode não ser quem diz ser; um rico vilão psicótico interpretado por Matthew Broderick que parece querer dominar o mundo com as invenções de Tesla e sua irmã Emily que faz o jogo da donzela em perigo, mas com alguma espécie de plano de revelar o projeto da energia livre e ilimitada do inventor Tesla. E uma galeria de outros personagens suspeitos que apenas servem de pistas falsas tanto para o detetive quanto para o espectador.

Charlie é paranoico, somente se comunica através de telefones públicos e tem uma atração pelo lado underground ou “perdedor” da sociedade. Quando no filme o comparam a Philip Marlowe, famoso personagem dos filmes noirinterpretado por Humphrey Bogart, Charlie é seco – “prefiro Mike Hammer”, menos conhecido detetive de histórias em quadrinhos dos anos 1950.


O Detetive pós-moderno


Ao contrário do detetive clássico que fundou a modernidade, o detetive pós-moderno vive no submundo. Seus informantes são dançarinas e cantoras de boates, investigadores da polícia que vivem na fronteira com a ilegalidade. As cenas pontuais do filme são perseguições em estruturas industriais abandonadas ou à beira de abismos que despencam nas cataratas do Niágara.

É a vida por um fio em um mundo em ruínas. Em ruínas porque as aparências e as ilusões são destruídas pelo detetive, mas não através de um método dedutivo. Mas sempre por meio de coincidências, golpes. O detetive conta com o aleatório, o acaso.

O detetive pós-moderno, mais paranoico e menos racional, funda-se nas experiências marcantes do pós-guerra: as experiências das bombas atômicas em Nevada, o incidente da queda de um suposto disco voador em Roswell, EUA, no auge dos avistamentos de OVNIS na cultura pop nos anos 1950. Aliens? Área 51? Experiências secretas do Governo? O Governo é dominado por aliens ou sociedades secretas? Ou é tudo a mesma coisa?


Do pós-moderno ao gnóstico


As linhas de diálogo de The American Side chegam a citar o famigerado Bohemian Grove, clube exclusivo da elite mundial localizado na Califórnia onde, entre outras coisas, teria sido decidido o ataque nuclear ao Japão no final da Segunda Guerra Mundial. Tudo em meio a estranhos rituais de culto aos pés de uma gigantesca estátua de pedra na forma de coruja que remontaria à adoração a uma entidade luciferiana babilônica chamada Moloch – sobre isso clique aqui.

Embora muito carregado e caricato, o detetive Charlie aproxima-se do personagem gnóstico do Detetive, aquele cuja desconfiança radical diante da consistência (ou racionalidade) da realidade conduz ao estado alterado de consciência da paranoia: nessa verdadeira falha da razão, o personagem se abre para a descoberta de conexões impossíveis de serem descobertas por um método lógico.

Quando descobrimos os verdadeiros demiurgos por trás da aparente banalidade e realismo do dia-a-dia (os gigantescos interesses de corporações, governos e confrarias) tememos ter o mesmo destino do físico e inventor Nikola Tesla. E nesse instante tomamos consciência de que as “coincidências” e “acasos” fazem a realidade superar a ficção.



Ficha Técnica


Título: The American Side
Diretor: Jenna Ricker
Roteiro: Greg Stuhr, Jenna Ricker
Elenco:  Greg Sthur, Alicja Bachleda, Camila Belle, Matthew Broderick, Robert Foster
Produção: One Horse Shy Productions
Distribuição: The Orchard
Ano: 2016
País: EUA

Postagens Relacionadas




Alquimia e esoterismo em "Os Goonies", por J. B. de Oliveira

$
0
0

Os filmes de Spielberg sempre foram carregados de pistas sobre teorias conspiratórias e simbolismos esotéricos como em “E.T.” ou “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”. Spielberg foi fundamental para a mudança da opinião pública em relação a existência de seres-extraterrestres. Ele foi um dos principais precursores da guinada metafísica de Hollywood com a exploração de um mix de esoterismo, Ufologia (“Contatos Imediatos”, por exemplo, contou com a consultoria do ufólogo Allen Hynek) e simbolismo hermético. Mesmo o filme “Os Goonies” (1985), que mergulha no imaginário infanto-juvenil de caças a tesouros, trapalhadas e travessuras, está repleto de simbolismos herméticos e alquímicos.

Steven Spileberg coloca muitos simbolismos em seus filmes, inclusive símbolos esotéricos, como em Caçadores da Arca Perdida, ET, Super-8, e Indiana Jones e as Caveira de Cristal.

Neste filme, podemos ver que o encontro com o espírito de “Willy Caolho”, somado com a busca do próprio tesouro, representa um conceito similar à chegada do ET. Um ET é até mesmo mencionado alegoricamente no filme - na verdade é o Sloth.

Simbolismos fálicos


Desde o início, o filme é altamente sexualizado, e a sexualidade tem um papel importante para a narrativa. O guia e “professor” do personagem principal (Michael) é o pirata “Willy Caolho”. Em inglês, seu nome, “One Eyed Willy”, pode ser interpretado como uma referência ao órgão sexual masculino (Willy é um apelido do pênis no reino unido), e “one eyed snake” (cobra de um olho só) é também um epíteto humorístico do pênis.

Se considerarmos também o simbolismo peniano da cobra, um paralelo interessante com Miguel e o Dragão, nesse caso Miguel e a Cobra, pode também ser pensado.


No início do filme, há uma cena na qual o pênis de uma estátua é quebrado, cai, e depois é restituído, de uma forma alterada. Isso nos lembra o falo de Osiris sendo cortado junto com seu corpo e jogado na água, sendo achadas e restauradas todas as partes de seu corpo, menos seu pênis. Creio que isso foi um motivo esotérico deliberadamente colocado no filme.

Ouro e Alquimia


Como na Alquimia, o Ouro, como os outros metais, são desenvolvidos embaixo da terra numa Matriz ctônica, a Caverna na qual os heróis têm de entrar e da qual devem sair vivos.

A matriz feminina parece estar viva, e tem perigos assim como como doces prazeres- as cachoeiras, beijos. O subterrâneo é também um dos símbolos mais comuns do inconsciente, para o qual os heróis precisam descer para encontrar o ouro interno.

Na aventura aparece uma oportunidade apressada e fora de hora de sair da “katabasis” através de um poço dos desejos. Isso representa o desejo tanto como motivador da empreitada esotérica como quanto tentação de sair antes da hora. Apenas pelo guia Michael e sua insistência em achar o ouro, os outros “elementos” (personagens) decidem continuar a jornada, direcionando o desejo para a meta, pois não era ainda hora de voltar para o “xaos”.


Sloth: o desenvolvimento interrompido


Sloth simboliza um desenvolvimento interrompido e estagnado, um dique doente de energia, preso numa condição miserável. Na Alquimia, os metais inferiores ao Ouro são pensados como presos num desenvolvimento interrompido, cristalizados de forma inferiorizada, sendo em essência todos Ouro, mas por alguma razão necessária/empírica presos no fluxo de energia, e a alquimia os aperfeiçoa para sua condição correta. Isso é representado pelo final, onde Sloth rasga suas roupas velhas e revela uma camisa do Superman, um símbolo totalmente Solar, e símbolo do Ouro. Sloth também representa a matéria prima.

Os esqueletos e ossos da caverna representam informação velha esperando ser transmutada, representam o elemento solidificador do Sal, mas o sal não é só da solidez, é um conceito muito ambíguo. O Sal também pode ser chamado de “saltador”, e ele é responsável tanto por gravação de informação quanto por solidificação entelequial. Também pode ser um símbolo da metempsicose, e as almas dos exploradores e piratas mortos e outros sacrifícios ainda espreitam nos vapores úmidos da caverna, gravados indelevelmente em seus ossos.


O Olho da Mente


A comunicação do personagem principal com Willy Caolho pode ser considerada também como um acesso ao “olho da mente”, pois além de uma referência ao órgão genital, “One Eyed Willy” também lembra o “olho de horus” ou o “olho no triângulo” ou terceiro olho (portanto um único olho, isolado dos outros dois). No final, ele se recusa a pegar a parte de Willy do tesouro, algo que se esperaria quando lidando com uma múmia sagrada egípcia.

No final, eles testemunham a majestade completa do Ouro, e conseguem retornar à superfície e ao Sol, e apesar de que no mundo material nem toda a majestade do tesouro possa ser manifestada, a não ser pela emergência e saída do navio pirata, antes morto, renascendo como Osíris, o tesouro continuando escondido, mas algumas egemas conseguem sair, como uma destilação final, daquela “grande centrífuga” mortal que foi a aventura. Essas pedras preciosas realizam o desejo das crianças e de seus pais de manterem seus lares.

O Mal é derrotado e as ligações que foram cortadas no separatio são novamente reunidas, desta vez de uma forma vitoriosa e rejuvenescida.

J.B. de Oliveira (Pedro Marcus Jaime Basíliso de Oliveira) –estudante de psicologia de Saquarema, Rio de Janeiro. Leio sobre temas esotéricos e similares desde aprox. 2010, mas me interessei por eles já desde criança. Quando criança comprei o Gatilho Cósmico e fiquei meio intrigado. Tenho interesse nas áreas da Alquimia, Gnosticismo, Parapsicologia, confluência da ciência e esoterismo, mitologia, simbolismo, e as relações de tudo isso com a paranoia, conspirações e doença mental (como no caso de John Nash, David Icke e outros), e também da relação com as drogas psicodélicas (mas esse não é muito meu foco) e com a possivel incidência de outra(s) dimensão(es) em nossas mentes. Tenho trabalhado muito em cima da obra dos autores: Kenneth Grant, Walter Russell, Michael Talbot, Jonathan Barlow Gee, Ken Wheeler (vídeos de magnetismo e artigos sobre a proporção áurea e filosofia). O livro "A Religião Proibida" foi minha introdução ao gnosticismo, e o considero, apesar do extremismo, uma das melhores sínteses gnósticas. (disponível grátis na internet).





Ficha Técnica


Título: Os Goonies
Diretor: Richard Donner
Roteiro: Steven Spilberg, Chris Columbus
Elenco:  Sean Astin, Josh Brolin, Jeff Cohen, Corey Feldman, Kerri Green
Produção: Warner Bros.
Distribuição: Warner Bros.
Ano: 1985
País: EUA

Postagens Relacionadas



Os novos demiurgos do ensino superior e o materialismo histórico

$
0
0

“Nem parece que estou dando aula”, ouvi certa vez de uma professora entusiasmada com uma nova metodologia de ensino cada vez mais comum em universidades adquiridas por grupos turbinados por fundos internacionais de investimento. Lembra o slogan daquele banco comprado pelo Itaú, “nem parece banco”.  Hoje, a financeirização descobriu o ensino superior e trouxe a racionalidade capitalista para um setor onde o ofício do professor era um entrave na linha de produção moderna por ser ainda um antigo resquício escolástico. Dos antigos donos de faculdades  “boca de metro” pulamos para os “global players”, os novos demiurgos. Repete-se a lógica industrial prevista pelo velho materialismo histórico de Marx: trabalho complexo deve ser convertido em trabalho simples, transformando o professor num profissional destituído do seu ofício. Mas para que isso torne-se uma fatalidade natural da vida é necessário um discurso imaginário:  a ilusão (o fetiche do título e publicações), a ideologia (a meritocracia) e uma retórica - a “metodologia ativa”. Talvez a metáfora daquela professora seja mais literal do que ela imaginava...


Karl Marx insiste em não morrer. Ele e a sua abordagem metodológica de estudar a sociedade, o materialismo histórico. Não porque as esquerdas continuem invocando suas ideias muitas vezes para legitimar ações políticas que talvez Marx, se vivo, certamente discordaria.

Mas porque o Capitalismo, agora na chamada fase “tardia”, criou novas e inusitadas formas de se perpetuar através dos inventivos mecanismos de financeirização – como, por exemplo, fundos globais de investimentos com carteiras diversificadas que podem ir de títulos públicos da dívida de um país até investimentos em empresas de tecnologia, marketing esportivo, saúde ou educação.

Boca de metro e pés-de-chinelo


 Um dos motivos que levou esse ingênuo blogueiro a escolher a carreira acadêmica foi acreditar que por descender do método escolástico medieval, a universidade seria um dos setores mais anticapitalistas. Resistiria estoicamente ao avanço do capital e à mercantilização generalizada da cultura.

Claro que o ensino superior particular cresceu nas mãos de empresários locais (membros de conselhos de clubes de futebol, donos de antigos cursos de admissão ao ginásio ou de escolas técnicas) que acabaram criando as chamadas “fábricas de diplomas”, “faculdades de boca de metrô” ou de “universidades pé-de-chinelo”, como certa vez acusou o filósofo Arthur Giannotti quando membro do Conselho Nacional de Educação do governo FHC.

Porém, ainda eram, por assim dizer, representantes da antiga burguesia da época histórica do renascimento comercial e urbano. Se no renascimento comercial a burguesia criou oficinas formadas por mestres, artesãos e aprendizes, também as faculdades privadas construíram instituições cujos “mestres”, “artesãos” e “aprendizes”, dentro das condições adversas reinantes (salas superlotadas, salários baixos pagos muitas vezes por caixa dois, extensa jornada de trabalho etc.), ainda detinham um “saber-fazer”.


Vivíamos sim nos moldes da exploração capitalista, mas ainda dentro do primitivo regime daquilo que Marx chamava de “mais-valia absoluta”, produção de riqueza pelo aumento do ritmo do trabalho e vigilância sem nenhum tipo de compensação em troca.

Mas ainda dentro desse regime de exploração, o professor, como um artesão que ainda detinha o ofício (conhecimento e metodologia), fechava a porta da sala de aula e tentava manter o espírito da escolástica. Em meio a um regime de produção capitalista em larga escala, a faculdade particular ainda tinha que lidar com um insumo de produção que resistia às formas de quantificação de uma linha de montagem. O professor ainda era um artesão que detinha um conhecimento contínuo, cumulativo, qualitativo e analógico.

Dos arcontes aos novos demiurgos


 Em outras palavras: o professor era explorado, mas não despojado do seu saber. A exploração era do trabalho e a alienação era a do corpo e da mente pela exaustão física.

Os burgueses comerciais do ensino superior eram semelhantes aos arcontes (na mitologia gnóstica seres espirituais que controlam cada um o seu mundo que compõe o cosmos) ou disciplinadores que prepararam o terreno para a chegada dos novos demiurgos – a entrada do ensino universitário no modo de produção especificamente capitalista, o trabalho industrial.

A racionalidade capitalista chega hoje ao ensino superior com a entrada do capital estrangeiro dos fundos de investimentos que estão por trás turbinando grupos educacionais e criando a oligopolização do setor. Os antigos arcontes venderam suas faculdades, negócios originados de empresas familiares, para os novos demiurgos – muitos deles “global players” com redes de universidades particulares pelo mundo.


Na linguagem do materialismo histórico, passamos do regime da mais-valia absoluta para a mais-valia relativa. O trabalho complexo do artesão na manufatura (conhecimento e metodologia pedagógica do professor) deve se tornar trabalho simples– quantificado, fragmentado.

Em outras palavras: a quantidade de trabalho social presente no atividade do professor (muitas vezes resultado do investimento público em bolsas de mestrado e doutorado) deve ser diminuída por ser uma pedra no sapato para o novo ritmo de trabalho e disciplina que o modo de produção especificamente industrial exige.

Das máquinas às “metodologias ativas”


Se em Marx o trabalho social é substituído pelo maquinário, no ensino universitário será por “metodologias ativas” (“teaching-learning”) de ensino onde cada vez mais o “conteúdo” (a pedra qualitativa no sapato da quantificação) cede lugar a “jogos” ou “dinâmicas” previstos minuto a minuto em planilhas Excel. O ofício do professor-artesão (o trabalho social) é diluído no saber-fazer de gestores e coordenadores que personificam o papel da antiga gerencia responsável em ditar o ritmo da linha de montagem taylorista.

Com um plano de ensino “engessado”, o professor torna-se um “facilitador” que busca “engajar” ou “motivar” alunos para uma dinâmica (ou ritmo) imposto pelos gestores.

Ou como ouvi certa vez um professora dizer, extasiado: “nem parece que estou dando aula!”. Mal sabia ela da literalidade da sua metáfora...

Ilusão, Ideologia e Retórica


Acompanhando a metodologia do materialismo histórico, além da exploração e dominação, para se estabelecer um modo de produção são necessários outros três requisitos. Dessa vez de natureza imaginária: o véu da ilusão, a ideologia e um sistema retórico.

(a) O véu da ilusão


Assim como Marx afirmava em O Capital que o capitalismo era uma gigantesca fantasmagoria pois o fetichismo da mercadoria não nos deixava ver o que havia por trás das relações sociais de produção, da mesma maneira o modo de produção do ensino superior criou sua própria fantasmagoria: titulações e “produção científica”.

“Publish ou perish”, publique ou pereça, virou um mantra no meio acadêmico como um fim em si mesmo – o fetichismo das publicações. Tal como na situação absurda beckettiana onde se espera tanto por Godot que esquecemos o porquê da espera, as publicações perderam qualquer lastro científico e viraram um campo de simulações: autoplágio, textos escritos a inúmeras mãos que pegam carona no artigo, conluios com pareceristas de periódicos “científicos”, artigos onde as notas de rodapé ou referencias finais compete em tamanho com o próprio texto, ghost writers, textos preguiçosos, colcha de retalhos etc.

O fetichismo da produção científica cria um verniz necessário para uma atividade-fim (o ensino) que perdeu o sentido na sala de aula, já que o ofício do professor foi primeiro engessado e depois diluído.


(b) Ideologia


Marx concebia a ideologia como uma falsa consciência para dissimular a dominação. No modo de produção universitário é a ideologia meritocrática, decorrência direta do fetichismo das publicações. Títulação + publicações + cursos de aprimoramento é a fórmula para acumular méritos e até a ascensão salarial na carreira. Aqui temos um maquiavelicamente curioso fenômeno: essa fórmula tem uma função muito mais disciplinadora e auto-referencial do que de produção de conhecimento científico-pedagógico.

De um lado os cursos viram verdadeiras sessões de adestramento das competências exigidas nos planos de ensino engessados. São apenas auto-referenciais, reforço comportamental do novo papel em sala de aula do professor destituído do seu ofício.

Além de ser uma maquiavélica função subliminar presente em todas as seitas: quanto mais o indivíduo se mantiver ocupado com o acúmulo de atividades, muitas vezes simultâneas (ainda mais com a alternativa do ensino à distância), menos pensará sobre o propósito daquilo que está fazendo – sobre isso clique aqui.

O risco para o professor é que de repente ele terá tantos méritos, títulos e publicações que suas expectativas aumentarão perigosamente para uma atividade sem expectativas – já que as aulas engessadas pelas “metodologias ativas” estão totalmente dissociadas dos conteúdos e competências conquistadas na pós-graduação. Poderá ser a hora de demiti-lo, junto com todos os seus méritos.

Pierre Bourdieu e Paulo Freire

(c) Retórica


Depois de tudo isso, aqui está a cereja do bolo, o pulo do gato. Todas essas novas metodologias ativas, supostamente pedagógicas, devem ter uma aparência revolucionária, progressista e intelectualmente estimulante. Tal como o fetichismo em Marx onde as mercadorias “lançam olhares amorosos aos compradores”.

Autores da tradição crítica ao sistema educacional como o francês Pierre Bourdieu ou o brasileiro Paulo Freire são ironicamente utilizados para legitimar coisas como “metodologia ativa”: se Bourdieu denunciava o poder simbólico do professor e Paulo Freire acusava a “educação bancária” (onde o professor deposita conhecimento em um aluno desprovido de seus próprios pensamentos), nada melhor do que cortar o mal pela raiz: retire o ofício do professor para que deixe de ser uma figura autoritária e manipuladora.

A partir de citações desses autores, retirados do contexto, doura-se a pílula da quantificação do ensino com uma retórica “crítica”.

Destituído do seu ofício, o professor transforma-se no insumo de produção ideal da cadeia produtiva presente em todos os outros setores da sociedade. Ele tem o mesmo destino que os antigos artesãos tiveram com a substituição da manufatura pela fábrica: seu ofício foi roubado pela gerência e colocado em planilhas para ser fragmentado e inserido no controle numérico das máquinas.

Postagens Relacionadas











Curta da Semana: "The Nostalgist" - estamos viciados em nossas ilusões?

$
0
0

Se a vida de um ser humano é uma coleção de memórias, podemos enganar a nós mesmos fingindo algo que nunca aconteceu? Podemos aliviar do peso do passado através do nosso sentimento de nostalgia? Estas são as principais questões levantadas no curta “The Nostalgist” (2014) de Giacomo Cimini baseado no bestseller “Robopocalypse” do engenheiro de robótica e escritor Daniel H. Wilson. Combinando imersões em realidade virtual e realidade aumentada, o curta mostra pai e filho vivendo uma realidade idílica que, aos poucos, demonstra ser apenas uma fina interface sobre um mundo distópico. Assim como os protagonistas do filme, por meio da tecnologia estaríamos também criando falsas memórias de nós mesmos? Estamos também viciados em nossas próprias ilusões?

O curta aproxima-se bastante do universo de Philip K. Dick, principalmente do conto de 1968 Do Androids Dream of Eletric Sheep? que foi a inspiração do filme Blade Runner de Ridley Scott em 1982 – androides replicantes de uma geração superior, os Nexus, tão parecidos com humanos que colecionavam fotos como fossem lembranças das suas infâncias. Na verdade memórias artificiais inseridas pelos seus fabricantes para simular o psiquismo.

Em The Nostalgist acompanhamos um pai e um filho que vivem em uma espécie de passado idílico: prédios e ambiência com um mix de era vitoriana com art noveau francesa do final do século XIX. Mas de repente percebemos que essa realidade não é assim tão consistente: o pai nota que há algo errado com seus óculos ao ver a si mesmo em um espelho – ocorrem lapsos de imagem onde vê a si mesmo como uma outra pessoa, em outra realidade escura e bem diferente dos tons pastéis em que parece viver.


Na verdade, o protagonista é obcecado pelo passado que o constrói a partir de um óculos em realidade aumentada – um “immersion system”. Um óculos que trabalha diretamente com o real onde o irrealismo 3D (a construção de uma era vitoriana em tons pastéis) se sobrepõe ao mundo distópico em que vive.

O interessante no curta é que enquanto ele tem consciência disso, o seu “filho” (na verdade um androide) interage como estivesse em uma realidade virtual (RV) – ele acredita ser uma criança humana enquanto observa as fotos da sua infância e de uma família que nunca existiu.

A narrativa do curta combina, portanto, RV e realidade aumentada (RA) de uma forma surpreendente, criando a todo momento o conflito entre realidade e virtualidade onde aos poucos o pequeno androide de origem militar vai despertando do seu sonho eletrônico.

Como o leitor observará, a tecnologia do óculo de realidade aumentada tem origem em “lixo militar” que é reciclado e depois vendido em espécie de mercado negro para pessoas viciadas em viver na virtualidade e por meio de uma fantasia pessoal fugir daquele mundo distópico.  Mas há “milícias”, espécie de policiais que confiscam esses equipamentos ilegalmente comercializados.


Realidade e Memória

The Nostalgist propõe uma interessante discussão sobre a natureza ontológica da realidade: ela pode ser construída tecnologicamente através da RV e RA, mas é necessário um importante complemento psíquico para que a imersão esteja completa: a memória.

Por exemplo, em Blade Runner, os replicantes Nexus colecionavam fotos como fossem suas próprias memórias. Tão apegados a elas, não se conformavam com seu curto tempo de de vida (quatro anos) até o “desligamento”. Apegaram-se à realidade como fosse a deles mesmos. Aqui em The Nostalgist, o pequeno androide filho crê nas fotos da sua suposta infância, até se ver refletido em uma poça d’água.

Outro detalhe curioso no curta: sempre a virtualidade é desmascarada por meio de reflexos: ver a si mesmo no espelho ou na água. No caso do pequeno androide, criam-se conotações psicanalíticas: assim como na fase do espelho o bebê, ao ver a si mesma refletida nos olhos da mãe, dilui a relação edipiana e sai da Natureza para ingressar no mundo simbólico da Cultura, o pequeno androide rompe com a virtualidade idílica e narcísica para descobrir a si mesmo como uma destrutiva arma militar.

Mas quando trazemos essa questão para a nossa realidade, a coisa fica mais complexa: nós também colecionamos fotos e memórias das nossas vidas. Tal como o protagonista do curta, também nos viciamos em diversos tipos de RAs – games, Google Glasses, aplicativos etc. Podemos criar realidades idílicas e nostálgicas (nos viciarmos, por exemplo, no universo Harry Potter e imergirmos como cosplayers).

Como o fenômeno das redes sociais como Facebook ou Twitter demonstram, nossas memórias podem ser tão artificiais como as do pequeno androide do curta. Se no passado posávamos para fotos ou criávamos momentos artificiais para serem fotografados e serem lembrados como real, agora nas nossas timelinescriamos uma narrativa ilusória de nós mesmos: selfies engraçadas, transmissões ao vivo de eventos pessoais etc.


Para um ano depois o Facebook nos lembrar desses momentos e tomarmos como memórias genuínas de coisas que, afinal, foram apenas encenadas. O problema é que se no curta o irrealismo é desmascarado pelo reflexo, em nossas vidas os reflexos estão perdendo essa propriedade emancipadora: ao olharmos a nós mesmos, nos tomamos pelo nossos simulacros produzidos em fotos, selfiese timelines.

Lixo militar

Com o advento da RA e o retorno atual da tecnologia RV, essa imersão em nossas próprias ilusões tende a aumentar exponencialmente.

Em The Nostalgist há também uma linha de diálogo que deve nos fazer pensar: “o que é construído a partir de lixo militar será sempre militar. Uma arma, no fundo”. RA e RV são tecnologias de, no mínimo, duas décadas atrás cuja primeira aplicação foi para treinamento militar.

Isso lembra as teses do pesquisador francês Paul Virilio sobre a militarização da vida civil: lidamos cada vez mais em nossas vidas com subprodutos tecnológicos de dispositivos militares. Depois de aplicados e sucateados, são comercializados para civis. Mas ainda são armas.


Armas que subliminarmente se voltam contra nós, ao nos viciarmos nas próprias ilusões que criamos.



Postagens Relacionadas









Motivação, alquimia e rebelião: 7 cenas sobre demissão no cinema

$
0
0

Por decurso de prazo e fim do prazo de validade, depois de 30 anos lecionando e pesquisando na Universidade esse humilde blogueiro foi demitido. Para espiar os demônios internos, nada melhor do que dar uma olhada em como o cinema representa esse divisor de águas na vida de qualquer um. Representações alquímicas, mensagens motivacionais, meta-demissões, cruel antropologia corporativa e mergulhos nas águas profundas da rebelião, com direito a automutilação e chantagens, estão nas sete melhores sequências de demissão no cinema recente selecionados pelo “Cinegnose”.

Sabemos que o cinema surgiu como entretenimento na fase mais aguda da regularização das relações de trabalho na história do capitalismo. Por exemplo, o chamado cinema slapstick (os filmes mudos ou “pastelão” de Chaplin a Harold Loyd) surge no momento mais tenso das relações trabalhistas e sindicais nos EUA.

E esses comediantes e diretores começaram fazendo curtas para serem exibidos nos “Nickelodeons”, formas primitivas de exibição compostas por pequenas salas de cinema no início do século XX – com sessões contínuas frequentado por trabalhadores, migrantes e desempregados que bebiam, fumavam e discutiam enquanto assistiam aos filmes. Chaplin, Loyd, Alf Colins entre outros representavam personagens desempregados, semiempregados ou biscateiros, sempre às voltas com a repressão policial e vivendo no limite da legalidade.

Mais tarde o personagem do “adorável vagabundo” de Chaplin ou as trapalhadas do Gordo e o Magro e Os Três Patetas continuaram essa tradição de anti-heróis que desafiavam a Ordem, agora já em salas de cinemas maiores. Isso ser imposto o Código Hays na indústria do cinema que enquadrou o conteúdo moral e ideológico dos filmes.

Por isso o cinema sempre viveu um movimento pendular entre quebra da ordem e retorno a ordem. O que pode ser percebido nas representações que os filmes fazem sobre os momentos das demissões: ou são representados como momentos motivacionais e de virada na vida (“crise é oportunidade” e assim por diante); ou então de forma cínica e neutra mostrando como a cultura corporativa tenta dourar a pílula; ou de forma anárquica e explosiva onde o demitido subverte a ordem e põe as regras a seu favor.

Uma pequena lista do Cinegnose das melhores cenas com demissões no cinema e audiovisual com exemplos de movimento pendular das quebras e retornos a ordem.


7 - Série Breaking Bad (2008-2013): demissão e Alquimia


Ser demitido é um processo alquímico radical de transformação. Walt transforma seu desespero silencioso em redenção. Walter White é um professor de química do ensino médio e depois atendente de lava-rápido que desenvolve câncer terminal na América do seguro de saúde privado. Reagindo a uma série de injustiças que se acumulam, Walt decide  produzir e vender metanfetamina (a utilização mais útil da Química) a ter que aturar um chefe idiota em seu segundo trabalho.

Uma das melhores cenas de rebelião raivosa desta famosa série. Ao lado de filmes como Blue Velvet e Beleza Americana, é um dos melhores filmes de aplicação dos conceitos alquímicos de transformação da matéria na vida pessoal de um personagem. Como na Alquimia, a primeira fase é a de mergulho no caos (o “caldo primordial”). E Walt mergulha de cabeça no submundo de dealers e drogados, depois de dizer “Fuck You Bogdan. I said fuck you and your eyebrows”.  Mais sobre alquimia e Breaking Badclique aqui.


6 - Amor Sem Escalas (2009): a meta-demissão


Com esse nome e o sorriso irresistível de George Clooney se esperava um roteiro de mais uma comédia romântica. Porém, o que vemos é um filme cínico e irônico, focado nos dramas existências do mundo corporativo em um mundo ética e economicamente em crise. Aqui, Hollywood vê a demissão de forma neutra e metalinguística.

O trabalho de Ryan Bingham (George Clooney) é demitir pessoas. Por estar acostumado com o desespero e a angústia alheios, ele mesmo se tornou uma pessoa fria. Além disto, Ryan adora seu trabalho. Ele sempre usa um terno e carrega uma maleta, viajando para diversos cantos do país. Até que o avanço tecnológico volta-se contra ele, passando a viver a ameaça de cair numa  situação análoga aos seus demitidos: seu chefe contrata a arrogante Natalie Keener (Anna Kendrick), que desenvolveu um sistema de videoconferência onde as pessoas poderão ser demitidas sem que seja necessário deixar o escritório. Este sistema põe em risco o emprego de Ryan.

Um curioso roteiro com o argumento da meta-demissão. É a mensagem cínica: na América das oportunidades ninguém está livre de ter seu pedaço de queijo roubado.

Abaixo a sequência onde o novo sistema de demissão por video-conferência ameaça o emprego de Ryan.



5 - Larry Crowne – O Amor Está de Volta(2011): demissão é motivação


Ao lado de atrizes como Meg Ryan e Jennifer Aniston, Tom Hanks é outro queridinho da América. No seu currículo filmes construtivos, motivacionais, sobre esforço e superação individual numa América ávida por exemplos de luta e vitória.

Mostra como é possível se reerguer após demitido. Como se redescobrir, viver novas aventuras e descobrir como as pessoas ao redor são importantes para alcanças o maior objetivo: viver feliz com aqueles que amamos.

A mensagem é se encher de otimismo, apesar da crise econômica. Crowne é a representação máxima do empregado esforçado e despedido por um detalhe: não tem diploma de nível superior. Parte então para uma faculdade comunitária para viver uma comédia romântica do self made man. Nesse filme, Hollywood retorna à ordem numa América pós-crise da explosão da bolha imobiliária de 2008.


4 - Queime Depois de Ler (2008): a Antropologia Corporativa de John Malkovich


Na sequência inicial vemos o agente da CIA Osborne Cox (John Malkovich) se dirigindo ao escritório de seu superior onde estão outros dois diretores da agência com rostos amarrados e olhar inquisidor. Ele recebe a notícia que está sendo “desligado”. “De que porra você está falando?”, reage Osborne. “Você tem problemas com bebidas”, acusa o diretor. “Você é mórmon? Perto de você todos têm problemas com bebida!”, retruca Osborne. Enquanto o seu chefe suplica: “isso não precisa ser desagradável!”

E no final, a indagação de Osborne que é uma síntese de páginas e mais páginas de teses e dissertações sobre Antropologia Corporativa: “Mas que raios é isso? Esqueci de beijar o rabo de quem?”. 

Nesses filmes os Irmãos Cohen estão mais afiados do que nunca, mostrando o burlesco e o patético em situações como essas.



3 - Network – Rede de Intrigas (1976): onde os velhos não têm vez


Esse é um filme de uma época disruptiva de Hollywood com produções apresentando anti-heróis instáveis, obsessivos e paranoicos num momento de maturidade onde a arte consegue fazer um diagnóstico do mal estar da sociedade norte-americana.

Sidney Lumet mostra o drama “do primeiro homem a morrer pelos baixos índices de audiência”, Howard Beale, veterano apresentador do telejornal da rede UBS. Há tempos a emissora está no vermelho. Jovens executivos e uma diretora ambiciosa decidem demiti-lo. Em pânico, Beale anuncia o seu suicídio, ao vivo, diante das câmeras, na próxima edição do telejornal. A partir desse ponto tudo vira um freak show: a audiência dispara e os discursos indignados de Beale viram a melhor atração que promete dar lucros para a UBS. Beale vira um pastor televisivo.

Outro veterano, o chefe do Jornalismo e amigo de Beale, Max (William Holden) quer leva-lo a um psiquiatra antes que aconteça o pior, mas o ambiciosos executivos decidem mantê-lo apesar do protesto. Dessa vez é Max que é demitido numa sequência onde ele ameaça espalhar a sujeira para o jornalismo das outras redes. Diante do seu chefe e da jovem diretora (Faye Dunway), com a qual tinha um caso, dispara: “Digamos simplesmente... foda-se, meu docinho!”.

Na rede UBS os velhos não têm vez e os jovens são capazes de autofagicamente destruir a emissora para arrancar lucros e fazer bonito na reunião de acionistas - mais sobre o filme clique aqui.


2 - Beleza Americana (1999) – A chantagem compensa


A partir desse ponto começamos a mergulhar nas águas profundas da anarquia a rebelião. Primeiro com o diretor Sam Mendes em Beleza Americana.

Como abandonar um trabalho que você odeia? Com chantagem e um sorriso. Lester (Kevin Spacey) consegue uma demissão com um ano de salario mais benefícios chantageando o chefe “que comprava sexo com dinheiro da empresa, o que tecnicamente constitui fraude que os cliente da empresa vão saber...”. “E sem falar a mulher do Craig”, completa com um sorriso cínico.

“Sou apenas um cara comum que não tem nada a perder”, completa Lester com a filosofia de Tyler Durden em Clube da Luta vai explicitar em um nível existencial: quando perdemos tudo é quando nos sentimos mais livres” - mais sobre o filme clique aqui.



1 - Clube da Luta (1999) – a dor é libertação


Sem dúvida, o filme de David Fincher apresenta uma das melhores cenas de demissão da história do cinema onde o Narrador (Edward Norton) chantageia seu chefe agredindo a si mesmo. Perplexos, testemunhamos um tour-de-forcede automutilação que caminha para a tênue fronteira entre o cômico e o aterrorizante ao vermos ele perfurando o próprio rosto e se jogando em mesas com tampas de vidro e prateleiras cheias de objetos cortantes.

“Está demitido!”, diz o chefe após sofrer a chantagem do Narrador de contar ao Governo como a companhia de seguro lesa os clientes. E como Lester em Beleza Americana, exige salário e benefícios sem trabalhar. Para em seguida dar início a uma das cenas mais perturbadoras da história do cinema. E no final os seguranças entrarem e verem o Narrador ensanguentado ao pés do chefe com as mãos também ensanguentadas. Vingança e chantagem!

É a síntese da filosofia do Clube da Luta: silenciar o corpo através da dor para que a mente se liberte desse “mísero composto universal” do qual fazemos parte - mais sobre o filme clique aqui.

Filme "Sonho Tcheco" pergunta: publicitários mentem?

$
0
0

Dois estudantes da Academia de Cinema de Praga (FAMU), República Tcheca, têm a ideia de produzir um documentário cínico e irônico sobre a campanha publicitária de um hipermercado. Ele se chama “Sonho Tcheco”, tem jingle, logotipo, folhetos distribuído por toda cidade, outdoors em rodovias, o rosto carismático dos gerentes em comerciais de TV, spots de rádio, mas... o hipermercado não existe! O filme “Sonho Tcheco”(Cesky Sen, 2004) nos mostra como na República Tcheca pós-comunismo os hipermercados viraram para muitos o único programa de lazer e como a Publicidade e Relações Públicas, por meio de estratégias etnográficas e neuromarketing, conseguiram levar três mil pessoas a um descampado onde apenas havia uma fachada sustentada por andaimes metálicos. De forma estranhamente engraçada, o documentário mostra como publicitários são capazes de mentir de forma consciente, sob o pretexto de apenas “atender a um cliente”.


Hoje é mais caro dizer que um produto existe do que fazê-lo efetivamente existir. A necessidade atual de mobilizar todo um aparato publicitário e de relações publicar para fazer que de fato alguma coisa exista na cabeça das pessoas, tornou a imagem um fim em si mesmo. A imagem de um produto passou a ser mais importante do que o próprio produto onde, muitas vezes, nem é necessário que fisicamente o próprio produto exista.

Foi com essa avaliação provocativa e absurda sobre a sociedade de consumo que dois estudantes da Academia de Cinema de Praga, República Tcheca, fizeram um documentário como trabalho final de curso. Filip Remunda e Vít Klusák queriam mostrar os efeitos devastadores do consumismo em uma sociedade pós-comunista.

A dupla de realizadores queria provar como, através da publicidade e relações públicas, é possível fazer as pessoas acreditarem em algo que não existe. E nesse caso, a escolha caiu sobre o hipermercado, uma verdadeira mania naquele país onde, de local onde vendem-se produtos necessários, tornou-se programa de encontros e passeios nos finais de semana.

Filip e Vit basearam sua ideia em uma pesquisa feita em 2002 pela Incoma Research na República Tcheca mostrando que 30% dos tchecos compravam apenas em hipermercados como um verdadeiro programa de lazer.


Os estudantes conseguiram convencer uma agência de publicidade multinacional  e uma agência de relações públicas a participar do projeto de divulgar um hipermercado chamado “Sonho Tcheco” que se limitaria a ser uma fachada cenográfica sustentada por andaimes de metal em um campo na periferia de Praga.

O resultado foi uma massiva campanha com outdoors em estradas, 200 mil panfletos distribuídos em Praga em trens, ônibus e metrô, comerciais de TV com um jingle que, entre outras coisas, dizia: “Se você não tem dinheiro, faça um empréstimo para alcançar o seu sonho tcheco...”.

Para no final conseguir atrair 3.000 pessoas na inauguração do falso hipermercado, numa manhã que coincidiu com um eclipse do sol.

O Filme


Sonho Tcheco começa com imagens do país na era do comunismo com longas filas nos supermercados devido a escassez de alimentos para, em seguida, mostrar cenas de 1989 onde policiais tentam conter tumultos nas ruas. Justaposto a tudo isso, cenas da abertura de um grande hipermercado em 2002 com um enxame de consumidores ávidos pelas ofertas enquanto a polícia tenta manter a ordem.

Em seguida corta para os diretores Filip e Vít que explicam o propósito do filme em um local descampado onde levantarão a cenografia do falso hipermercado chamado “Sonho Tcheco”.

O filme é extremamente didático ao mostrar todos os passos da criação da imagem de um produto que jamais existirá. Em primeiro lugar, a criação do “produto” que será vendido: Filip e Vit têm que perder o jeito de estudantes de cinema. Através de permuta, são vestidos com ternos da Hugo Boss enquanto um fotografo lhes ensina como parecerem executivos responsáveis e carismáticos. Eles viram a cara do “Sonho Tcheco”.


Mas um hipermercado vende o quê? Rótulos e embalagens são criados para embalarem itens prosaicos como um cacho de banana, garrafa de cerveja, caixa de leite etc. Com a marca “Sonho Tcheco”,  produtos comuns, comprados em qualquer mercadinho de praga, tornam-se produtos de grife superestimados. Eles aparecerão com ofertas absurdamente baratas nos folhetos espalhados por toda cidade.

Publicitários mentem?


Mas Filip e Vit levantam uma questão ética para os publicitários: se eles sabem que o hipermercado não existe, não estão mentindo? Acompanhamos uma verdadeiro malabarismo retórico dos profissionais da propaganda e relações públicas: para eles, Filip e Vít são apenas “clientes” que buscam os seus serviços. A responsabilidade ética para eles se resume a um produto final bem feito, sem preocupar-se nas consequências ou na existência do próprio produto.

Como diria o personagem relações públicas Nick Naylor no filme Obrigado Por Fumar“é o argumento de Nuremberg” onde no histórico tribunal nazistas se omitiam de qualquer sentimento de culpa ao dizer que apenas “cumpriam ordens”.

Com isso, Sonho Tcheco revela uma curiosa característica da publicidade atual: ela não mais representa um produto, mas reflete a ela mesma. Uma absoluta inversão non sense ou, por assim dizer, metafísica: a Publicidade não consegue mais representar características imanentes a um produto real, mas apenas divulga a seus próprios parâmetros do que um produto necessita para se tornar “real” – quer dizer, desejável porque visível.


Etnografia e neuromarketing


Outra parte muito didática do filme é o papel de uma doutora pesquisadora em comportamento do consumidor. Ela faz uma pesquisa etnográfica onde são gravados vídeos com depoimentos de pessoas nos hipermercados de Praga. Nas entrevistas são revelados sonhos, desejos e idiossincrasias das pessoas nesses locais de compra.

Para tudo culminar em uma inacreditável experiência de neuromarketing: em uma consumidora prototípica (uma dona de casa de meia idade) é acoplado na cabeça um dispositivo conectado a um computador e um monitor de vídeo que acompanha o movimento dos olhos enquanto a pessoa lê panfletos e anúncios impressos do hipermercado Sonho Tcheco - veja foto abaixo. 
Desses dados são gerados gráficos e planilhas que orientarão os designers na escolha de cores, layout e diagramação do material visual impresso, além dos vídeos publicitários de TV.

 Mas o pulo do gato da campanha foi a tática que denominaram como “publicidade reversa” com provocativas mensagens anticonsumo. Frases como “Não Venha!”, “Não Gaste!”, “Não Compre!” criaram a ambiguidade para criar o efeito viral desejado.

O que lembra a velha tática de marketing de guerrilha utilizada pelo fotógrafo Oliviero Toscani nos anos 80-90 com a marca italiana Benetton com fotos que supostamente queriam denunciar o caráter artificial da Publicidade: imagens realistas de doentes terminais de AIDS ou crianças famintas africanas. Benetton vendia porque era aparentemente anticonsumo e antissistema.


O Choque


Quando três mil pessoas apareceram no local da inauguração nas cercanias de Praga encontraram bandeiras, adereços, outdoors, um palco onde seria cortada a fita de inauguração ao som do jingle da campanha e... cadê o hipermercado?

As reações dos “consumidores” (a maioria carregando imensas sacolas e carrinhos de compras) foram as mais díspares. A mensagem dos cineastas foi entendida de diversas maneiras. Muitos queria linchar Filip e Vít - o que parece que ocorreu, como nos mostram imagens do trailer abaixo que não entraram na edição final. Outros conectaram a mentira com a campanha política naquele momento pela necessidade da República Tcheca entrar na Comunidade do Euro – assim como na publicidade, também na propaganda política compramos coisas que são falsas.

Outros condenaram um filme que enganava pessoas com dinheiro público – a FAMU (Film and TV School of Academy of Performing Arts in Prague) é mantida pelo Estado. Muitos outros, bem humorados, consideraram o evento uma oportunidade de saírem de casa mais cedo para assistirem ao eclipse do Sol que ocorreria naquela manhã.

Sonho Tcheco nos brinda ainda com imagens dos debates que se seguiram na TV da época, sobre a legalidade, ética e as conexões que analistas fizeram com a campanha da entrada do país no Euro.

Em muitos aspectos Sonho Tcheco se assemelha ao documentário brasileiro O Abraço Corporativo(2009) onde um jornalista criou um personagem fictício, enganando a grande imprensa brasileira sobre uma suposta técnica motivacional para tornar as organizações mais “humanas” – sobre isso clique aqui.

Tanto o Jornalismo como a Publicidade tornaram-se instituições fechadas em si mesmas, auto-referenciais, que não conseguem mais representar seja a notícia ou o produto – na verdade criaram um jogo de espelhos onde nada mais de concreto é transmitido, a não ser imagens que refletem a si mesmas.


Ficha Técnica


Título: Sonho Tcheco (Cesky Sen)
Diretor: Vít Klusák, Filip Remunda
Roteiro: Vít Klusák, Filip Remunda
Elenco:  Varhan Orchestrovich Bauer, Jaromir Kalina, Vít Klusák, Filip Remunda
Produção: FAMU, Ceská Televize, Hypermarket Film
Distribuição: Schwarz Smth and Takovski Films
Ano: 2004
País: República Tcheca


Postagens Relacionadas











Ligações perigosas em comerciais na grande mídia

$
0
0

Que ligações existem entre as ex-jornalistas Fátima Bernardes, Ana Paula Padrão, Friboi, os intervalos comerciais dos telejornais da grande mídia, a holding J&F e o ministro da fazenda Henrique Meirelles? Certamente ligações perigosas que constituem aquela área cinza do chamado “conflito de interesse” no jornalismo. Desde o caso do milionário comercial da Samarco veiculado no horário nobre dos telejornais, em plena crise humana e ambiental de Mariana, as ligações perigosas entre anunciantes e conteúdo jornalístico têm se ampliado. Agora, acompanhamos a massiva campanha publicitária da JBS Friboi, com milionários cachês para artistas da Globo, e comerciais do Banco Original em telejornais da grande mídia. Banco pertencente ao mesmo grupo (J&F) cujo presidente do Conselho Administrativo desde 2012 até recentemente foi o atual ministro da fazenda. A mídia estaria sendo silenciada com grossas verbas publicitárias?


Certa vez, nos meus tempo de faculdade de jornalismo, Carlos Eduardo Lins da Silva (jornalista e pesquisador, ex-correspondente internacional da Folha), na época professor da disciplina Comunicação Comparada, disse para a minha classe: ao fazer a análise de conteúdo de um telejornal, preste atenção nos seus anunciantes.

Isso porque é comum associar manipulação da informação com Governos e regimes totalitários. Mas em uma democracia, normalmente não são governos que financiam as mídias mas anunciantes como corporações, holdings e grupos empresariais. Muitas vezes os interesses dos anunciantes não se limitam apenas a publicizar seus produtos e serviços em um programa com altos índices de audiência – buscam também comprar o silêncio de telejornais, desestimulando reportagens ou matérias investigativas que possam atingi-los.

Principalmente quando o anunciante mantém relações promíscuas com o próprio governo. Isso pode estar por trás do atual “case” do Banco Original,  onipresente nos intervalos publicitários em diversos telejornais de várias emissoras, principalmente da TV Globo – nessa emissora seus comerciais se repetem tanto em telejornais locais (SPTV) quanto nacionais como Hoje e Jornal Nacional.

Começamos a coçar a pulga que fica atrás da orelha quando sabemos que o atual Ministro da Fazenda do governo interino de Michel Temer foi, até recentemente, presidente do Conselho  de Administração da J&F, holding dona do Banco Original, JBS Friboi, Swift, Massa Leve, Vigor, Doriana, Havaianas entre outras.


O Original foi criado anos atrás para dar empréstimos aos fornecedores de gado do JBS. Depois de chegar ao J&F, em 2012, Meirelles se envolveu no projeto de mudar o perfil do banco para atrair clientes de alta renda para se tornar com um perfil parecido com BankBoston, do qual foi presidente global nos anos 1990.

No primeiro mandato do Governo Lula, Meirelles foi considerado a principal voz da equipe econômica. Coincidentemente, na gestão petista o BNDES foi bastante generoso com o JBS Friboi  com empréstimos de R$ 2,5 bilhões.

Hoje a credibilidade do grupo está associada diretamente à atuação de Meirelles, primeiro como presidente do Banco Central da Era Lula, agora como Ministro da Fazenda de Temer.

“... mas a carne é Friboi?”


Desde então, o grupo JBS Friboi empreendeu uma massiva campanha publicitária  inserindo anúncios caríssimos no horário nobre da TV pagando cachês milionários a artistas globais como Tony Ramos, Fátima Bernardes e até para o vegetariano Roberto Carlos. Com direito a viralizar o slogan “a carne é Friboi?” criando memes e o temor dos mais paranoicos de abrir a geladeira e dar de cara com o ator global lhe fazendo essa pergunta.

Essa espalhafatosa campanha publicitária evidentemente tem o poder de amansar a grande mídia, desestimulando qualquer ímpeto jornalístico investigativo que possa revelar as perigosas ligações desse sucesso empresarial turbinado com financiamento público.

O que lembra o recente episódio do milionário comercial da Samarco (de triste memória associada à catástrofe ambiental e humana em Mariana/MG) inserido no horário nobre e no programa Fantástico da Globo criando um evidente “conflito de interesse”: Samarco patrocinando telejornais que supostamente deveriam ser imparciais nas reportagens investigativas sobre a responsabilidade da empresa na tragédia mineira.


Agora a vez é do Banco Original, depois de investir R$ 600 milhões em sua plataforma digital para oferecer crédito e investimento em operações totalmente fechadas pela Internet. Essa ação coincidiu com o momento em que o nome de Meirelles passou ostensivamente a circular no meio político como forte candidato a integrar o governo Temer.

Meirelles estava tão envolvido com o projeto que quase se tornou o garoto-propaganda da campanha publicitária. Ideia abortada depois que se viu confirmado no cargo de ministro da fazenda.

Primeira Ironia: “infotenimento”


As ligações perigosas entre BNDES, JBS Friboi, J&F, Meirelles e grande mídia revelam curiosas ironias.

Primeiro, a promiscuidade entre telejornalismo e interesses empresariais, que parece ampliar o apagamento das fronteiras midiáticas entre ficção e realidade. Essa massiva investida da J&F nos meios de comunicação coincide com a onda migratória de jornalistas para o mundo dos programas de entretenimento. Fátima Bernardes e Ana Paula Padrão são os exemplos atuais onde jornalistas migram para programas matutinos ou para o reality gastronômico MasterChef da Band.

A credibilidade angariada no jornalismo é levada para o entretenimento para criar uma linguagem paradoxal  que procura tornar a ficção mais “realista” ou “crível” - sobre essa tendência do jornalismo atual chamada “infotenimento” clique aqui.


Fátima Bernardes fazendo testemunhais dos produtos Seara e Ana Paula Padrão fazendo uma entusiástica apresentação do aplicativo do Banco Original. Nos intervalos de telejornais. O que acabou criando uma outra situação irônica: a ex-âncora do Jornal da Globo aparecendo no comercial do próprio patrocinador do telejornal.

Segunda ironia: “cara dura”


E a segunda ironia é que essas ligações perigosas que criam um evidente campo de conflito de interesse é agora explícita, ou, para ser mais ostensivo, na “cara dura”. Se no passado teses e dissertações em Teoria do Jornalismo discutiam essas questões no âmbito da pesquisas e investigações que necessitavam de ferramentas conceituais e de esforço físico do investigador em correr atrás dos dados, hoje está tudo explícito e jogado diariamente na cara de todos os telespectadores.

O que parece ser uma característica da atual Era Temer: um presidente foi deposto sob um pretexto (“pedaladas fiscais”) que é tão insustentável que até o ministro do STF Gilmar Mendes teve que confessar para jornalistas na Suécia que não houve nenhum crime e que o impeachment foi uma iniciativa puramente “política” – eufemismo para “golpe”, “coup” – sobre isso clique aqui.

E agora, mais um exemplo para esse “espírito do tempo” atual com ligações promíscuas “na cara dura” entre o ministro Meirelles e a grande mídia.

É irônico que em plena era das informações em tempo real onde tudo está disponível 24 horas como um gigantesco banco de dados, vivemos paradoxalmente a época de menor transparência. Mesmo estando tudo visível e jogado diariamente na nossa cara. O que lembra uma das teses do pensador francês Jean Baudrillard: “a mais alta pressão da informação corresponde a mais baixa pressão do acontecimento e do real”.

Esse é o espantoso fenômeno da compra do silêncio midiático. Principalmente sabendo-se que, como revelou o repórter Leandro Prazeres no site UOL, a J&F e JBS Friboi têm um grande comprometimento com doações a campanhas políticas: em 2014 foi o maior doador em patrocínio eleitoral com R$ 366,8 milhões, superando a construtora Odebrecht (R$ 111 milhões) e o Bradesco – cerca de R$ 100 milhões.

Postagens Relacionadas











Curta da Semana: "Home Suite Home" - hotéis, turistas e o exílio humano

$
0
0

Trinta anos vivendo a rotina de a cada noite se hospedar em um hotel fazendo críticas para guias de turismo. Vivendo numa torre de marfim de quartos de luxo, minibar e toalhas sempre limpas, Ludwig tem uma vida monótona que acabou se confundindo com o próprio trabalho. Mas algo se perdeu: a experiência de ser apenas um turista e saber que um dia voltará para sua casa. Mas onde está o lar de Ludwig? Ele tornou-se uma espécie de exilado de si mesmo. Esse é o curta “Home Suite Home” (2015) do holandês Jeroen Houben que dá mais uma contribuição à mitologia que o cinema construiu em torno de hotéis, do Overlook de “O Iluminado” de Kubrick ao “Grande Hotel Budapeste” de Wes Anderson. Dessa vez, o hotel como um microcosmo da gnóstica condição humana de exílio.

“Massas de homens levam uma vida inteira em desespero silencioso”, disse certa vez o filósofo e poeta norte-americano Henry Thoreau. Foi inspirado nessa frase que o diretor holandês Jeroen Houben produziu o curta Home Suite Home(2015), uma tragicomédia sobre a existência de um inspetor/crítico de hotéis.

O protagonista Ludwig há 30 anos viaja pelo mundo, todas as noites hospedado em um hotel diferente. Em um gravador ele registra suas impressões, críticas e acertos de cada hotel. O que para todo mundo são apenas resorts de luxo, para Ludwig é a sua realidade cotidiana: o minibar, os pequenos sabonetes, as toalhas sempre limpas, a chamada telefônica da portaria para acordá-lo etc. Em sua espécie de vida em uma torre de marfim, Ludwig atravessou anos de uma monótona rotina, sempre fazendo críticas ácidas sobre cardápios, vinhos e serviços de quarto.

O curta começa com uma interessante digressão sobre a função dos quadros nas paredes, como “janelas abertas para o mundo”, pequenos momentos congelados no tempo por onde podemos dar uma breve escapada da nossa rotina. Percebemos que Ludwig vive um desespero silencioso que parece mitigar fazendo críticas irônicas e tornando-se cada vez mais exigente em cada hotel onde se hospeda.


Mas tudo começa a mudar em um hotel em Paris: ele conhece uma jovem colega de profissão 20 anos mais jovem, Stella. Jovem e espirituosa, trará à tona um Ludwig romântico do passado, quando ainda se sentia como um turista longe de casa.

Hotéis no cinema


Do isolado hotel Overlook do filme O Iluminado de Kubrick à grandiosidade decadente do Grande Hotel Budapeste de Wes Anderson, o cinema tem uma longa tradição de narrativas centradas nessas residências transitórias para turistas. No cinema, deixam de ser meros hotéis, para se tornarem um microcosmo da condição humana.

Por isso Home Suite Homeé um título com irônico trocadilho: Ludwig sente-se como um estrangeiro em ambientes aparentemente familiares. Seu “lar doce lar” não está em nenhum hotel mas ao mesmo tempo são as suítes onde pernoita. Mas o seu verdadeiro lar ficou em algum lugar que foi perdido nos 30 anos de trabalho sobre crítica de hotéis.

O curta tem um evidente tema gnóstico: a jovem Stella (Sophia?) que o despertará da sua condição de um silencioso desesperado que esqueceu onde está o seu verdadeiro lar. Ludwig quer voltar a sentir a condição de turista, aquele que é viajante mas sabe que, um dia, retornará para o seu verdadeiro lar.

Hotéis são bem elaboradas cenografias que tentam reconstituir o charme e requinte de épocas que se passaram. Mesmo os resorts contemporâneos pretendem trazer para o mundo real as imagens paradisíacas de filmes e cartões postais. Por isso, a vida de Ludwig se assemelha a de Truman no filme O Show de Truman, onde Jim Carrey vivia um prisioneiro alheio a uma gigantesca cenografia que o cercava.


O Estrangeiro


Talvez a condição de Ludwig seja ainda pior: sua profissão é avaliar os efeitos e serviços cenográficos dos hotéis. Como Truman, ele não trabalha, mas vive 24 horas uma vida que se confunde com o próprio trabalho. Mas ao contrário de Truman, Ludwig tem consciência disso e acaba se acomodando à gaiola dourada. Seu breve escapismo está nos quadros das paredes ou na ironia das críticas ácidas a cartas de vinhos e cardápios dos restaurantes.

Ludwig é o típico personagem gnóstico do Estrangeiro: aquele que vive em ambientes familiares, mas que, por algum motivo, sente o mal estar do estranhamento e da alienação.

De crítico ele anseia retornar à condição de turista. É claro que essa condição na atual indústria do turismo não possui nenhum valor crítico. O próprio turista se torna prisioneiro do pacote adquirido na agência de turismo e  também do impulso de querer ir para lugares que apenas confirmem as fotos do guia que já carrega. Reforçado, na atualidade, pela necessidade da sensação de imersão nos “lugares turísticos” com as indefectíveis selfies.

Ludwig anseia pela condição de se tornar, por assim dizer, um turista gnóstico: aquele que viaja por esse mundo, mas sabe que não pertence a ele. Seu lar doce lar não é uma suíte, está em outro lugar.

Talvez seja por isso que, mesmo depois de viajarmos para lugares sensacionais e exóticos, nos sentimos felizes ao retornar para o nosso lar. Como apresenta uma linha do diálogo do curta “você nunca saberá o que procura”.


Talvez Dorothy no filme O Mágico de Oz tenha razão quando diz: “não há lugar melhor do que o nosso lar”. Essa sensação após uma viagem sempre trás essa reminiscência nostálgica gnóstica – o fato de sempre estarmos com saudades de algo. E é essa sensação que a bela Stella/Sophia ajudará a despertar no protagonista Ludwig.



A Simbologia Alquímica em "As Tartarugas Ninjas", por Claudio Siqueira

$
0
0

Dia 16 de junho deste ano estreou nos cinemas o filme "As Tartarugas Ninjas: Fora das Sombras" (Teenage Mutant Ninja Turtles: Out of the Shadows). Após sua primeira edição em maio de 1984 pela editora Mirage Studios, os quatro esdrúxulos personagens tiveram diversas obras midiáticas envolvendo seu universo, de desenhos animados a videogames. Mas, desde o novo filme de 2014, é apresentada uma versão mais diferenciada entre os personagens. E com razão, já que os quatro diferem bastante não apenas em sua personalidade, mas nos elementos alquímicos que representam.

Quando criaram esse quarteto fantástico, KevinEastman e PeterLaird não imaginavam as proporções que seu pastiche iria tomar. A ideia inicial era fazer uma sátira do Demolidor "Frankmilleriano" (A fase do personagem escrita por FrankMiller), a começar pelo clã ninja responsável pelas atividades criminosas, o FootClan (Clã do Pé), claramente uma paródia com O Tentáculo (TheHand). Mas, a despeito dos elementos cômicos, são os elementos alquímicos que nos chamam a atenção no todo da obra. As TartarugasNinjas representam tanto os Quatro Elementos Alquímicos ocidentais, quanto os Cinco Elementos presentes na Alquimiae na Medicina Tradicional Chinesa.


Os Quatro Temperamentos


Quase cinco séculos antes de Cristo, Empédocles (490 a.C. a 430 a.C.) postulou os Quatro Elementos e Hipócrates(460 a.C. a 370 a.C.) desenvolveu a Teoria dos Quatro Temperamentos. Para o segundo, cada temperamento estaria correlacionado a um dos quatro elementos, sendo o Fogo, o temperamento Colérico, a Terra, o Melancólico, o Ar, Sanguíneo e a Água, o Fleumático.

Como a própria nomenclatura indica, o Fogo é facilmente tomado pela cólera (raiva), a Terra é mais melancólica, o Ar é elétrico, hiperativo e a Água mais preguiçosa, divertida e fanfarrona. 

As Tartarugas Ninjas e os Quatro Temperamentos


Para começo de conversa, vamos falar das máscaras-bandanas que vestem.


Leonardo, pela cor de sua máscara-bandana (azul), representaria a Água, mas, sendo o líder e, portanto, pragmático, a base do grupo, é a Terra.



Michelangelo, tanto por seu apetite voraz, que faria dele um “saco sem fundo”, quanto por seu temperamento fleumático, é a Água, enquanto Donatello, devido à sua bandana roxa (a cor mais escura e, portanto, mais densa), representaria a Terra, mas, sendo o pensador do grupo, está mais próximo do elemento Ar.


Raphaeldispensa maiores apresentações, mas mesmo assim podemos traçar algumas considerações a seu respeito: sua bandana é vermelha e seu temperamento colérico condiz perfeitamente com sua representação.

A inicial de seu nome, a letra R, deriva do hebraico Resh, que, entre as 22 cartas do Tarô, equivale à carta do Sol. Outra letra do mesmo alfabeto, a vigésima primeira, Shin, possui diversos significados e várias atribuições (entre elas, o Fogo) e tem a forma semelhante a um tridente, o que fica explícito na arma que porta, um par de adagas Sai.

Zhang Fu, os Cinco Elementos Chineses


Diferente dos ocidentais e seus tradicionais Quatro Elementos, os chineses postularam a existência de cincoelementos, acrescentando mais dois – a Madeirae o Metal– e excluindo o Ar. A partir daí, criaram o Zhang Fu, ou Teoria dos Cinco Elementos, onde cada elemento é responsável pela geração e destruição de outros dois elementos enquanto é gerado por um e passível de ser destruído por outro.


No ciclo de geração, o Fogo (que queima pra cima), gera a Terra (que sedimenta, equilibra e serve de base). Esta gera o Metal (duro e inflexível), que gera a Água (que molha pra baixo), que por sua vez gera a Madeira (que se entorta e se endireita). O Fogo, entretanto, derrete o Metal, que corta a Madeira, que esgota a Terra, que obstrui a Água, que apaga o Fogo.

As Tartarugas Ninjas e os Cinco Elementos Chineses


Como as Tartarugas são ninjas (que são, originalmente, orientais), vamos aludi-las também aos cinco elementos chineses. Tudo bem, ninjas são japoneses, mas a China (assim como a Índia) é a base da cultura oriental assim como a Grécia é da ocidental. 

Leonardo tipifica o elemento Água, não só por sua bandana azul como pelo seu comportamento fluido, caracterizado pelo modo como luta com as Katanas. Resiliente, adapta-se a todo o tipo de batalha, adversário e situação, numa dramatização bem caracterizada da Arte da Guerra, de SunTzu, onde a máxima “(...) quando não puder contar com nenhum recurso, contará com todos.” se aplica perfeitamente ao personagem, o que faz dele o líder. Não fosse Bruce Lee imortalizar a máxima “Torne-se água.”

Raphael é o Fogo, pelos motivos supracitados. Michelangelo é a Madeira, que “se entorta e se endireita”, já que se trata de um galhofeiro de primeira, o mais irresponsável e fanfarrão do grupo. Donatello é o Metal, pois lança mão de tecnologia de ponta.


Mestre Splinteré um caso curioso, pois representa o elemento Terra, aquele que equilibra os outros quatro. Sendo o tutor e mentor do grupo, seu papel é o de equilibrar seus pupilos. Na astrologia chinesa, o Ratoé o único signo regido pelo elemento Terra. Do ponto de vista dramatúrgico, no entanto, tanto Splinter como Shredder (Destruidor, no Brasil), zênite do grupo, personificam o mesmo personagem histórico: HattoriHanzô, oRetalhador.

Hattori Hanzô, (o Retalhador), Shredder e Mestre Splinter


Hattori Hanzô, chefe de um clã da região de Iga, no Japão, foi um samurai conhecido por sua ferocidade em batalhas. Para distingui-lo de um samurai homônimo, foi-lhe dada a alcunha de Oni-Hanzô. Oni é um tipo de demônio importado do budismo chinês e é exatamente essa nomenclatura, posteriormente atribuída ao personagem histórico, que dá a tônica dos dois personagens.

Splinter significa “lasca”, enquanto o termo Shredder seria algo próximo de retalhador, numa tradução livre. Sendo cada um uma faceta do personagem histórico, um representa seu aspecto apolíneo e o outro, seu aspecto dionisíaco, como postulado por Nietzsche em A Origem da Tragédia.

O fato de Splinter significar “lasca” (e sua caracterização ser a de um rato humano, algo próximo a um mendigo), representa mais uma vez a máxima da Arte da Guerra, onde “(...) quando não puder contar com nenhum recurso, contará com todos.”. Também o aparente desleixo é um elemento dionisíaco, contrastando com a aparência viril e a postura egocêntrica e vaidosa de Destruidor, um traço apolíneo, posto que Apolo era o deus do Sol, sendo este, o representante alquímico do Ego nas escrituras antigas.

No entanto, a aparência desleixada de Splinter mascara sua real sabedoria, que o coloca numa potestade apolínea, visto que é um modelo de virtude a ser seguido, enquanto Destruidor possui uma postura autodestrutiva, entrópica mesmo; um traço dionisíaco, revelando o yin-yangapolíneo-dionisíaco dos dois personagens.

Claudio Siqueiraé Estudante de Jornalismo, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como os panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.

Postagens Relacionadas











O universo gnóstico infanto-juvenil em "Jovens Titãs em Ação"

$
0
0

É férias e os filhos passam mais tempo em casa, festas e encontros com os amigos de escola. É o momento onde o “Cinegnose” cai de cabeça no universo da cultura infanto-juvenil: animações, games, redes sociais e canais do YouTube. Um universo cada vez mais dominado por uma sensibilidade “meta” – paródica, auto-referencial e metalinguística. Um exemplo é o episódio “A Quarta Parede” da série de animação “O Jovens Titãs em Ação” apresentado pelo Cartoon Network. Uma versão irônica da série clássica “Teens Titans” da DC Comics. O que acontece quando personagens ficcionais tomam consciência de que são apenas paródias de personagens em quadrinhos? A quebra da barreira imaginária entre personagem e espectador (a quarta parede) e a entrada da narrativa na mitologia gnóstica: o demiurgo “Freak Control” que aprisiona personagens para conquistar prêmios e reconhecimento – uma paródica analogia da condição humana.

O público infantil e infanto-juvenil atual não está mais diante dos velhos conteúdos midiáticos como desenhos animados, histórias em quadrinhos ou filmes. Esse público está cada vez mais lidando com mídias que propiciam experiências de entretenimento imersivas, trasmidiáticas e cross-midiáticas.

Isso significa que as velhas narrativas infantis (baseadas na estrutura dos contos de fadas ou da jornada do herói) estão dando lugar à narrativas cada vez mais irônicas, conscientemente paródicas e auto-reflexivas.

Na verdade, são meta-narrações: paródias, paráfrases, metalinguagens – um desenho como Pink Dink Doo em dado momento se transforma num quizz show com questões sobre a história que a protagonista inventou a minutos atrás; o personagem Capitão Cueca fazendo uma paródia do Super-Homem e ironizando uma peça do uniforme do herói original, a sua estranha sunga; animações como Hora de Aventura ou O Incrível Mundo de Gumball que são verdadeiros liquidificadores de referencias da cultura pop passada e atual e fusão total de gêneros reforçada pela técnica de animação que mistura colagens de fotografias com desenhos.

Podemos até afirmar que na verdade as crianças prestam somente atenção aos berros, cores, explosões, gritos e badernas. Somente os pais se divertem ao descobrir as referencias paródicas e metalinguísticas. Mas o que estamos presenciando é mais do que isso: assistimos ao desenvolvimento de uma nova sensibilidade “meta”, isto é, irônica e auto-referencial.


Essa é uma tese que o Cinegnose vem desenvolvendo desde a análise do sucesso do personagem Mister Maker, do Discovery Kids: uma nova sensibilidade que pressente que o universo não é uma realidade estável e perene, mas uma realidade artificial, um constructo. E nessa nova sensibilidade parece cair muito bem as narrativas gnósticas – sobre isso clique aqui.

Um bom exemplo atual é a série de animação Os Jovens Titãs em Ação (Teens Titans Go!) exibida pelo canal Cartoon Network. A óbvia referencia é a animação clássica Jovens Titãs (Teen Titans, 2003-2006) criada por Sam Register e Glen Murakami cuja estilo remetia ao formato das animações japonesas onde mostra cinco super-heróis adolescentes liderados por Robin, o menino prodígio e companheiro de Batman.

O desenho era baseado no famosa equipe de heróis-adolescentes da DC Comics composto pelos personagens Robin, Estelar, Ravena, Mutano e Ciborgue.

Surrealismo e paródia

Enquanto a animação clássica era carregada no drama, com os personagens em conflitos e vilões estrategistas que sempre colocavam em risco os heróis, sete anos depois em Os Jovens Titãs em Ação a Warner e Cartoon Network fez uma releitura em tom de comédia surreal e paródica na mesma linha de Incrível Mundo de Gumball ou Titio Avô: os conhecidos heróis da DC Comics foram colocados em um outro nível de universo.

Assistindo aos episódios da nova série, percebemos que não é uma adaptação de nada que já tenha sido feito – os produtores parecem usar a velha roupagem conhecida pelo público para se voltar para a paródia do próprio universo da DC Comics: o que os super-heróis fazem quando não estão salvando o mundo? O que os super-heróis adolescentes fazem quando não há adultos olhando?


Robin batendo o batmóvel e perdendo a licença, Estelar tentando matar um pernilongo, Ravena preparando uma estratégia que faça todos saírem da Torre para que ela possa assistir em paz a um desenho de pôneis coloridos etc.

Mas é no recente episódio chamado “A Quarta Parede” (terceira temporada, episódio 9, 2016) que nos deparamos com um exemplo de como essa sensibilidade “meta” atual (paródias, paráfrases, alusões e ironia) permite que ocorra transversalidade da mitologia gnóstica: se o universo é artificial, o que aconteceria se os próprios personagens ficcionais descobrissem sua própria natureza artificial?

Esse episódio faz um inacreditável mix dos argumentos de filmes gnósticos clássicos como Show de Truman(Truman Show, 1998), A Vida Em Preto e Branco (Pleasantville, 1998) com uma pitada freudiana presente na Trilogia da Pixar Toy Story.

O demiurgo "Freak Control"

Os jovens titãs vão assistir TV quando eis que surge na tela o vilão Control Freak que, empunhado seu controle remoto, impede que os heróis troquem de canal – o mesmo argumento de Pleasantville onde um misterioso técnica de TV com seu controle remoto faz os protagonistas serem transferidos por uma série de TV dos anos 1950, tornando-se prisioneiros daquele universo.

Da mesma forma, o Control Freak revela para os heróis de que eles, na verdade, são prisioneiros na quarta parede da narrativa televisiva e que ele os criou para que ganhasse prêmios e fosse reconhecido pela indústria do entretenimento. Mas parece que deu tudo errado.


“Eu tornei os jovens titãs em entretenimento. Vocês são o show!”, revela o Freak Control para os atônitos super-heróis. “As pessoas estão nos assistindo?”, diz Robin espantado. Todos vão até a quarta parede para ver os espectadores: “Eles estão nos assistindo sem a nossa permissão... bando de bizarros!”, revolta-se Ravena.

Tal como Truman, os jovens titãs descobrem-se como objetos de um show de entretenimento criado por um Demiurgo (o Freak Control, produtor e diretor do show).

Também tal como em Toy Storyo boneco Buzz Lightyear se descobre como um brinquedo ao ver seu próprio comercial na TV, aqui os titãs também se veem na TV. A tela substitui o espelho psicanalítico (a famosa “Fase do Espelho” lacaniano) na dissolução do Édipo – a perda da inocência narcísica para o ingresso no mundo da Cultura: a descoberta de que nada temos de especial e que somos apenas mais um indivíduo numa sociedade.

Mas qual o jogo maligno do Freak Control? O programa deveria ser sua grande conquista: prêmios e reconhecimento – assim como na mitologia gnóstica o Demiurgo cria o cosmos material para ser uma pálida cópia do Pleroma, a plenitude de onde todos forma emanados.

"Reboot", morte e reencarnação

Mas tudo deu errado: “piadas de bosta, senso de humor podre e a audiência odeia vê-los atuando”, acusa o Freak Control. E ameaça “dar um reboot” em todos se não melhorarem a “qualidade da animação”.

Aqui o “reboot” faz uma alusão às sucessivas versões que os jovens titãs já tiveram: o Freak Control os matou outras diversas vezes (“reboot”) para produzir novas “reencarnações” – adaptações ou releituras. Esse é o componente que faltava para essa sensibilidade “meta” criar um clássico universo gnóstico: a morte e a reencarnação muito mais como um eterno retorno que perpetua a prisão, do que aprendizado, evolução ou fuga de onde “partimos dessa para a melhor”.

O conceito de “quarta parede” se refere a uma barreira imaginária que separa o personagem do público. O efeito de realidade produzido pela linguagem teatral ou cinematográfica cria a simulação de uma ação que se passaria dentro de uma “caixa”. A quebra dessa barreira imaginária estabeleceria um nível meta a uma narrativa ficcional: personagens podem descobrir que são, eles próprios, ficções e tirarem vantagem disso e interagir com o público.


É o que os jovens titãs tentam fazer para vencer o demiurgo Freak Control: quebrar literalmente a quarta parede para acabar com a ilusão. É o mesmo desfecho de Show de Truman onde o personagem toma consciência da sua natureza ficcional (ele sempre foi dirigido pelo diretor do programa), rompendo com a quarta parede e a ilusão. É na sua essência a gnose, transposta para a linguagem cinematográfica.

Quarta parede e gnose

Muitos filmes fizeram essa quebra, desde O Grande Roubo do Trem(1903) onde o ator olha diretamente para a câmera e dispara um revólver; até Os Bons Companheiros (1990), Alfie (2004), O Lobo de Wall Street (2013) ou A Grande Aposta (2015) onde personagens falam diretamente para a câmera/espectador.

Mas filmes como Deadpool ou esse episódio dos Jovens Titãs Em Ação vão mais além, combinando com a metalinguagem – personagens de quadrinhos sabem que são ficcionais, ou seja, personagens em filmes sobre personagens ficcionais de quadrinhos.

Concluindo: essa crescente sensibilidade “meta” da geração infanto-juvenil atual (reforçada ainda mais pelos dispositivos móveis, games e transmídia) é a subjetividade por trás linguagem paródica e auto-referencial – a criação de universos onde personagens tomam cada vez mais consciência da sua natureza ficcional e arbitrária. Nada mais gnóstico.

Clique na imagem abaixo e assista ao episódio legendado.


Ficha Técnica


Título: A Quarta Parede (episódio 9, terceira temporada de Jovens Titãs em Ação)
Diretor: Peter Rida Michail
Roteiro: Michael Jelenic, Aaron Horvath
Elenco:  Scott Menville, Khary Payton, Alexander Polinsky, Tara Strong, Hynden Walch
Produção: Warner Bros.
Distribuição: Cartoon Network
Ano: 2015
País: EUA


Postagens Relacionadas











Autoajuda é negação psíquica em "The Invitation"

$
0
0

As ricas mansões das colinas de Hollywood escondem estranhas seitas e comunidades formada por celebridades, diretores e produtores da indústria do entretenimento. Em uma dessas ricas casas um grupo de amigos que não se via há dois anos é convidado para um jantar. Lá encontrarão os anfitriões: uma ex-esposa e seu novo marido, entusiastas de uma nova seita que promete “um novo recomeço”. Esse é o thriller psicológico “The Invitation” (2015) de Karyn Kusama onde as seitas de autoajuda se revelam na verdade grandes mecanismos de negação psíquica onde a linha que separa a sanidade da loucura começa a desaparecer. Os convidados daquele jantar conhecerão da pior forma possível a máxima freudiana: “o reprimido sempre retorna”.


Desde o livro clássico Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas de 1936 até livros e filmes recentes como O Segredo, um vasto aparato de técnicas, receitas e manuais de autoajuda vem cada vez mais se expandindo. Ganhar mais dinheiro, descobrir a si mesmo, superar medos e traumas, sucesso profissional, sucesso no amor etc., usar o poder da mente para se motivar, técnicas subliminares de auto-aplicação etc., são vendidas nesse grande denominador comum da autoajuda.

Desde 1936, das primitivas técnicas inspiradas nas táticas de sobrevivência das ruas, a autoajuda se sofisticou através de duas grandes ramificações: de um lado vulgarização de conceitos neurocientíficos (do poder do “pensamento positivo” até a programação neurolinguística”); e do outro o que se convencionou chamar de “New Age” – movimento espiritual buscando a fusão Oriente/Ocidente ao mesclar autoajuda, parapsicologia, esoterismo e física quântica.

“A vida não vem com um manual”, dizem os críticos dessa “literatura”. Mas ela pode criar muitos intérpretes desses “manuais”. Portanto, temos o mais perigoso subproduto da autoajuda: o surgimento de seitas ou grupos liderados por “mestres” carismáticos que vão desde os simples charlatões estelionatários até aqueles mais perigosos que vivem no limite entre sanidade e loucura.


O crítico literário Harold Bloom considerava essa a “verdadeira religião americana” – um mix de autodivinização gnóstica, mormismo, pentencostalismo e sulismo batista. Filmes como O Mestre (2012) fizeram esse mergulho na “América Profunda” ao se inspirar na história do criador da Cientologia, L. Ron Hubbard – sobre o filme clique aqui.

O filme The Invitationé mais um exemplar desse mergulho no obscuro psiquismo da cultura norte-americana, dessa vez ambientado no coração a espiritualidade daquele país: as colinas de Hollywood com suas ricas residências onde residem artistas, celebridades, produtores e diretores da indústria do entretenimento.

E na moderna Hollywood, fazer parte de cultos, seitas ou grupos de autoajuda torna-se condição para que uma pessoa crie uma consistente rede de relações que ajude a alavancar a carreira: Cientologia, The Organite Society, Founded Full Circle, OTO (Ordo Templi Orientis) ou The Kabbalah Centre são alguns desses exemplos onde a natureza de grupo de estudo, seita, autoajuda e culto se confundem.  

Enquanto o filme O Mestre fez uma abordagem mais histórica sobre o tema, The Invitation(2015) concentra-se em uma jantar onde um grupo de amigos se encontra após dois anos. Amigos que tentam reconstruir relacionamentos que se perderam devido a traumas do passado. Mas que revela o grande motor espiritual que impulsiona essas seitas e grupos: o mecanismo psíquico de negação.

O Filme


The Inivitationé um thriller psicológico que a diretora Karyn Kusama mantém a narrativa numa lenta tensão crescente com diálogos e personagens bem realistas.

O prenúncio do que estar por vir começa logo na primeira sequência quando o carro de Will (Logan Marshall-Green), junto com a sua namorada Kira (Emayatzy Corinealdi) atropela um coiote a caminho do jantar com os antigos amigos em Hollywood. Will é obrigado a sacrificar o animal ferido com golpes de chave de roda.

Os anfitriões do reencontro são a sua ex-esposa Éden (Tammy Blanchard) e o seu novo marido David (Michiel Huisman) que recebem os convidados com uma caríssima garrafa de vinho de três dígitos. E um detalhe principal para aumentar a tensão da trama: a residência é a mesma onde Will e Éden moraram quando casados e também onde viveram o grande trauma que causou a separação: a morte do filho.


David, um produtor de Hollywood que no passado viveu sérios problemas com drogas, recebe a todos brindando um “novo recomeço”.

Mas entre os convidados há dois personagens estranhos que destoam do perfil do grupo: Sadie (uma jovem com um minivestido e sempre exibindo uma falsa alegria) e Pruitt, um homem corpulento e careca com um olhar desconfiado. David e Éden explicam para o grupo que os conheceram no México ao visitar uma seita com a qual aprenderam a lidar com seus traumas do passado. O que faz acreditar que aquele jantar é o simbolismo de um novo recomeço para a vida de todos.

O atropelamento do coiote e o reencontro com as memórias de cenas do passado naquela casa, torna Will cada vez mais introvertido. Mas a gota d’água é quando os anfitriões abrem um laptop e apresentam para todos um vídeo com uma sequência perturbadora: gravado no México, apresenta o mestre da seita reunido com todos os discípulos diante de uma mulher em seu leito de morte por câncer. Ao redor, o grupo faz um ritual de preparação espiritual daquela mulher até o momento do seu último suspiro.

O vídeo é uma evidente estratégia promocional para conquistar novos adeptos àquela seita, o que torna Will de introvertido a desconfiado e paranoico. Os anfitriões, acompanhados daquelas duas figuras estranhas ao grupo, podem ter alguma intenção sinistra.

Will passa a desconfiar das portas trancadas sem chave, das grades que foram colocadas nas janelas mas... Éden, sua ex-esposa, parece que encontrou algum tipo de paz. Está aparentemente feliz com sua nova vida. Porém, pequenas coisas nãos se conectam: telefones celulares sem sinal, telefone fixo desligado.


Mas algo parece fora do lugar em Éden: a técnica de autoajuda daquela seita de ricaços hollywoodianos parece não ter ajudado a ela superar ou resolver o trauma da perda do filho e da separação. Para Will, tudo parece ser apenas uma grande negação psíquica. Uma forma não de simbolizar e compreender (psicanálise), mas uma técnica de deletar (para a psicanálise seria nada mais do que negação e recalque) o passado, até esquecer que um dia teve um filho.

Mas como apontou Freud, o reprimido sempre retorna. E o que teme Will, é que isso retorne de alguma forma sinistra naquela noite. Mas a diretora Karyn Kusama conduzirá a dúvida de Will e do próprio espectador em fogo brando até ferver nos 15 minutos finais: quem está psiquicamente doente? Will ou Éden? Há algo de real ou tudo é resultado da paranoia de Will?

Autoajuda e o retorno do reprimido


Para o filósofo alemão e expoente da Escola de Frankfurt, Theodor Adorno, toda ideologia não é apenas uma mentira. Teve o seu momento de verdade. O mesmo pode-se dizer sobre a ideologia da autoajuda e seus subprodutos em seitas e comunidades.

A autoajuda baseia-se no gnóstico princípio da autodivinização: o homem já traria dentro de si tudo o que ele precisa. Séculos de racionalismo o fizeram esquecer disso, passando a acreditar que é ignorante e que precisa de alguma liturgia, culto, método ou ciência para encontrar Deus ou a Verdade fora dele.


A própria noção de “cultura” presente na filosofia grega, derivada do sistema de formação ética e educacional da Grécia Antiga (a Paideia), já trazia esse princípio de autodivinização – o cuidado do corpo e da alma, o cultivo do caráter, da índole e do temperamento. Isto é, o aperfeiçoamento de características já presentes em cada um.

Ao negar a religião tradicional e voltar a busca de Deus dentro de cada um (por isso Harold Bloom considerava como “a religião americana”), a Autoajuda e toda a Psicologia e Psicanálise, cada um a sua maneira, buscaram retomar essa sabedoria milenar.

Porém, se a Psicologia e a Psicanálise tentaram simbolizar ou compreender tudo aquilo que nos impede cultivar a própria alma (traumas, medos, recalques etc.), para a Autoajuda tudo é uma questão de “deletar” (a técnica da “dianética” da Cientologia, por exemplo) as “situações negativas” do passado para se tornar “espiritualmente livre”.

Mas a grande lição dada por Freud é que “o reprimido sempre retorna” (ou, modernamente, aquilo que tentamos “deletar” da nossa história). A virtude do filme The Invitationé demonstrar isso dentro de um thriller psicológico, onde os protagonistas compreenderão a velha sabedoria freudiana da pior forma possível.


Ficha Técnica


Título: The Invitation
Diretor: Karyn Kusama
Roteiro: Phil Hay, Matt Manfredi
Elenco:  Logan Marshall-Green, Emayatzy Corinealdi, Michiel Huisman
Produção: Gamechanger Films
Distribuição: Drafthouse Films
Ano: 2015
País: EUA

Postagens Relacionadas











Ataque em Nice: entre "False Flag" e o "Efeito Copycat"

$
0
0

Atualmente ataques e atentados parecem se tornar relações públicas de si mesmos: buscam sempre a máxima repercussão e visibilidade. Dos “frames” escolhidos pelos fotógrafos até a própria tragédia, tudo é retoricamente tão saturado que entra no campo das mitologias midiáticas. A narrativa é sempre a mesma: o ataque de um “lobo solitário”; a ação que interrompe festas, prazer e diversão, o timing, o oportunismo e, finalmente,  a morte/suicídio final do terrorista. O ataque em Nice mais uma vez repetiu o plot. Porém dessa vez acrescentou mais um elemento: a ambiguidade – ataque terrorista? Apenas um louco que odeia o mundo? Por isso no ataque em Nice podem ser encontrados elementos tanto de "Operação Bandeira Falsa" (“False Flag”) como do chamado “efeito Copycat” (imitação). E a coincidência da estreia do filme de ação “Bastille Day” (cujo plot é a luta para impedir um atentado em Paris) no dia do ataque reforça essa hipótese.


Se o semiólogo e linguística francês Roland Barthes estivesse vivo, certamente iria delirar com a foto acima que abre essa postagem. Barthes diria que isso não é mais um exemplar de fotojornalismo, mas uma composição tão retoricamente saturada (o "Cinegnose" chama isso de "canastrice") que passou para o plano das mitologias midiáticas.

Também certamente perceberia o espírito dos tempos atuais, bem diferente das suas análises das mitologias midiáticas dos anos 1950: se lá a retórica fotográfica da imprensa era triunfante e imperialista onde a França ainda pretendia manter a hegemonia sobre suas colônias do norte da África, agora a retórica é da vitimização, sobrevivencialismo e tragédia.

Mas tanto lá no passado como aqui, a saturação retórica é evidente: o “frame” escolhido pelo fotógrafo sobrepõe camadas de simbolismos a um acontecimento: o jovem arrasado, vitimado pela violência em um momento de lazer, a garrafa de espumante, a feliz coincidência da bandeira da França estar ao seu lado como que consolando-o diante de um incrível mar azul da Riviera francesa.

A presença de fotos como essas que ilustram uma tragédia já é um elemento suficiente para despertar aquela pulga atrás da orelha e nos fazer coçar: qual o porquê e o sentido desses acontecimentos que repetem o mesmos plot e canastrice fotográfica? 

O filósofo Theodor Adorno falava que na atualidade objetos e fatos se tornam relações públicas de si mesmos. E em mais um caso de atentados, ataques e massacres, os fatos parecem se encaixar confortavelmente a um script pré-existente na grande mídia como se o próprio acontecimento fosse voltado em primeiro lugar para a repercussão e visibilidade máxima.


Um “lobo solitário”, conhecido pela polícia, protagoniza um massacre (sempre em momentos de lazer/diversão – maratonas, uma revista  de humor politicamente incorreto, casas noturnas como a Pulse e o Bataclan e agora as comemorações do feriado da Queda da Bastilha em Nice) e, no final, a pior ação para investigações futuras que desbaratassem  possíveis células terroristas: o protagonista é sempre executado pelos policiais (ou se mata) como fosse uma sumária queima de arquivo.

Assim como no massacre em Orlando, esse em Nice de cara criou o elemento da ambiguidade que é o principal fator que impulsiona a massificação/viralização de um acontecimento: foi uma premeditada ação terrorista ou um ato desesperado de um louco que odeia o mundo?

Portanto, de um lado temos a hipótese do False Flag que se inicia com as seguintes perguntas: quem ganha? Qual foi o timing? Por que os elementos tão recorrentes? A ambiguidade foi proposital para a repercussão?

E do outro lado o chamado “efeito copycat”: se o protagonista é alguém instável psiquicamente com histórico de agressões e violência doméstica, seria facilmente vulnerável ao efeito de imitação imagens midiáticas de noticiários e filmes – episódios de atropelamentos deliberados por carros e caminhões foram recentemente noticiados e apresentados em obras de ficção. É o que sugere o pesquisador na área Loren Coleman.


(a) Ambiguidade


De imediato, após o caminhão ter sido jogado contra a multidão que terminava de assistir à queima de fogos em Nice matando 84 pessoas e ferindo mais de 200, o presidente François Hollande qualificou como um atentado terrorista: “temos um inimigo que vai continuar a atacar pessoas e países que têm a liberdade como fator fundamental”, declarou na TV.

Enquanto as imagens angustiantes do ataque de caminhão em Nice eram divulgadas, a identidade do motorista era descoberta: um cidadão franco-argelino que residia em Nice. Com histórico de violência doméstica e desequilíbrio psíquico.

Ao mesmo tempo em que o ministro do Interior da França Bernard Cezeneuve declarava que as investigações não encontravam qualquer evidência de jihadismo ou ligações com organizações terrorista como o ISIS, os presidentes Hollande e Obama se apressavam em qualificar o episódio como mais uma ofensiva islâmica. “Esses terroristas estão matando gente inocente de todas as religiões e países”, apressou-se em declarar Obama.

Por que as declarações dos chefes de Estado se apressam em confirmar mais um ato terrorista, enquanto as investigações apontam para outro lado?

O fator ambiguidade é o principal elemento que auxilia na disseminação a princípio de boatos como descreveram Gordon Allport e Leo Postman em 1947. Hoje, é a estratégia deliberada por trás da disseminação de muitas imagens e memes – sobre esse tema clique aqui.


(b) Timing


Poucas horas antes da tragédia, o presidente Hollande disse na sua entrevista tradicional no Dia da Bastilha que não faria sentido o Estado de Emergência ser estendido indefinidamente. Uma declaração feita sob pressão de críticos e ativistas dos direitos civis. Principalmente depois de Hollande afirmar que a Constituição francesa deveria ser alterada a fim de se lidar melhor com a ameaça do terrorismo internacional.

Desde novembro do ano passado após o estado de emergência ter sido declarado, o presidente vem buscando abertamente formas de expandir seus próprios poderes e os poderes do Estado – políticas potencialmente draconianas e a expulsão de estrangeiros que supostamente fossem ameças.

Poucas horas depois da declaração de Hollande... Oh, não! Outro terrível ataque. Algo deve ser feito contra esses terríveis muçulmanos!


(c) Quem ganha?


O atentado contra o jornal Charlie Hebdo no ano passado aconteceu em um momento politicamente crucial para François Hollande: pesquisas apontavam que 85% dos franceses declaravam que ele não deveria se candidatar à reeleição. Até antes daquele atentado, Hollande falava em “união” e “França Forte”.

Hoje, Hollande enfrenta greves e protestos contra a reforma trabalhista e a indefinição da sua candidatura à reeleição em 2017. Como provou o 11 de setembro nos EUA, medo e infelicidade são ingredientes importantes para a unificação diante de um inimigo externo.

A conveniência da tragédia em Nice é perfeita para François Hollande.


(d) Peças soltas


Assim como em séries de TV como Lost que terminam com diversas peças da narrativa soltas sem dar explicações (o que no final só alimentam polêmicas benéficas para a mística da série), mais uma vez um suposto ataque terrorista termina com peças soltas pelo caminho: o motorista do caminhão teria gritado “Allahu Akbar” (Deus é Grande)? O motorista foi assassinado dentro ou fora da cabine do caminhão? – há diferentes testemunhos. Ele guiava e, ao mesmo tempo, disparava tiros contra a multidão? Como foi possível um caminhão de 19 toneladas furar as barreiras policiais? Dispositivo policial insuficiente em um país com estado de emergência declarado e em um evento de feriado nacional? Caminhões pesados são normalmente proibido nas estradas durante feriados nacionais e domingos.

Diante dessas peças soltas, o Ministro Cezeneuve se apressou em afirmar: “nesses momentos de luto devemos manter a dignidade e não cair em polêmicas que só alimentam falsidades”.

Tudo é tão conveniente...

Filme "Guerra Mundial Z"

Efeito Copycat?


A partir do seu livro The Copycat Effect, o pesquisador norte-americano Loren Coleman vem estudando o comportamento de suicidas e homicidas a partir do contagio através do sensacionalismo noticioso das mídias. Personagens, palavras ou narrativas podem adquirir força ao transformarem-se em verdadeiros arquétipos que, quando repercutidos pela mídia, adquirem poder de rápido contagio.

Em dezembro de 2014 dois incidentes onde carros foram jogados contra pedestres deixaram a França em choque. Em Dijon um motorista (supostamente gritando “Allahu Akbar”) feriu 13 pessoas.

Em Nantes um homem bateu uma van branca em um pequeno mercado matando uma pessoa e ferindo nove. Em seguida esfaqueou-se diversas vezes. Na prisão, cometeu suicídio.

Loren Coleman aponta que é intrigante que o ataque em Nice esteja sendo comparado com filmes de zumbis. Filmes como Guerra Mundial Z apresenta sequências sugestivas, dessa vez com um caminhão de lixo arrastando carros e pessoas.

Filme "Bastille Day"

E ainda estava previsto o lançamento do filme de ação Bastille Day nos cinemas franceses no feriado de 14 de julho. Pôsteres cobriam os metrôs em Paris com o sugestivo slogan: “nesse ano, eles são os fogos de artifício”. Sincronicamente o massacre com o caminhão em Nice ocorreu quando as pessoas retornavam do show da queima de fogos na praia.

O filme Bastille Day gira em torno de uma equipe de agentes da CIA que pretende parar um ataque terrorista programado para o dia 14 de julho, Dia da Bastilha.

Para Coleman, esses “memes” ou arquétipos que passam a povoar esse contínuo atmosférico midiático atrai todo um subconjunto de pessoas vulneráveis, homicidas e suicidas em um nível inconsciente.

Ou, como alerta um outro pesquisador em sincromisticismo Christopher Knowles, esses doentes psíquicos estão entre o mundo racional da causa e efeito e o mundo crepuscular dos sinais e dos símbolos. A diferença é que são atormentados por essa realidade sincromística que, então, pode infectar a população em geral.

Essa hipótese sincromística abriria caminho para outra hipótese: a dos “psyops” (operações psicológicas) e “inside Jobs” (“trabalhos internos”): pessoas psiquicamente doentes cooptadas ou induzidas a fazer esse trabalho sujo de alimentar o medo e o pânico para gerar condições ideais para a criação de estados de emergência que justifique toda a sorte de medidas de exceção: suspensão de direitos civis, invasão de casas sem mandados judiciais, restrição do movimento das pessoas, o exército controlando áreas públicas além do monitoramento de telefones,  e-mails e internet sem autorização judicial.


Postagens Relacionadas











A teoria conspiratória do Projeto Montauk na série "Stranger Things"

$
0
0

A nova série Netflix “Stranger Things” (2016) faz um mergulho em um subgênero dos anos 1980 que levou as teorias conspiratórias aos blockbusters: “ET”, “Contatos Imediatos”, “Os Goonies”, “Viagens Alucinantes”, “A Coisa”, etc. Mas também leva a sério a mãe de todas as conspirações, aquela que os pesquisadores da área chamam de Teoria da Conspiração Unificada (TCU) por explicar todos os paradoxos científicos atuais: o chamado “Projeto Montauk”. A série “Stranger Things” (que originalmente se chamaria “Montauk”) se inspira nas especulações em torno desse nebuloso projeto do Departamento de Defesa dos EUA dos anos 1970-80 envolvendo guerra psicológica e psíquica, além de controle da mente à distância. Mas parece que produziu algum efeito colateral que fez o Projeto terminar abruptamente em 1983. E agora esse efeito ameaça uma pequena cidade dos EUA.


Desde que um OVNI caiu em Rosswel, Novo México, em 1947 o mundo não foi mais o mesmo. Seu resultado foi um imaginário que juntou a Área 51, testes nucleares no Deserto de Nevada e os decorrentes fantasmas da contaminação radioativa e Guerra Fria. E tudo amplificado por Hollywood e seus filmes sci-fi de monstros radioativos e invasões da Terra por discos voadores e ETs prontos para ocupar os corpos humanos.

A indústria do entretenimento irradiava a paranoia para todo o planeta e o seu personagem correspondente: o moderno detetive, aquele que não mais resolve crimes, mas agora conspirações. O detetive virou um arquétipo contemporâneo, cujo personagem Fox Mulder da série Arquivo Xé o seu maior representante.

Mas o Detetive soma-se ao arquétipo do Estrangeiro, personagem que vê no deserto a melhor metáfora para a condição de estranhamento e alienação com esse mundo – não é à toa que todo a paranoia contemporânea se originou no Deserto de Nevada. Com isso, o Detetive, a paranoia e as conspirações se associaram a todos os “estranhos”: freaks, geeks, losers e outros habitantes dos undergrounds.

A nova série do Netflix Stranger Things dos irmãos Matt e Ross Duffer faz um mergulho retro a uma época que viveu mais um pico desse clima conspiratório: os anos 1980 da Era Ronald Reagan onde a Guerra Fria foi reavivada.


Lançada nesse mês, a série faz uma verdadeira arqueologia de um subgênero que prosperou naquela década e que levou o imaginário da paranoia e conspirações ao nível do entretenimento: Contatos Imediatos, ET, Viagens Alucinantes (Altered States), Os Goonies, Indiana JonesA Coisa. Tudo embalado pelo som sync-pop da época.

Mas na sua pesquisa arqueológica daquela década, Stranger Things vai resgatar a mãe de todas as conspirações, considerado por muitos a Teoria Conspiratória Unificada (TCU) capaz de explicar todos os mistérios e paradoxos do mundo atual: o chamado Projeto Montauk, a verdadeira Área 51 dos anos 70-80.

E o que torna a série um marcante exemplo da sensibilidade pós-moderna atual é que seus autores, os irmãos Duffer, nasceram nos anos 1990. Ou seja, a série é atravessada por uma paradoxal nostalgia de uma época que não foi vivida pelos autores. Por isso, Stranger Thingsé ainda mais arquetípica: os Duffer fazem uma reconstituição detalhista de um subgêneros dos anos 1980 para tentar expressar um imaginário (detetives e estrangeiros) ainda atual.

A Série


A ação ocorre em 1983 numa pequena cidade de Indiana onde uma dos nerds locais chamado Will desaparece abruptamente quando retornava para casa à noite em sua bike BMX depois de jogar “Dungeons e Dragons” com seus amigos. Sua mãe Joyce (Winona Ryder) fica histérica e pressiona o relutante xerife Jim Hooper (David Harbour) a iniciar uma busca. Para Jim, numa cidade como aquela nada verdadeiramente ruim poderia acontecer.


Mas coisas ruins e estranhas estão acontecendo. Há uma perigosa criatura à solta em meio a flashs de luz. E enquanto os adultos demoram para reagir, um trio de garotos e o irmão adolescente de Will juntam-se para encontra-lo.

No meio de uma das buscas na floresta local, encontram uma misteriosa e lacônica menina: Eleven. Ela está suja, descalça e tem a cabeça raspada. Parece estar fugindo de algo ou teme por alguma coisa muito assustadora. Logo descobrirão que ela tem fortes poderes psíquicos telecinéticos.

Eleven está sendo perseguida por misteriosos agentes – com suas maletas e ternos aparentam fazer parte de alguma agência secreta do Governo. Tudo parece girar em torno do prédio do Departamento de Energia e Luz da pequena cidade. Logo de cara descobrimos que não é apenas um mero departamento municipal: esconde-se nos subterrâneo um complexo de laboratórios onde são realizadas estranhas experiências (entre elas, tanques de privação sensorial) das quais Eleven foi a principal cobaia e de onde conseguiu escapar.

Esses misteriosos agentes são frios e inescrupulosos e farão de tudo para recuperá-la. Quem é Eleven? Para onde Will foi levado? O que há no Departamento de Energia e Luz da cidade? Qual o propósito das experiências realizadas lá? O que é aquela estranha criatura à solta? Essas serão as perguntas que essa primeira temporada da série responderá.

Muitos críticos comparam a série ao filme Super 8, uma grande homenagem a Steve Spielberg, fundador desse subgênero blockbuster com ET e Contatos Imediatos. Mas Stranger Thingsé mais sombrio: a mãe de Will, Joyce, é separada e vive a típica situação de mãe ausente pela necessidade de trabalhar como caixa. Culpa-se pelo desaparecimento do filho. Enquanto o trio de garotos (os “goonies” da série) são hostilizados na escola como nerds e perdedores.


Stranger Things tem um evidente appeal pelos “estranhos” (os atores infantis parecem ter sido escolhidos a dedo para dar essa sensação), os estrangeiros – somente aqueles que vivem essa condição de estranhamento com o seu ambiente é capaz de perceber aquilo todos não percebem porque prisioneiros da mentalidade limitada pelo senso comum.  

Mas ao mesmo tempo os irmãos Duffer rendem homenagem a todos os clichês que compõem a narrativa desse subgênero: um grupo de crianças normais se encontra com o sobrenatural; todos os personagens vivem em uma típica pequena cidade norte-americana; uma das crianças tem uma mãe solteira/separada; mistura do estranho com o familiar (por exemplo, o buraco na parede que vira um canal de comunicação com o “mundo invertido”); o adolescente que vive um triângulo amoroso aparece para ajudar o grupo de crianças.

O Projeto Montauk - alerta de potenciais spoilers


Originalmente a série Stranger Things se chamaria “Montauk”, obviamente inspirada na famosa lenda do Projeto Montauk.

Montauk foi supostamente uma série de projetos secretos do governo norte-americano localizado em Camp Hero, na Estação da Força Aérea de Montauk, Long Island, Nova York, entre final dos anos 1960 até 1983. Pesquisadores sustentam que secretamente o projeto pretendia desenvolver um conjunto de armas de guerra psicológica visando a supremacia na Guerra Fria entre EUA e URSS. A ideia era direcionar pulsos eletromagnéticos contra o inimigo para induzi-lo a sintomas de esquizofrenia.

O navio USS Edridge do Projeto Philadéfia

Na verdade, as origens do Montauk estaria no Projeto Filadélfia na Segunda Guerra Mundial, pesquisa que envolvia a invisibilidade ótica e por radar de navios de guerra através de imensos geradores de campos eletromagnéticos. A experiência decisiva teria sido com o USS Eldridge que teria ficado invisível por três horas. Quando retornou, sua tripulação estava psicologicamente perturbada e muitos enlouqueceram definitivamente - há um filme sobre esse Projeto, o The Philadelphia Experiment (1984) de Stewart Raffill .

Vislumbrando possibilidades de criação de armas, no final dos anos 1960 foi criado uma base subterrânea em Montauk, pelo Departamento de Defesa, em um local destinado a ser um parque público. Um parque que jamais foi aberto sob alegação de contaminação ambiental.

As pesquisas partiram da tese de que a mente humana emitia ondas magnéticas que seriam decodificadas por sensitivos. A ideia seria a criação de ondas artificiais na mesma frequência das naturais, possibilitando o controle de mentes à distância.

Só que as pesquisas tomaram um rumo inesperado com a construção da “cadeira Montauk” e experiências em tanques de privação sensorial: ao unir o cérebro a um computador, a mente foi capaz não só de materializar objetos como também abrir uma fenda tempo/espaço possibilitando viagens no tempo através da mente – o chamado “hiperespaço” ou o “mundo invertido” como se refere na série Stranger Things.

Camp Hero, Montauk em Long Island

Essa fenda abriu também um inesperado loop tempo/espeço com a experiência do USS Eldridge em 1943. Muitos teóricos da conspiração alegam que o Projeto Montauk pode intervir na Segunda Guerra Mundial (já que os nazistas também faziam estudos avançados com armas psíquicas). Isso sem falar nos contatos com seres e tecnologias alienígenas por meio do hiperespaço, de onde vem todas as teorias sobre grays e reptilianos por trás das decisões políticas mundiais.

O Projeto Montauk terminaria de forma abrupta: em 1983, numa experiência ao conectar a mente com o hiperespaço, um pesquisador libertou sem querer um monstro do inconsciente (outras interpretações falam que essa criatura teria vindo do futuro), destruindo completamente as instalações e matando diversos funcionários e cientistas.

E a série é ambientada exatamente em 1983, ano do suposto trágico final do Projeto. E aparentemente, esse monstro que escapou do hiperespaço está ameaçando a pequena cidade de Indiana na série.

Se Stranger Things for seguir à risca essa TCU (como parece nessa primeira temporada) o leitor deve esperar coisas ainda muito mais estranhas e bizarras na próximas temporadas.


Ficha Técnica


Título: Stranger Things (série)
Diretor: Matt Duffer, Ross Duffer
Roteiro: Matt Duffer, Ross Duffer
Elenco:  Winona Ryder, David Harbour, Finn Wofhard, Millie Bobby Brown, Gaten Matarazzo, Caleb McLaughlin
Produção: 21 Laps Entertainment
Distribuição: Netflix
Ano: 2016
País: EUA

Postagens Relacionadas











Viewing all 2058 articles
Browse latest View live


<script src="https://jsc.adskeeper.com/r/s/rssing.com.1596347.js" async> </script>